Alguns dos principais nomes da literatura brasileira visitaram a cidade mineira debatendo o universo da literatura e dos livros na Fliparacatu
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
O estreante Fliparacatu – Festival Literário Internacional de Paracatu se encerrou no domingo, dia 27 de agosto. Dessa forma, ao longo de cinco dias, a cidade mineira recebeu uma programação extensa e intensa em torno da literatura e do pensamento crítico acerca dos livros. Livros como possibilidade para o debate e para a transformação da sociedade. Assim, a partir da temática “Arte, literatura e ancestralidade”, questões como os direitos humanos, a democracia, o combate ao racismo e ao machismo e o olhar para o futuro estiveram em pauta na fala dos cerca de 70 escritores e escritoras convidados. Soma-se a este número cerca de 24 mil pessoas que circularam pelo Festival.
Um time de encher os olhos de qualquer interessado na literatura brasileira – e mundial – contemporânea esteve presente no Fliparacatu. Para citar alguns: Conceição Evaristo, Mia Couto, Itamar Vieira Junior, Jeferson Tenório, Lívia Sant’Anna Vaz, Miriam Leitão, Calila das Mercês, Eliana Alves Cruz e Pedro Pacífico, o @book.ster.
Uma cidade repleta de história
Para o idealizador e curador do Fliparacatu, Afonso Borges, a escolha de Paracatu para a realização do festival literário se dá pelo potencial ainda a ser descoberto na história da cidade. “Paracatu tem uma história que ainda não foi descoberta. Muita gente, inclusive, não sabe onde fica Paracatu. No entanto, é um lugar descoberto em 1540 que passou pelo século XVII construindo todo esse casario, passou por todo o processo do ciclo do ouro… e chega aqui, anos e anos depois, com uma história ainda a ser descoberta. Mas tem uma história aqui, uma história literária através de Afonso Arinos, uma história da arte que está escondida. Curiosamente como o ouro fica, né? Escondido.”
A transformação pela palavra
Dessa forma, Afonso destaca também o potencial transformador da palavra que é a base de um festival literário que promove a reflexão dentro do campo da escrita. “O festival literário tem uma capacidade de expansão de assuntos que outros não tem. Quando você coloca os autores para falarem, para debaterem, você consegue fazer uma pequena transformação. A palavra tem esse potencial. É só você olhar para a Idade Média: por que as pessoas eram perseguidas naquele período? Por que foram mortas? Porque elas falavam.”
Além disso, quem esteve em Paracatu se surpreendeu com alguns dos espaços escolhidos para os debates e rodas de conversa. A Igreja Nossa Senhora do Rosário e o Centro Pastoral São Benedito, por exemplo, foram os dois principais pontos de encontro para o diálogo acerca dos temas norteadores dessa primeira edição, “Arte, literatura e ancestralidade”.
“A gente trouxe as pessoas para falar dentro de uma igreja, de espaços santos, provocando uma revolução dentro da outra, né? Espero que isso aconteça pelo país inteiro, que esses espaços sagrados sejam abertos para a troca de ideias. É um movimento que está acontecendo no mundo inteiro. São espaços que, muitas vezes, têm um grau de ociosidade imenso, ficando fechados quando não há missa, por exemplo. Um espaço lindo como esse utilizado para contaminar crianças, jovens e adultos a gostarem de ler. Para mim esse é o grande objetivo final: fazer as pessoas gostarem de ler de novo”, destaca o idealizador.
Vida longa ao Fliparacatu
Se foi uma primeira edição, não foi esse, no entanto, o sentimento de quem esteve presente durante os dias em que Paracatu se transformou a capital da literatura no Estado. A população local se envolveu com o evento de maneira especial, como se já fosse um velho conhecido. Isso foi fruto de um trabalho anterior, que começou no lançamento da exposição “Portinari Negro” na cidade, ainda em maio, que reuniu 42 reproduções de obras de Cândido Portinari que retratam a realidade de grande parte da população negra no Brasil. Assim, a partir dessa exposição, escolas da cidade foram convidadas para os Concursos de Redação e Desenho, para alunos de 4 a 18 anos, em diálogo com a obra do artista. A premiação dos concursos foi outro destaque da programação.
Por fim, quem não pôde participar de maneira presencial, o Fliparacatu contou com transmissão ao vivo de toda a programação de debates e rodas de conversa. Registro precioso, todo o material segue disponível de maneira gratuito e irrestrita no YouTube do Festival.
Frases marcantes do Fliparacatu
Por fim, confira algumas frases marcantes dos convidados do Fliparacatu:
“Quando somos escritores, buscamos ser outros.”
Mia Couto – escritor e biólogo moçambicano
“O uso da palavra não é vão e não é neutro. A gente se forma pela palavra.”
Cármen Lúcia – Ministra do Supremo Tribunal Federal
“A literatura me libertou.”
Miriam Leitão – escritora e jornalista
“Qualquer política pública, qualquer posição de pessoas brancas contra o racismo, não está nos fazendo um favor. Estamos ocupando um lugar que é nosso.”
Conceição Evaristo – escritora e pesquisadora
“Não há como um povo ter auto-estima se ele não se reconhece no próprio passado.”
Eliana Alves Cruz – escritora e jornalista
“Seguimos contando nossas histórias para que elas não se percam em um corpo único. Para que elas encontrem os corpos dos leitores.”
Itamar Vieira Junior – escritor e geólogo
“Me incomoda o uso do termo ‘recurso natural’. Chama de recurso algum que é nosso patrimônio. O certo é ‘patrimônio natural’.”
Paulliny Tort – escritora e jornalista
“Na ficção, a gente está lapidando histórias que não são somente nossas. São histórias de ancestrais, histórias de comunidades, histórias que a gente inventa.”
Calila das Mercês – escritora e pesquisadora
Confira a cobertura completa do Culturadoria no Fliparacatu:
“A ficção preenche um vazio”, entrevista com Conceição Evaristo
“Busco uma visão poética do mundo”, entrevista com Mia Couto
“Eu sou filha do livro”, entrevista com a jornalista Miriam Leitão
“O racismo não tem valor estético”, entrevista com Jeferson Tenório
Fliparacatu: Expressões culturais e lugares para conhecer em Paracatu
* O Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, por meio da Lei Rouanet. O Culturadoria visita o festival a convite do patrocinador.
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel.