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Agenda Cultural

Rodrigo Portella, o “cara” por trás de “Tom na Fazenda” e “Ficções”

O diretor e dramaturgo Rodrigo Portella, em foto de Fabio Alcover/Divulgação

O diretor e dramaturgo Rodrigo Portella, em foto de Fabio Alcover/Divulgação

Ao Culturadoria, o diretor Rodrigo Portella fala sobre as montagens que, coincidentemente, poderão ser vistas este final de semana em BH

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Com apenas 45 anos de idade, Rodrigo Portella já totaliza 30 anos de percurso no território das artes cênicas. Sim, ele começou a se enveredar por esta seara ainda adolescente, quando se inscreveu em um curso, ainda em sua cidade natal, Três Rios, Rio de Janeiro.

Certo, o fascínio do garoto pela ribalta já havia se manifestado antes – precisamente na infância, quando foi pela primeira vez ao teatro, assistir a uma montagem (no caso, a do clássico “Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado).

Provavelmente, mesmo aos 15 anos, e já imbuído da decisão de seguir este percurso, Rodrigo não imaginava chegar onde chegou, com tantos sucessos de público e de crítica no currículo. E, consequentemente, por conta deles tendo angariado uma pá dos mais importantes prêmios do setor no curso dos anos.

Mesmo com a pandemia no meio do caminho, os últimos anos foram fundamentais na consolidação do nome de Rodrigo Portella na cena teatral – particularmente, por meio das montagens “Tom na Fazenda” (2017), “As Crianças” (2019) e “Ficções” (2022).

Duplamente em cartaz

E, curiosamente, dois desses três espetáculos dirigidos por Rodrigo Portella estarão em cartaz na capital mineira simultaneamente.

Com Vera Holtz no elenco, “Ficções”, como se sabe, está em temporada no CCBB BH até o próximo dia 8 de maio, aliás, com sessões concorridíssimas, de sexta a segunda.

Protagonizado por Armando Babaioff, o aclamado “Tom na Fazenda” chega pela primeira vez à cidade, seis anos após sua estreia nacional. A peça poderá ser vista desta sexta a domingo, no Cine Theatro Brasil Vallourec.

Para celebrar esta feliz coincidência, a reportagem do Culturadoria conversou com Rodrigo Portella – que, sim, mesmo morando atualmente em Barcelona, está no Brasil neste momento, tendo concedido a entrevista de Juiz de Fora.

Confira, a seguir, alguns trechos

O que te levou a morar em Barcelona?

Estou há dois anos lá, fui para fazer mestrado em Direção Cinematográfica, concluído em 2022, na NouproDIGi Escuela de Cine em Barcelona (agora, Rodrigo está fazendo doutorado em Artes Cênicas, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Mas confesso que, neste momento, ando pensando em ir para a França.

“Tom na Fazenda”, como você sabe, acabou de cumprir uma temporada lá (em Paris) e já temos convite para uma nova agenda, agora em teatros maiores. Na verdade, será uma turnê, que deve passar por 50 cidades, não só na França, como na Bélgica, Suíça, Portugal, Marrocos. Mas é a França que está no epicentro disso tudo.

A peça “Tom na Fazenda” já havia feito bastante sucesso na França no ano passado, quando passou pelo Festival de Avignon (no Off do evento). Agora, vocês fizeram esta temporada vitoriosa no Théâtre Paris-Villette, que já rende frutos. Lá, em 2017, quando vocês estrearam, esperava tantos desdobramentos?

Vou ser sincero. Na verdade, eu sou aquele tipo de pessoa que planeja muito pouco a carreira. Aliás, até vejo amigos meus que se organizam, que têm metas… Mas a verdade é que não faço muito esse movimento. E, para ser sincero, toda vez que me propus (a traçar metas), não deu muito certo.

Então, sou um pouco esse artista que vai lidando com o que aparece. O que por um lado é bom, porque elimina a coisa da ansiedade. O lado “ruim” é que há seis anos não faço um projeto meu – desde 2017 venho dirigindo textos de outros (autores).

Agora, sobre o que você perguntou, a boa recepção de “Tom na Fazenda” na França. Pra mim, tem sido uma experiência muito interessante, principalmente por me fazer entender que este trabalho tem potencial para se comunicar com as pessoas em qualquer lugar do mundo. Isso foi (uma certificação) muito importante.

Ou seja, a gente tem, em mãos, um trabalho que foi para o Canadá, para o interior e para a capital da França e que conseguiu se comunicar com o público. Isso me deixa muito feliz. Aliás, ando obcecado com a relação que uma montagem pode estabelecer com o espectador.

Como assim?

Na verdade, os meus mais recentes trabalhos têm sido a reverberação de estudos que tenho feito (neste sentido). Entendo que o conteúdo de determinada peça possa interessar ao público X ou Y, que pode dizer mais a um determinado grupo e menos a outro. Mas o que faz um espetáculo se comunicar com outros públicos (que não o potencial) em qualquer circunstância tem sido a minha obsessão há uns, sei lá, cinco, seis anos. Na verdade, desde que fiz mestrado (em Artes Cênicas) na UniRio.

Tanto no caso de “Ficções” quanto em “Tom na Fazenda”, e ainda em “As Crianças”, montagem que é de 2018 e que também foi bastante premiada, mergulhei fundo neste lugar. Tentei fazer com que todas as minhas reflexões nesse sentido se expandissem para a prática, seja nos elementos de cena, nos corpos, nas palavras, na teatralidade.

Assim, procuro transformar o espetáculo em mais do que algo a ser visto. Procuro estabelecer uma cumplicidade, fazer com que o espectador, de algum modo, se torne um partícipe, articulando memórias, por exemplo. A tentativa é de propor um pacto a se construir com o espectador, para que, no momento em que a encenação se encerre, ele sinta que, mais que ter assistido (a uma atração), tenha vivido uma experiência.

Ainda não assisti a “Tom na Fazenda”, mas em “Ficções” isso é muito evidente…

É isso, um espetáculo como “Ficções” estabelece uma relação muito intensa com o público, a Vera (Holtz) fala muito isso.

O dramaturgo francês Denis Guénoun aborda muito este tema. Aliás, o livro “O Teatro é Necessário” é um pouco o meu “livro de cabeceira”. Foi minha bibliazinha por um tempo.

Nele, ele fala que o teatro vai acontecendo no encontro dos imaginários, nesta ponte. Ou seja, há uma dramaturgia que só descobre nas relações. E acabou que “Ficções” tem uma dramaturgia do público muito intensa, que inclusive altera o espetáculo.

E, aliás, como foi que se deu a sua entrada neste projeto (“Ficções”)?

Engraçado… Quando fui chamado para escrever (a dramaturgia, que teve como ponto de partida o livro “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, de Yuval Noah Harari, que se tornou sucesso mundial), o projeto já havia passado por várias pessoas, como o Bosco Brasil, com Tony Ramos no elenco.

Depois, passou por Gregório Duvivier, Leandro Karnal… Mas ninguém conseguia muito imaginar como transformar aquilo (o livro) em peça.

E quando peguei, entendi perfeitamente aquelas pessoas. Porque é um texto lindo e forte, mas muito árido. Levar (o conteúdo) ao palco me parecia muito difícil num primeiro momento.

E quando se deu o ponto de virada, dado que você acabou não só conseguindo, mas obtendo um resultado que tem agradado público e crítica?

Foi só quando eu abandonei o livro. Quando o joguei fora, na lata do lixo – simbolicamente falando. Comecei a ler tudo que falavam contra a obra, os argumentos de todas as pessoas que falavam mal dela.

Minha ideia foi ler tudo aquilo (neste sentido) para tentar estabelecer um diálogo mais humano com o texto. E acho que esse foi o ponto, assim como quando a gente pensou em trazer a Vera Holtz, que é uma mulher, para o elenco, e não mais ser uma peça com o Tony Ramos, que é um homem branco, cis.

Por que especificamente a Vera Holtz?

Bem, em primeiro lugar, porque ela é quase uma entidade, né? Além disso, tem formação em música e artes plásticas. E ela também passa pelo lugar da celebridade, é uma figura que se expressa muito bem pelo Instagram, por exemplo.

Então, achei que seria uma pessoa que poderia sair do lugar de ‘entidade’, o qual o próprio (autor) Harari também ocupa, para tentar estabelecer uma condição mais humana. E que inclusive não teme expor vulnerabilidades. Acho que a montagem é um encontro das entidades Holtz e Harari neste lugar da humanidade, no sentido de abrir as próprias vulnerabilidades.

Poderia me falar mais sobre isso?

Por exemplo, a Vera, em cena, ela pode, eventualmente pedir ajuda ao ponto, já que este profissional fica no palco o tempo todo, com o texto. Então, ela está se expondo. Tenho a sensação de que ver uma entidade como a Vera Holtz exposta daquela maneira faz com que o público estabeleça uma relação de confiança.

Acho que a gente… Aliás, queria dizer que falo “a gente” porque não trabalhei sozinho neste processo, mas sim em um interlocução com a Bianca Ramoneda, a Milla Fernandez e a Miwa Yanagizawa.

E elas foram muito importantes no processo, porque eram muito provocadoras. A gente conseguiu fazer um texto – e, consequentemente, um espetáculo – que, penso, fala do que o Harari trata na obra, mas que traz a teoria das crenças para um lugar mais individual, pessoal.

Ou seja, ele (Harari) fala no âmbito coletivo, e a gente tenta abrir um canal para o particular. Assim, a plateia começa a pensar nas suas próprias crenças, que foram construídas. Ao mesmo tempo que é muito tenso, a gente abre espaço para a reflexão. E até tenta levar um pouco de esperança.

Porque o texto fala que se a gente construiu isso tudo, também pode desconstruir, para dar lugar a outras coisas.

Agora, saindo um pouco de “Ficções” e indo para “Tom na Fazenda”. O que você acha que a montagem deste texto carrega que faz com que reverbere tanto?

Patrícia, estava dando uma palestra outro dia na qual falei justamente sobre isso. Porque “Tom na Fazenda” é um fenômeno, ganhou todos os prêmios do Rio e SP, Cesgranrio, Shell, ganhamos em Montréal. E tem sido visto por todo tipo de público.

Antes, eu achava que seria uma peça de nicho. Assim, claro que, sem modéstia, credito (o êxito) à qualidade do trabalho. Porque a gente se dedicou muito, foi muito tempo de uma dedicação vertical, profunda. E também, houve muita sintonia (entre as pessoas envolvidas).

Mas tirando isso, que têm a ver com dedicação e encontro, achava que era uma peça que falaria ao público LGBTQI+. E pensei: “Que bom, vivemos em um país muito homofóbico, precisamos falar sobre isso”. Com o tempo, porém, comecei a perceber que o texto falava sobre coisas muito mais abrangentes.

Mais uma vez, queria que me pormenorizasse…

Eu, por exemplo, me senti identificado por ter vindo do interior, de um ambiente rural. Uma periferia muito rural, diria. Meus tios tinham fazenda, me identifiquei muito.

E a situação da qual o texto parte é também um pretexto para falar sobre patriarcado, questões ligadas à terra, à propriedade. Questões que, no Brasil, são muito sérias.

Aliás, no Brasil, tudo que desestabiliza a tríade propriedade, religião e família, não é bem vindo. Tem que ser ceifado, eliminado ou descredenciado.

Recentemente, fizemos uma pesquisa que apontou que, hoje, o público que vai a “Tom na Fazenda” é majoritariamente feminino. Na verdade, posso dizer que é muito misturado: há pessoas mais novas, mais velhas, hétero. Então, está muito claro que a peça estabelece pontes de comunicação (com outros públicos).

Enfim, mesmo com tudo que levantei, confesso que não saberia te dizer o segredo do sucesso da montagem. O texto é bom, a história é boa, nossa encenação é muito comprometida com o texto, com a relação do espectador… Pode ser uma junção desses fatores.

Agora, apesar de o texto ser muito denso, de falar da violência desses corpos, desse ambiente austero, há a presença do humor no texto e na encenação.

A gente foi abrindo espaço para isso porque é fato que nós, brasileiros, temos essa capacidade de rir da própria desgraça. Mas, veja, estou falando de um humor ácido, de ironia.

Você pensa em um dia voltar a morar no Brasil?

Então, como te falei, neste momento, em particular, eu meio que estou fazendo este movimento de ir para a França. Mas a verdade é que não penso em voltar para o Brasil agora. Saí por conta do governo passado, e nunca tinha morado em outro país – já tinha ido, claro, mas em viagens.

Só que essa experiência acabou por me mostrar que a vida pode ser muito mais tranquila (do que a que vivemos aqui). Que a gente pode, sim, viver com menos tensão, que pode relaxar, que não tem tanto perigo.

E esta é uma constatação que, no fundo, é muito triste, né?

Sim! E no caso de vocês, mulheres, então, a situação é ainda pior… A minha mulher, ela é brasileira, e me conta como é sair na rua e estar sempre com medo.

Mas tem um outro ponto que me interessa (na eventual mudança para a França). Em Barcelona, na Espanha, de modo geral, percebo que o teatro não tem muito mais valor do que tem no Rio de Janeiro, por exemplo. Já na França…

Converso muito sobre isso, sobre como as pessoas, na França, mantêm o hábito de ir ao teatro. É como era alguns anos atrás no Brasil. As pessoas se organizam, montam um programa, convidam os amigos, se encontram, assistem juntos à peça e, depois, vão jantar para discutir sobre o que assistiram.

Em São Paulo, eu diria que o cenário ainda é um pouco melhor, mas no Rio, atualmente, as pessoas não vão mais ao teatro como antes. Veja, estou comemorando 30 anos dedicados ao teatro e, nesse período, não vi as coisas melhorarem, ao contrário.

Lá atrás, as pessoas me diziam que se eu dirigisse atriz famosa, teria uma vida muito boa. Da minha parte, eu pensava em conforto, dignidade. No mínimo, poder ter um apartamento em Copacabana.

E não! Com o tempo, me dei conta de que isso seria quase impossível, que o teatro, no Brasil, não iria me proporcionar isso.

E olha que fui fazer TV, sou professor da Casa das Artes de Laranjeiras (a CAL)… Ainda assim, nunca consegui comprar um apartamento próprio. E isso é muito doido, porque nunca pensei em fazer outra coisa.

Isso me deixa muito desesperançoso em relação ao Brasil. Na França é diferente, o governo realmente se preocupa com a cultura, existe o programa de intermitência (ele se refere ao Intermitentes do Espetáculo, que são artistas ou técnicos aos quais o governo assegura uma verba quando não estão em atividade, como uma espécie de seguro-desemprego, mas desde que tenham cumprido alguns requisitos prévios).

Tenho amigos que construíram uma vida confortável lá. Estou com 45 anos e minha meta é chegar aos 60 ao menos com uma certa segurança.

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