Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Relatos do Mundo: reflexões sobre a notícia como necessidade, mercadoria e performance

No filme dirigido por Paul Greengrass, Tom Hanks interpreta um capitão do exército que vive de ler notícias no Oeste

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Eis um filme da temporada de prêmios que se tivesse sido lançado – e visto – no cinema teria feito diferença. Em Relatos do Mundo, o diretor Paul Greengrass capta a imensidão do deserto de um modo que, do lado de cá da tela, conseguimos imaginar o calor, a poeira e o tempo que o Capitão Kidd (Tom Hanks) e Johanna (Helena Zengel) dedicam àquela travessia. Mas não foi esse o aspecto que mais me chamou atenção no longa.

Como jornalista, foi inevitável me conectar com Relatos do Mundo pela habilidade mais essencial de minha profissão: a de contar histórias. Em 1870, Capitão Kidd percorre o deserto americano lendo as notícias em voz alta em lugarejos do Oeste. No meio do caminho ele encontra a garotinha abandonada Johanna e toma como missão levá-la para a família.

O personagem de Hanks, adaptado do livro que Paulette Jiles escreveu em 2016, é inspirado em uma figura que realmente existiu. E fazia isso: lia jornais em grandes performances com público e tudo. Detalhe: as pessoas pagavam por isso.

Tom Hanks lê notícias em Relatos do Mundo. Foto: Netflix/Divulgação

Jornalismos

A comunicação muda. As transformações geram reflexões diárias sobre a possibilidade do jornalismo ser exercido por meio de outras plataformas e/ou práticas. Costumo dizer que precisamos “explodir” a relação direta e quase exclusiva entre jornalismo e mídia para conseguir entender que os relatos do mundo podem estar em qualquer lugar. Primeiro, é claro, precisamos perguntar novamente: o que é jornalismo? 

Sugiro trocar o singular para o plural. Os caminhos para o jornalismo são muitos. Pode estar sim no modo como se estrutura a narrativa de uma palestra, de um curso, no relato – e na condução de uma experiência gastronômica, por exemplo. 

Mas, para além dessas outras possibilidades narrativas, o jornalismo (e suas técnicas) deve continuar firme e forte em página de jornais, revistas, roteiros de vídeos para o YouTube, e assim como em temporadas de podcasts. Só para citar dois exemplos: Praia dos Ossos e Além do Meme, são exemplos jornalísticos em potência máxima.

 

 

Valor

Para além da performance do Capitão Kidd, Relatos do mundo também me fez refletir sobre qual a percepção de valor que o jornalismo tem para o público contemporâneo. Sim, vivemos a infotoxicação e tenho a sensação de que cada vez menos gente paga por informação jornalística nos meios tradicionais. Claro que não tenho respostas para isso. São questões. Incômodos, na verdade. 

Por mais que as audiências tenham potencial para serem enormes, escaláveis, a produção jornalística (a criação da narrativa em si, independentemente da plataforma escolhida) ainda é uma atividade artesanal. Ou seja, é preciso ter gente por trás daquela atividade tão nobre. 

Bom filme

Enfim, para mim o bom filme é aquele que causa exatamente isso: reflexões. Por mais que Paul Greengrass narre uma história do século XIX, ele me faz pensar sobre o século XXI. E o curioso é que isso se dá a partir de um filme de faroeste. Quer gênero mais tradicional na história do cinema? Pode haver aí um interessante contraste proposto pelo diretor. 

Será que no século XXI não estaríamos pensando o jornalismo de uma maneira muito tradicional? O cineasta brasileiro, Jorge Furtado, quando lançou o documentário O Mercado de Notícias, que também refletia sobre o jornalismo, me disse em entrevista que para sermos originais precisaríamos voltar às origens. Quais outras práticas marcaram a história do jornalismo e que teria a ver com a forma como consumimos informação hoje? Não seria interessante revisitá-las para repaginá-las? Obrigada, Paul Greengrass. Em resumo: sigo pensando.

 

Tom Hanks lê notícias em Relatos do Mundo. Foto: Netflix/Divulgação

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