Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

“Zé”, de Rafael Conde: um filme excelente (e necessário)

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Em cartaz na cidade, “Zé”, de Rafael Conde, revisita a militância de José Carlos da Mata Machado, líder do Movimento Estudantil Brasileiro

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Terceiro longa-metragem de Rafael Conde, “Zé” já está em cartaz nos cinemas de Belo Horizonte – Una Belas Arte e Cinemas do Centro Cultural Unimed-BH Minas -, após ter sido exibido em festivais e eventos especiais. “Zé” é uma adaptação da história verídica do estudante José Carlos Novais da Mata Machado. Aluno da Faculdade de Direito da UFMG, ele se tornou uma figura de proa do movimento estudantil que lutou contra a ditadura militar no Brasil. Nascido em março de 1946, o jovem foi assassinado em outubro de 1973, em Recife (após ser localizado em São Paulo), após sessões de tortura no DOI-Codi da capital pernambucana.

Filme "Zé". Foto: Rafael Conde
Cena do filme "Zé", dirigido pelo mineiro Rafael Conde (Frame)

Primeiramente, vale dizer que a empreitada é baseada no livro “Zé – José Carlos Novais da Mata Machado, Uma Reportagem”, escrito pelo professor e jornalista Samarone Lima e publicado pela Editora Mazza. Cearense, o autor investigou a vida do militante em arquivos da repressão, bem como fez entrevistas com militantes contra a ditadura, familiares e amigos. Sobre “Zé”, trata-se, sem exagero, de um filme imperdível. Na verdade, tanto para aqueles que procuram um cinema de qualidade quanto para os que veem a sétima arte para além da função do entretenimento, do lúdico.

Memória

No caso, o cinema como um instrumento eficaz tanto para a manutenção da chama da memória do país quanto para a informação histórica de novas gerações. Principalmente, em tempos nos quais fatos do passado, mesmo com testemunhas ainda vivas e registros das mais diversas ordens (fotos, cartas, documentos), são – inacreditavelmente – minimizados, ou mesmo refutados.

Assim, “Zé” se junta à cepa de filmes que, com valentia, adentram uma “página infeliz” da história do Brasil. Passível, pois, a corroborar para que absurdos e abusos cometidos em período ainda tão recente da história não se esvaneçam. Ou que deem lugar a narrativas decalcadas da realidade.

Aqui, modestamente selecionamos cinco trunfos do longa “Zé”, de Rafael Conde – que, no nosso parecer, vale, muito, a ida ao cinema.

Elenco

Em “Zé”, Rafael Conde reuniu um elenco afinadíssimo e talentoso, que traz desde atores veteranos, como Yara de Novaes, a jovens expoentes que exibem, em tela, adequação e entrega. Yara de Novaes interpreta Yedda, mãe do jovem Zé. Nas vestes de uma mulher pertencente a uma célula familiar abastada, católica (por exemplo, mantém a tradição de rezar antes das refeições), a atriz demonstra uma atuação na medida, oscilando entre a rigidez (que adota, por exemplo, quando tenta impedir que o marido forneça, inadvertidamente, informações que possam levar ao endereço do filho), o acolhimento (aos netos) e o desespero.

Yara de Novaes (blusa com listras) em cena de “Zé” (Frame/Embaúba Filmes/Divulgação)

Nenhum dos outros atores fica a dever, até mesmo aqueles que fazem uma ponta, como a artista Sara Não Tem Nome. Mas é preciso nos determos na atuação de Caio Horowicz, perfeito. Na composição do personagem, o ator paulista, de apenas 28 anos, exala sensibilidade. Assim, torna absurdamente crível o seu Zé, um jovem idealista que, em nome da utopia de uma sociedade menos desigual, se lança à guerrilha, de forma audaz e temerária. Mas, como já dizia um nome icônico da história latino-americana, sem perder a ternura. As atrizes Samantha Jones (que aparece com Caio Horowicz na foto abaixo) e Eduarda Fernandes também são destaques.

Frame do longa “Zé” (Embaúba Filmes/Divulgação)

Discussões ainda na ordem do dia

O filme “Zé” traz muitas cenas com diálogos comoventes e atuais, mas uma delas vale ser destacada. A que mostra Zé, em passagem por Belo Horizonte, conversando com outros jovens, na casa dos pais. Ali, eles tentam demovê-lo da atuação na clandestinidade, argumentando que há outras formas de luta. Revoltado, Zé coloca na mesa o equivalente ao salário mínimo da época e os desafia a viver com tal valor, trazendo à tona a discrepância entre prática e teoria.

Pertinência

Sobre este ponto, o texto introdutório já diz muito. Assim como o cinema argentino, o chileno e o de outros países que viveram sob regimes nos quais a inadmissível prática de tortura foi utilizada, ceifando vidas e destruindo famílias, é reconhecidamente necessário que a arte também se debruce sobre tais períodos, no sentido de não permitir que sejam esquecidos.

Escolhas

Ao contrário do que o candidato a espectador de “Zé” possa de pronto imaginar por se tratar de um filme alusivo a um militante de esquerda cujo trágico fim já é conhecido, por ter um fato real como calço , a violência física não aparece de forma acentuada na narrativa fílmica. Há, claro, momentoso muito incômodos, como no interrogatório de Bete/Madalena (Eduarda Fernandes), no qual ela aparece acuada, principalmente pela presença do primogênito, Eduardo, na sala em que está sendo sabatinada. Ou seja, a violência está ali, pulsante, mas não é totalmente explicitada com cenas em que métodos de tortura – como os listados no livro de fundamento “Brasil Nunca Mais” – aparecem. Ao fim, não espere menos que sair abatido da sala de exibição, mas a tortura é narrada mais no âmbito do psicológico ou pelo que se entende nas entrelinhas.

Estética

Há cenas muito belas, plasticamente falando, em “Zé”. Podemos citar, como exemplo, a que Edgard Godoy da Mata Machado, pai de José Carlos, o Zé, conversa com um colega, na rua, estando a câmara mais elevada, e ao longe (frame, abaixo).

A reconstrução de época também vale destaque, com um mobiliário bem fiel à época, feito em madeira mais pesada e escura, assim como os objetos de cena. O recurso da leitura das cartas aos pais, feita pelo personagem Zé olhando diretamente a câmara, também funcionou muito bem.

Confira, a seguir, o trailer do filme

Ficha técnica

Direção: Rafael Conde
Roteiro: Anna Flávia Dias e Rafael Conde
Do livro de Samarone Lima: “José Carlos Novais da Mata Machado, uma reportagem”
Produção: Samantha Capdeville
Fotografia: Luís Abramo
Direção de Arte: Oswaldo Lioi
Montagem: Fabian Remy
Desenho de som e trilha original: Pedro Durães
Som direto: Gustavo Fioravante
Distribuição: Embaúba Filmes

Rafael Conde: “Zé” é o terceiro longa da carreira do diretor (Bianca Aun/Divulgação)

Serviço

“Zé” – Rafael Conde
Em cartaz no Una Cine Belas Artes (Rua Gonçalves Dias, 1.581, Lourdes), às 18h30. Tal qual, no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes), em sessão às 20h30.

(*) O Culturadoria aconselha o interessado em assistir ao filme a conferir no site dos cinemas citados se a sessão está mantida no dia de escolha.


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