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Por dentro das mentes de Ogoin e Linguini, os donos da música do ano!

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Contando com duas indicações no Prêmio Rap Brasil, Ogoin e Linguini venceram a categoria “Melhor Música” com o single “Good Times”

Por Caio Brandão | Repórter

Não é exagero algum dizer que Minas Gerais é referência dentro do ecossistema do rap nacional. Djonga, Sidoka, FBC… Esses são só alguns exemplos que deixam claro o potencial explosivo que o estado possui para revelar talentos. Nesse sentido, uma nova geração começa a dar as caras, e, dentro dessa lógica, uma dupla se sobressai: Ogoin e Linguini.

Contando com duas indicações no Prêmio Rap Brasil, Ogoin e Linguini venceram a categoria “Melhor Música” com o single "Good Times"
Ogoin e Linguini - Foto: José Dutra

Juntando duas trajetórias artísticas, o duo vem construindo uma sonoridade única e, assim, conquistando fãs. Ademais, venceram a categoria “Melhor Música” no Prêmio Rap Brasil, uma das honrarias mais conceituadas do país no âmbito do rap, com o single “Good Times”, além de terem sido indicados na categoria “Artista Revelação”. Sendo assim, o Culturadoria conversou com a dupla para entender como se deu esse processo de colaboração. Confira!

Vocês dois têm trajetórias separadas antes das colaborações recentes. Como foi esse processo de entrada no mundo da música?

Linguini: Desde que eu comecei a ter acesso à internet já pesquisava sobre coisas que estavam fora do meu alcance e das pessoas que estavam à minha volta. A galera, ali por volta de 2011, 2012, escutava muito o que tocava no rádio, música pop, etc. Assim, eu já me sentia diferente nesse sentido, eu me aprofundava em gêneros musicais que ainda não eram populares no Brasil, como a cena de música eletrônica londrina, com a qual tenho muito contato hoje, na minha carreira de DJ.

Eu sempre tive esse ar de pesquisador, de escutar coisas fora da caixa, principalmente em relação ao ambiente que eu estava. Em 2014 e 2015, tive um reencontro com o rap por meio de batalhas de rima, sendo que eu já era fã desse estilo desde criança. No lugar onde morava, sempre passavam, na rua, carros tocando rap e tal, então, não tinha nem como fugir muito disso (risos). Desse modo, comecei a pensar: “Isso é muito doido, eu quero fazer isso”.

Posteriormente, eu sempre brincava de rimar com os meus amigos, e eles viam que eu levava jeito. Em 2016, teve uma batalha de rap no Cefet, que era onde eu estudava na época, e tinha uma vaga lá. Eu entrei e, ali, tive a minha primeira experiência com um microfone. E fui o campeão da batalha! 

Daí, vários amigos meus começaram a me incentivar nesse caminho, me incentivar a escrever as minhas próprias letras e tal. Comecei a gravar. Inclusive, a primeira música que fiz foi gravada dentro de uma sala do Cefet (risos). Tudo isso em meio às ocupações de 2016, por causa dos cortes de verba que estavam acontecendo na época. 

Consequentemente, fui lançando meus trabalhos e contava muito com beats de amigos nessa lógica. Foi aí que comecei a dar pitacos nos beats. Falava para usar uma bateria diferente, cortar os samples em outro lugar. Partindo disso, a galera falava que eu devia começar a fazer meus próprios beats, e tudo isso culminou quando, em 2020, lancei um álbum e um EP de beats autorais. 

Depois disso, com a flexibilização da pandemia, desenvolvi um interesse muito grande em discotecagem também, por conta das festas que frequentava. Então, tenho essa história como rapper, mas hoje tenho mais foco no Linguini produtor, o Linguini arranjador, que não necessariamente está ali no palco, no front.

Ogoin: Eu sou de Itabira, e a música sempre foi muito presente na minha vida. Eu cantava na igreja desde muito novinho, desde os 5, 6 anos de idade. A minha voz era muito aguda nessa época, e isso fazia com que eu tivesse destaque. Então, quando tinha uns 10 anos, já liderava a equipe de louvor da igreja, também pelo fato de eu ter essa coisa pessoal da liderança, sempre tive afinidade com isso. 

Fiquei nessa até o fim da adolescência, e, nesse meio tempo, também escrevia minhas próprias letras. Cheguei até a ganhar alguns concursos de poesia que rolavam na igreja. Aliás, já ganhei um concurso nacional de poesia cristã (risos).

Quando eu me afastei da igreja, comecei um projeto, com amigos de escola, que movimentava a cena musical de Itabira. A gente tinha um circuito legal dentro daquele nicho, eram cinco ou seis adolescentes que percebiam essa necessidade de trazer a juventude para os espaços da cidade. Então, acabou dando muito certo. Tocamos todo final de semana em um ano e 7 meses de projeto. Pegando todo esse período, não deve ter nem dez finais de semana que ficamos sem tocar. 

Nesse sentido, comecei a amadurecer como compositor, trazendo novas referências, principalmente o rap, por causa do meu pai e dos meus primos mais velhos, que eram muito fãs do estilo. Quando a banda acabou, fui me desenvolvendo individualmente, até lançar o EP “Amarelo Manga”, em 2018. Naquela época, conheci os meninos da antiga Tumor, que era um selo independente daqui, de BH, e apresentei para eles o projeto do “Amarelo Manga”. E fomos desenvolvendo o trabalho. 

Era tudo gravado em casa. Alguns sons, gravei até dentro do carro de um amigo meu. Em Itabira, haviam vários bairros isolados, que ainda estavam em construção, então, a gente foi para um deles levando só um notebook com a bateria viciada, que devia durar no máximo uns 40 minutos, e gravamos alguns sons assim (risos). 

Então, nessa época, eu vim para BH por conta da faculdade, fiz vários amigos aqui. Dessa forma, dei segmento nessa ideia de criar uma identidade. Mas, até encontrar com o Linguini, esses trabalhos eram tentativas de consolidar algo que eu não tinha, de fato, condições de consolidar. Me faltavam vários conhecimentos, principalmente sobre produção. Então, foi perfeito conhecer o Linguini, já que ele conhece bem demais essa área, e a gente se complementa bizarramente bem (risos). 

Falando de vocês como dupla, como foi esse processo de união, tanto no aspecto artístico quanto no pessoal?

Linguini: Hoje em dia, ninguém consegue nada sozinho. Até se você for um artista solo, você tem que colaborar com outras pessoas, não tem como! Durante a pandemia, meu processo de produção era muito solitário, então, as pessoas me viam como um artista muito independente, mas eu não glamourizava essa situação, muito pelo contrário! Eu queria trabalhar com mais gente.

Eu via alguém que eu julgava ter potencial e ficava doido para fazer uma colaboração ou algo do tipo, e eu nunca tinha feito isso antes de conhecer o Ogoin. Tem uma página que chama Inverso Rap, que é uma das mais relevantes no que diz respeito a análise técnica, reviews, conteúdo de rap no geral. Eles são ácidos, super exigentes nas análises, então quando eles recomendavam alguém novo, eu tinha segurança de que era um artista muito bom (risos). 

Então, eles tinham um quadro só para isso, que chamava “Descobrindo”, e, na segunda edição dessa série, o Ogoin apareceu e, logo em seguida, na terceira, eu apareci. Desse modo, eles também estimulavam a interação entre os artistas que apareciam lá. E conheci o Ogoin assim. Até então, não o conhecia pessoalmente, mas já “rachava os bico” com as coisas que postava nas redes sociais, achava engraçado demais! Já ficava tipo: “Esse mano é bom” (risos). Ele também sempre postava vídeos dele cantando e eu ia lá interagir, às vezes eu postava músicas minhas e ele já conhecia e tal. 

Daí, ali, em 2020, 2021, eu comecei a me interessar muito pelo Drill, que é um subgênero do rap. Mas não era um Drill agressivo, o qual inclusive eu já fiz muito! Porém, não sentia que isso encaixava muito na minha vibe enquanto artista, bem como no aspecto pessoal também. Aí, mandei uns beats mais melódicos, com uma vibe mais retrô, para o Ogoin. E, em cinco minutos, ele já tinha feito várias músicas! Foi assim que nasceu “SEM PROPÓSITO”, que foi a nossa primeira música. 

Ogoin: Nesse momento, eu estava procurando um jeito de me guiar esteticamente. Eu consumo muita coisa, mas nem tudo que consumo, quero reproduzir enquanto artista. Então, me sentia muito à vontade nesse espaço entre o Drill e o R&B que o Linguini me trouxe, já que eu gostava muito desses estilos. Assim, quando ele me mandou os beats, já estava tudo na ponta da língua!

Além disso, eu sentia que o Linguini era uma pessoa muito genuína, e gosto muito de ter esse tipo de gente próxima a mim. Então, nossa conexão foi muito fluida, no nível artístico e no nível pessoal. Nós não conduzimos a nossa relação com a intenção de formar o duo, mas acabou acontecendo naturalmente, porque fazia muito sentido. Não tinha nada que impedisse isso, muito pelo contrário! Nós temos uma sinergia muito forte.

Quando alguém escuta o som de vocês, fica muito claro que têm uma sonoridade muito característica, muito única. Como vocês construíram esse estilo?

Linguini: Eu e o Ogoin somos muito diferentes, então, há algumas influências que não coincidem. Às vezes ele me mostra uma coisa que gosta muito, mas eu já não gosto tanto, e vice versa. Em contrapartida, a gente conhece muito bem o gosto um do outro, então, tem várias coisas que ouço e penso: “Se o Ogoin não gostar disso, ele ficou maluco!” (risos). 

Então, o que a gente tem em comum, a gente tem muito em comum, justamente por causa dessa afinidade. Daí trouxemos sonoridades de décadas anteriores e misturamos com progressões que remetem ao R&B, ao jazz. E a gente dá umas “entortadas” nas músicas, que acho importante demais! Eu percebo que, no cenário nacional, temos trabalhos que são muito lineares, ficam presos dentro de uma escala específica, nem uma notinha escapa.

Dessa forma, quando eu apresento uma “entortada” para o Ogoin e ele acha legal, a gente mete marcha, porque isso é raro no cenário nacional. Nós não somos os “cabeçudos” do jazz, do soul, etc, mas damos essas “entortadas”, que dão um “molho” junto a essa sonoridade retrô que a gente aplica.

Ogoin: É interessante olhar desde os nossos primeiros trabalhos até os mais recentes, porque dá para perceber o processo de amadurecimento das nossas referências. E o álbum que a gente está fazendo agora é a realização dessa maturação conjunta. É algo gradual e que pode ser percebido, sabe? Nós já vemos a galera comentando com a gente: “Nossa, esse som me lembra uma música antiga, eu mostraria para o meu pai!” (risos).

Então, nós filtramos essas referências e, assim, as aplicamos com eficácia. E isso vai ficar muito claro no álbum que estamos produzindo. Conseguimos achar um equilíbrio entre sentir firmeza nas nossas influências e fazer um som que as pessoas vão curtir. 

O álbum deve ser justamente o que a galera está mais esperando, né? Como está sendo fazer o álbum?

Linguini: A experiência de somar dois cérebros é muito especial. E um desafio enorme. Na verdade, nem eu nem o Ogoin já havíamos feito algo desse tamanho. Todo mundo envolvido no projeto nunca lidou com algo nessas proporções, e isso é interessante demais. Nós ainda lidamos com todos aqueles problemas clássicos de ser um artista independente no Brasil, mas a experiência é maravilhosa! Não tem um dia que eu não pense nesse álbum (risos). 

Miramos com uma precisão muito bacana nas pessoas que vão somar no projeto além de nós. Os músicos, os arranjos vocais, tudo isso gera um nível de complexidade muito desafiador. Tem dias que eu brinco com o Igor, que é da gravadora Produto Marginal: “Olha o buraco em que fui me meter!” (risos). Mas isso é muito legal, a ideia do álbum veio naturalmente para mim e para o Ogoin. Sentimos que o duo funcionou e já estávamos morrendo de vontade de fazer o álbum!

Fomos traçando a narrativa, e hoje já temos um conceito fechado, que não posso revelar agora (risos). Tem muita coisa relacionada à nostalgia. Trazemos elementos novos, mas com cara de música antiga. Quando alguém fala que o nosso som poderia ser tocado em uma rádio décadas atrás, é algo que significa muito para a gente. Significa que essa complexidade vale a pena. Essa sonoridade é a culminação de todo um processo. Não foi uma coisa pensada do nada, então, isso é legal demais.

Ogoin: Gravar esse álbum, para mim, é quase terapêutico (risos). Tem dia que eu saio do estúdio e parece que ganhei na loteria! Então, acredito que, independentemente dos resultados ou algo do tipo, esse processo de desenvolvimento do álbum já é uma conquista gigante, e temos muita segurança disso.

Esse álbum é a realização de uma parte pessoal e artística minha. Finalmente consigo sentir que o que estou fazendo, independentemente de qualquer coisa, é um produto genuíno e que explora toda a minha capacidade. Essa experiência me mudou completamente como artista e como pessoa. Mudou minha percepção de processo criativo, o entendimento dos meus limites nesse aspecto. Hoje eu sei muito melhor o que eu já faço bem e o que preciso melhorar e, se não fosse esse álbum, eu nem sei se esse processo aconteceria.

Vocês ganharam a categoria “Melhor Música” no Prêmio Rap Brasil com “Good Times”! Como foi o momento que vocês receberam a notícia?

Ogoin: Eu estava em Itabira no dia e minha família não entendeu nada (risos). Nós ficamos sabendo antes, por meio da produção do prêmio, porque tínhamos que gravar o discurso de agradecimento e tal. Nem a indicação tinha saído ainda, a gente nem sabia contra quem a gente iria concorrer! 

Ganhar a categoria não foi exatamente uma surpresa para nós, porque sabíamos que “Good Times” era a música do ano (risos). O que me surpreendeu de fato foi que a gente conseguiu juntar força suficiente para convencer a galera que, de fato, tínhamos feito a música do ano. Muita gente que não conhecíamos postava a música. Ela aparecia nas retrospectivas de streaming das pessoas, aí, vimos que esse som tinha significado algo especial para muita gente. 

Eu acredito que a forma com a qual aconteceu a votação dentro do prêmio foi muito democrática, trazendo pessoas de diversos espaços do Brasil. Eles poderiam trazer só nomes mais próximos, até por uma questão de territorialidade, mas foram na contramão disso. Somos artistas independentes, não estamos dentro da lógica de comércio do rap em grande escala, então, eles terem percebido a gente sinaliza que foi uma iniciativa efetiva. 

“Good Times” é uma música que extrapola um pouco os limites do rap, não tem nenhum verso nela, nenhuma “barra”. Assim, uma música como essa ganhar uma categoria dentro de um prêmio focado no rap, significa demais também. 

Linguini: Nós fomos informados ao mesmo tempo. Eu estava na casa da minha avó, em Sarzedo, e ela nem sabe direito o que é rap, muito menos Drill etc. Mas sabe que eu trabalho com isso. Por exemplo, quando eu toquei no Sarará, que rolou no Mineirão, ela achou incrível porque era no Mineirão (risos). Então, explicar o que foi ganhar esse prêmio para ela foi gostoso demais, eu estava muito feliz! 

Foi um momento maravilhoso, fomos tomar um cafézinho, comer um pão de queijo caseiro, um bolinho, foi lindo! Ao mesmo tempo foi muito louco, porque eu não podia soltar a informação para todo mundo, falei só para as pessoas mais próximas. 

A galera do ruadois também foi indicada em algumas categorias do prêmio, e isso dá a impressão que tem uma nova geração do rap mineiro se formando. Como vocês veem esse processo?

Ogoin: A galera está começando a entender que existe uma nova cena, começando a pedir por cabeças novas, ideias novas. Geralmente, a renovação acontece por meio de artistas que já são consolidados e se reinventam. Mas agora tem muita gente nova aparecendo.

Minas Gerais sempre exportou muita coisa nova, até o próprio Clube da Esquina passa por essa lógica. Então, tem todo um circuito florescendo aqui, em Minas, tem a gente, o ruadois, as festas, artistas de fora que vêm tocar aqui, a galera que está presente nesses espaços. Muita gente está consumindo essas coisas. Não que eu esteja comparando a gente com o Clube da Esquina (risos). 

Digo isso no sentido de que tem coisas novas sendo feitas, e é muito louco participar desse processo. É uma vivência urbana, underground, de cena, de projeção artística, e isso tudo é muito positivo. Fico muito feliz de fazer parte disso.

Linguini: Nós fazemos a nossa própria parada e somos reconhecidos por isso. Nós vamos para além do que é esperado no rap. Não temos interesse em falar o que todo mundo fala, ter essa postura de artista, essa marra, uma agressividade que, em alguns momentos, fica forçada na letra. Nós criamos um sentimento sincero a partir da nossa arte, e as pessoas abraçaram isso.

No caso de “Good Times”, são versos simples, genuínos. Tem um amigo nosso que pediu a garota com a qual saía em namoro ao som de “Good Times”! Meus amigos que me acompanharam desde a primeira rima hoje me veem fazendo a ‘música do ano’. E vejo eles felizes. Também viram as vezes em que eu não ganhava. Mas agora veem esse reconhecimento, e isso é muito gratificante. Aliás, poderia ficar por horas falando só disso!

Ouça Ogoin e Linguini pelas plataformas de streaming, ou pelo YouTube!

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