Misturando diversas influências, Turnstile criou uma sonoridade única, abrindo horizontes inéditos para esse estilo
Por Caio Brandão | Repórter
Gêneros musicais são algo difícil de debater, dependendo do ponto de vista. Vários estilos se dão dentro de paradigmas muito bem estabelecidos, muitas vezes extrapolando o que diz respeito apenas à sonoridade. Assim, tal processo acaba por assumir um status quase dogmático, limitando os artistas nos respectivos processos criativos.

O punk, e tudo o que deriva dele, talvez seja o gênero musical que mais se encaixa nessa lógica, afinal, uma parcela significativa dos fãs desse tipo de música adere a uma filosofia de que não se deve alterar, pelo menos não bruscamente, a fórmula estabelecida anos atrás. Contudo, o estilo parece atingir o potencial máximo justamente quando esses limites abstratos são desafiados.
O experimentalismo dentro desse contexto não é uma novidade, muitas bandas construíram reputações com base nisso. Mas, na história recente, existe um conjunto que lidera uma revolução dentro desse ecossistema: Turnstile.
Os primeiros passos
Formada em 2010, na cidade de Baltimore, em Maryland, nos Estados Unidos, Turnstile já demonstrava ter potencial desde a fase embrionária. Em contrapartida, sofria com entraves que uma banda nesse estágio tipicamente sofre. Ainda não havia uma identidade musical claramente definida, além da baixa projeção por estar começando dentro de um nicho bastante específico: o hardcore, subgênero do punk.
Sendo assim, os primeiros trabalhos foram gradualmente concluídos, conquistando os primeiros fãs. Dentre eles, o maior destaque é “Non-Stop Feeling”, o primeiro álbum da banda, lançado em 2015 . É verdade que os EPs disponibilizados previamente também têm valor, mas foi a obra de estreia que deu os primeiros sinais de que Turnstile teria algo único para mostrar.
“Non-Stop Feeling” não é complexo, muito pelo contrário: é franco e direto, mas executado com eficiência e convicção. Tudo ali é muito incipiente, uma pequena amostra do que estava por vir, resultando numa obra, acima de tudo, divertida, mas que foi apenas o primeiro degrau que a banda subiria rumo à prosperidade que possui atualmente.
O tempo e o espaço
Depois de estrear com um trabalho, digamos, mais simples, mas que já capturava o interesse dos fãs mais atenciosos, Turnstile voltou ao estúdio para desenvolver aquele que seria o primeiro grande sucesso. Então, em 2018, lançaram o segundo álbum, “Time & Space” e, a partir dali, não havia mais como ignorar a banda.
Contendo algumas das melhores faixas de todo o catálogo do conjunto, como “Real Thing”, “Big Smile”, “Generator” e “I Don’t Wanna Be Blind”, a obra exibe uma criatividade extasiante, que ainda aumentaria no futuro. O jeito com o qual a banda brinca com os princípios básicos do hardcore punk para criar um estilo singular impressiona, gerando uma experiência explosiva e memorável.
Essa dinâmica demonstra o maior trunfo do Turnstile: desapegar do que se espera do hardcore punk, sem esquecer, jamais, os fundamentos sonoros que ajudaram a construir a identidade não só da banda em si, mas também dos membros que a constituem. Consequentemente, a obra se apresenta como algo que expande as possibilidades do gênero, bem como respeita trabalhos mais antigos que viabilizaram a existência desse álbum.
Enfim, “Time & Space” é um triunfo completo do Turnstile, projetando a banda para todo o nicho do punk. Se “Non-Stop Feeling” foi o jab, “Time & Space” foi o cruzado que nocauteou de vez os fãs, gerando uma expectativa gigantesca para o futuro. Porém, nem o seguidor mais otimista do conjunto estava preparado para o que viria.
“Glow On” e a revolução da fórmula
Em 2021, Turnstile lançou “Glow On”, e não é exagero dizer que esse álbum é um dos mais importantes não só da história recente punk, mas do rock como um todo. O trabalho é uma união de influências distantes, mas que, de alguma forma, funcionam com uma naturalidade impressionante.
Junto a elementos clássicos do punk, é possível ouvir aspectos do indie rock, grunge, pop rock, dream pop e, até, uma leve influência de ritmos latinos. Chega a ser bizarra a quantidade de inspirações diferentes que aparecem na obra. Entretanto, o mais mesmerizante é que a banda fez tudo isso funcionar em perfeita harmonia.
Quando a descrição de um álbum se dá dessa forma, é possível que surja a interpretação de que os instrumentais pesados perderam espaço no meio de tantas novas influências. No entanto, a brutalidade dos trabalhos anteriores ainda se faz presente de forma inquestionável, basta ouvir faixas como “T.L.C”, “Holiday” e “Dance-Off’.
As novidades, porém, vêm na forma das faixas mais leves. “Underwater Boi”, “Mystery” e “New Heart Design” mostram a versatilidade potente da banda, utilizando momentos bem mais melódicos, sem perder a essência que carregam desde o início da carreira.
Ainda existem músicas como “No Suprise” e “Alien Love Call”, que pendem de forma mais brusca para um pop etéreo, mas que funcionam tão bem quanto o restante do álbum, embora assumam uma função de interlúdio. O êxito obtido nessa mistura de sonoridades deu à obra e à banda uma notoriedade inédita na trajetória até então.
Todos esses pontos geraram um álbum que oferece novas perspectivas dentro de um gênero musical conhecido pelas fortes tradições criativas que atravessam várias gerações. “Glow On” é um trabalho extremamente refrescante, que oferece uma sonoridade única e que porta um carisma absurdo que transcende o âmbito auditivo.
O timing perfeito
O contexto de lançamento do “Glow On” é muito importante para entender o poder dessa obra. O ano era 2021 e o mundo começava a se abrir novamente após a pandemia da Covid-19. Depois do que pareciam ser décadas de isolamento, finalmente as pessoas voltavam às ruas com uma vontade louca de recuperar o tempo perdido, de rever amigos e família, enfim, de voltar a viver a vida.
Tendo isso em vista, o álbum ergue uma consonância gigantesca com esse processo. A sonoridade e, principalmente, as letras, foram desenvolvidas com uma sinceridade visceral. Todavia, o que realmente transborda, ao ouvir o trabalho, é o desejo intenso pelo ato de viver que emerge das canções.
Vários sentimentos que despertam no cotidiano de um ser humano são abordados, mas isso não é novidade nenhuma no mundo da música. Incontáveis artistas abordam essas temáticas que, sinceramente, são algumas das mais comuns que vemos por aí.
Entretanto, é a roupagem que Turnstile dá a essas reflexões que as torna algo verdadeiramente especial. Tanto a parte instrumental quanto a vocal transmitem uma energia que é até difícil de ser descrita com palavras. É um misto de jovialidade com sabedoria, erguido por uma aceitação lúdica do amplo leque de emoções que um indivíduo sente durante a vida.
A intimidade que surge do agridoce
Essa aceitação, porém, não se mistura com apatia. Muito pelo contrário. Ela transmite uma visão de mundo em que a vulnerabilidade é o maior combustível para a resiliência. Sentimentos vão e vêm, são absolutas impermanências. Mas o que deve permanecer, de fato, é a atitude e a convicção de enfrentar e desfrutar de tudo isso sem se alienar com os sofrimentos que o mundo propõe.
O timing de lançamento fez com que o álbum se tornasse íntimo dos fãs. Era como conversar com um amigo antigo, rememorando as dores e prazeres que passam juntos, resultando em uma reflexão profunda sobre o que é realmente aproveitar a vida em um momento em que ela se abria novamente para que fosse desfrutada. Basicamente, “Glow On” faz o ouvinte ansiar por viver, por mais agridoce que esse processo seja.
Além disso, esse período de tempo marcou a volta das performances presenciais, e é claro que os shows do Turnstile foram muito cobiçados. Assim, o engajamento dos fãs com a banda foi intenso, fidelizando os ouvintes e criando uma base de seguidores apaixonados.
Identidade e acessibilidade
A influência irrefutável de ritmos mais “palatáveis” em “Glow On” fez com que a obra tomasse proporções enormes. O gatekeeping, que é o termo em inglês para o ato de restringir algo apenas para os fãs antigos dessa coisa específica, permeou o rock por muito tempo, mas Turnstile promove, com todas as forças, o contrário disso.
A sonoridade acessível da obra está expandindo não só a popularidade da banda em si, mas de todo o gênero no qual está inserida. Cada vez mais pessoas que nunca estiveram interessadas nesse estilo de música estão ouvindo Turnstile, bem como bandas de hardcore, punk e rock no geral.
A identidade visual do conjunto também coopera para que isso aconteça. Nesse sentido, a estética adotada rompe com o que está estabelecido no gênero. Capas de álbum agressivas, roupas disruptivas, tudo isso foi deixado de lado para dar espaço a algo mais suave, fazendo com que as pessoas pudessem se identificar com a banda mesmo que não pertencessem a essa subcultura.
Além disso, os videoclipes do Turnstile são um show à parte. Junto ao lançamento do Glow On, foi publicado o curta “TURNSTILE LOVE CONNECTION”, que também serve como clipe para as músicas “Holiday”, “No Suprise”, “Mystery” e “T.L.C”. A obra, dirigida pelo próprio vocalista da banda, Brendan Yates, é a tradução perfeita do sonoro para o visual. O resultado é impecável, perfeito para os curiosos que estão interessados por Turnstile e não sabem por onde começar.
Firmando o status
Dois anos após o lançamento do último álbum, Turnstile está colhendo os frutos, que são muito doces por sinal, do sucesso gerado por “Glow On”. Figurando em line-ups de festivais importantes mundo afora, como Rolling Loud, Primavera Sound e Rock Am Ring, o status da banda se consolida progressivamente.
Ademais, outros artistas gigantes já notaram a banda. Brendan Yates, vocalista do conjunto, também dirigiu o clipe da música “This Is Why”, do Paramore. Somado a isso, Billie Eilish esteve em um show da banda em Los Angeles, além de ter postado fotos da apresentação nos stories do Instagram. E esses são só alguns exemplos.
Fica claro, portanto, que Turnstile não é qualquer banda. Na verdade, se trata de um talento geracional cujo destino mais provável é crescer ininterruptamente até que atinjam os patamares mais altos que o universo musical pode proporcionar – e, quem conhece o trabalho deles, não duvida nem um pouco disso.