A escritora Marcela Dantés conversou com o Culturadoria sobre o terceiro romance de sua trajetória, “Vento Vazio”
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Em um lugar insólito, onde quase nada acontece (“mas também tudo”), se desenvolve a história de “Vento Vazio”, recém-lançado livro da mineira Marcela Dantés. “Um fim de mundo esquisito”, como descrito já na primeira página da obra, chancelada pela Companhia dos Livros. A localização precisa é a Serra do Espinhaço, cadeia montanhosa que se estende pelos estados de Minas Gerais e Bahia. Lá, onde há apenas oito casas fincadas, bem como uma venda, num conjunto cercado por um paredão de pedra e nominado Quina da Capivara, o mundo exterior parece distante.
Além dos moradores, de distintas faixas etárias que vão de um bebê ao homem centenário (ou quase, ou mais), naquele lugar estranho (“de cheiro azedo, ninho de gente louca”) o vento firma presença contínua. Tanto na ocorrência real do fenômeno quanto na alegoria do “que entra fininho e atravessa tudo e se instala da nossa cabeça no lugar mais importante, que é o lugar do juízo”. Também marca presença uma estrutura gigante erguida como sinal de progresso, mas posteriormente desativada.
Colheita
Nem bem veio à luz, o livro “Vento Vazio” já colhe elogios generosos na imprensa. No jornal O Globo, por exemplo, o jornalista Ubiratã Brasil ressaltou o dom de Marcela Dantés (referindo-se não só a esse título, mas à toda obra dela) de partir do surpreendente da realidade para transformar tal matéria prima em literatura de quilate. Já o jornalista e escritor Carlos Marcelo destacou, no Caderno Pensar, do Estado de Minas (onde é editor-chefe), a “narrativa vertiginosa e destemida” da autora, entre outros pontos não menos importantes.
O vento que enlouquece
Ao Culturadoria, Marcela Dantés narra que o primeiro lampejo que teve referente ao livro foi justamente a imagem de um vento que enlouquece. “Eu queria trabalhar com essa crença, que é comum em vários lugares, e que existe aqui no Brasil, principalmente na região sul. O Vento Norte, por exemplo, é muito famoso por enlouquecer as pessoas. Mas essa crença existe em vários lugares do mundo e já há algum tempo eu queria trazer isso para a literatura”. Assim, a primeira decisão que autora tomou foi que o espaço da narrativa seria tomado por esse “vento que enlouquece”.
Do mesmo modo, Marcela reconhece que também já nutria a vontade de trabalhar com múltiplos narradores, ou seja, que o novo livro se constituiria como uma narrativa polifórmica. Assim, o passo seguinte foi desenhar o perfil dos quatro personagens centrais. “Essas quatro vozes que comporiam a narrativa. E o último elemento que emergiu na minha mente para fechar esse contexto todo foi a usina desativada, inspirada em uma edificação real, que se localiza na serra do Espinhaço. Então, todas essas camadas foram se juntando até chegar ao momento de entender que eu já tinha elementos suficientes para compor a narrativa. Mas sim, tudo nasceu do vento”, elucida.
O Vento Vazio
Essa ideia de um vento que enlouquece, que é capaz de tomar não só o espaço físico, mas a cabeça das pessoas, sempre fascinou e instigou Marcela. “Em ‘Vento Vazio’, eu queria colocar esse vento quase como um personagem. Porém, um personagem diferente da visão mais tradicional que a gente tem, de um vento que traz calmaria, uma brisa, algo que remeta a sossego. O Vento Vazio é esse lugar mesmo de virar a cabeça, de enlouquecer, de trazer o desconforto”.
Assim, prossegue ela, um convite para que as pessoas saiam do lugar, abracem o desconhecido. “E entendo que, no livro, isso é mostrado de várias formas. Então, acho que o Vento Vazio tem essa força de mostrar o mundo sob um outro ponto de vista. Uma ótica diferente, que foge do registro tradicional, do que a gente espera, do chamado ‘normal’. E que vai entrando pelas frestas das casas e da cabeça das pessoas”.
Elefante branco
Em “Vento Vazio”, tal qual os habitantes da Quina da Capivara e a natureza árida do entorno, a estrutura abandonada (no caso, a usina) é um elemento imbrincado à trama. No caso, a usina desativada do livro foi inspirada na Usina do Morro do Camelinho, situada em Gouveia, região central de Minas Gerais. No entanto, vale destacar que várias cidades mundo afora abrigam estruturas criadas com o intuito de fomentar um eixo econômico mas que, no curso do tempo, por motivos diversos, foram abandonadas e, assim, viraram esqueletos, “elefantes brancos”, ruínas…
Promessas ao vento
Provocada a falar sobre a importância da usina em “Vento Vazio”, Marcela Dantés abre parênteses para primeiramente externar que adora a expressão idiomática “elefante branco”. “Inclusive, me remete ao conto “Colinas como Elefantes Brancos”, do Ernest Hemingway, e que é um dos que mais gosto dele. No caso do meu livro, acredito que a estrutura da usina abandonada é muito importante. A Quina da Capivara, a região onde o vento vazio acontece, é muito específica. Na verdade, é menor que um vilarejo. São oito casas protegidas por um paredão de pedra. E, daí, um dia essa usina chega como uma grande promessa de progresso”.
Ou seja, a promessa de uma mudança de vida para os moradores da localidade, mas que não vinga. “Assim, de um momento para o outro, essas pessoas têm que lidar não só com os destroços emocionais, mas também com os físicos. E aquelas torres imensas ficam ali, compondo uma imagem até um pouco paradoxal, na medida em que o vento segue forte, mas as pás das torres já não giram mais”. E tal registro fica ininterruptamente a lembrar, aos moradores, do que, lá atrás, os que vieram de fora apresentaram como uma boa nova.
“No momento do livro, no tempo em que a narrativa transcorre, essas pessoas (moradores da Quina da Capivara) têm justamente que lidar com aquele grande esqueleto, aquela novidade (o cessar das atividades) tão indigesta. Então, acho que a representação física da ruína é também muito importante para os personagens. E acaba sendo ainda mais uma das manifestações de loucura presentes na narrativa”.
Fascínio e interesse
Neste ponto, Marcela Dantés adentra um tópico que hoje é apontado como algo intrínseco à sua escrita: o fascínio e o interesse que nutre por pessoas fora do esquadro, muitas vezes tachadas de “loucas” pela sociedade normativa. Ela discorre: “A questão da loucura, da insanidade, das diversas manifestações de fragilidade mental é algo que permeia meu trabalho desde meu primeiro livro, ‘Sobre Pessoas Normais’ (Patuá, 2016), uma coletânea de contos. Ali, já trazia essa vontade de investigar essas representações, enfim, adentrar as potencialidades de personagens que se desenham assim”. (abaixo, a capa do livro)
No entanto, fora de seu curso literário, Marcela Dantés localiza na infância o fascínio por pessoas ditas “fora do registro”. “Um encantamento por quem, na minha opinião, tem muita coisa a dizer. Pessoas que são muito interessantes, mas muitas vezes são tratadas dentro de um viés muito preconceituoso ou muito reducionista. Enquadradas simplesmente como ‘loucas’, sendo que obviamente, assim como todas as outras pessoas, têm muito mais por trás disso”.
A escritora entende que, nos seus livros, há uma tentativa constate de possibilitar que esses personagens sejam representados em toda a complexidade, beleza, contradições. “Ou seja, para além da questão da fragilidade mental, do sofrimento mental, da insanidade. É um tema que venho estudando, me aprofundando, para, assim, trazer para a literatura. Obviamente, sempre de forma respeitosa, mas que também permita alguma liberdade e que dê uma voz mais fluida, mas sem amarras, para personagens neste contexto”.
Confira, a seguir, outros trechos da entrevista, por tópicos
Processo de escrita
Marcela Dantés rememora a primeira vez em que começou a pensar e a considerar a ideia de escrever “Vento Vazio”. “Foi em meados de 2021, sendo que a versão final foi entregue à editora no dia 31 de dezembro de 2023. Então, foram, aí, dois anos e meio de trabalho, em um processo bem caótico, na medida em que costumo trabalhar oito horas por dia, somando 40 horas semanais, em meio a outras demandas. Eu tenho uma característica que acho que é bem importante, que é: quando sento para escrever, quando sei o que quero escrever, me empolgo. Então, realmente eu escrevia à noite de madrugada, no horário de almoço… Enfim, em qualquer momento possível, eu queria trabalhar no livro”.
No entanto, ela explicita que não seguiu nenhuma logística específica no caso de “Vento Vazio”. “Na verdade, o espaço ali, da Serra do Espinhaço, ficava sempre aberto no meu computador. O Google Maps, Google World… Todos os dias eu visitava digitalmente aquele lugar”. Mas também houve uma visita real, física (foto abaixo). “Então, fui ao espaço da (citada) usina desativada, no qual idealizei a Quina da Capivara. E também foi uma iniciativa muito importante para a narrativa”. Ao fim e ao cabo, Marcela compara a organização da escrita com o próprio vento que pontua a narrativa. Ou seja, muito forte – e muito intenso.
Idas e voltas
Não bastasse, a escritora situa que “Vento Vazio” foi um livro que demandou muita reescrita. “Talvez o meu projeto que mais tenha tido reescrita. Aliás, houve períodos em que inclusive deixava o texto descansar, e só voltava um tempo depois. Ao fim, foi uma narrativa de muitas idas e vindas. Na verdade, é um texto muito focado na oralidade; esse aspecto era muito importante para a narrativa. Então, escrevia, depois voltava para ver se estava fazendo sentido. Às vezes, eu gravava a leitura para tentar entender se realmente estava funcionando”.
Tal qual, o processo foi marcado por muitas trocas com o editor. “Foram muitas discussões sobre a estrutura da narrativa. Enfim, é um livro que é diferente para mim, penso que talvez seja um pouco mais experimental que os anteriores. Então, o processo também foi mais fragmentado, e talvez mais pautado pela insegurança”.
Narrativa
A narrativa de “Vento Vazio” se inicia com foco no personagem Miguel Sem-Fim, que sustenta o protagonismo até a página 82. Neste curso, o leitor se depara também com a inserção do componente ‘suspense’, já que a escrita incita a curiosidade para tentar entender os acontecimentos passados que levaram aquele homem à Quina da Capivara. Acontecimentos que, depreende-se, envolvem a mulher e a filha desse sujeito que apareceu por aquelas plagas com marcas provocadas pelo fogo. A pergunta a Marcela Dantés é: por qual motivo ela optou por começar a narrativa de “Vento Vazio” por Miguel Sem-Fim?
“Na verdade, o Miguel foi o primeiro personagem a ser completamente desenhado, delineado. Talvez o personagem no qual eu tenha mergulhado mais a fundo e investido mais tempo na construção. E entendo que, ali, ele tem uma história importante para a narrativa como um todo, para a compreensão, por parte do leitor, do que é a Quina da Capivara”.
Miguel
Assim, um narrador que demandou fôlego. “Afinal, ele já tem quase cem anos ou mais de cem anos, como diz (nos capítulos iniciais, a idade do personagem desponta, por meio de sua própria voz, de maneira difusa, variável, em função das próprias lembranças, e ela ziguezagueia entre a baliza de 90 a 100 anos, ou mesmo um pouco mais). Ou seja, um personagem que tem muitas memórias. O Miguel fica ali, com muitas reflexões, e, obviamente, tudo isso é importante para o texto. Então, desde o início eu sabia que ele seria um narrador que precisaria de mais espaço para que o leitor pudesse conhecê-lo”, defende.
Outro ponto que ela considera crucial é que “Vento Vazio” traz, em seu bojo, manifestações diferentes do que entendemos como loucura, insanidade. “Assim, essas manifestações também determinam um pouco do ritmo e do tipo de narrativa de cada um dos personagens. O Miguel é justamente essa pessoa que precisa falar, que precisa contar, lembrar. E tem uma percepção do tempo muito específica. Então, vai e volta nele várias vezes, ao contrário das outras narradoras”.
No caso, Marcela se refere às personagens Alma, Cícera e Maura, que, como coloca em relevo, têm uma manifestação de loucura mais fragmentada. “Portanto, começar a narrativa pelo Miguel teve também o propósito de fornecer ao leitor informações, digamos, importantes. Mesmo que, mais adiante, as mesmas informações sejam contestadas pelas outras narradoras. Porque, no meu entender, como a visão do Miguel sobre o lugar, sobre os acontecimentos (que já se desenrolaram em Quina da Capivara) estava mais consolidada, isso ajudaria o leitor (na via da leitura)”.
O feminino em “Vento Vazio”
À exceção de Miguel, as personagens femininas do livro (mesmo as que já são apresentadas como falecidas, como a mãe de Miguel ou Teadora) soam como figuras de certo modo temerárias, capazes de atitudes que os masculinos não tomam, por comodidade ou temor. Assim, é Teodora, a mulher que acolheu Miguel quando ele adentrou aquelas paragens, que vai cobrar o salário devido por Sebastião Ávila a ele. Perguntada se essa caracterização foi intencional ou se deu-se de modo espontâneo, orgânico, Marcela Dantés analisa que, de certa forma, Quina da Capivara sempre foi um lugar que cobrou mais das mulheres, “que demandou que fossem mais fortes”.
“E, assim, talvez eu tenha tido, no trabalho de construção das personagens, um desejo de construir mulheres fortes, mais complexas e com mais atitude. Acho que as coisas foram se complementando neste sentido”. No entanto, Marcela ressalta que os acontecimentos de “Vento Vazio” pela voz das mulheres, tanto as que narram a história quanto as que estão perpassando os acontecimentos da Quina da Capivara, realmente foram engendradas para possibilitar que aparecessem mais.
“Daí, pensando mais na sua pergunta anterior, acho que o Miguel tem um desenvolvimento mais ‘plano’, mais ‘longo’, vamos dizer assim. Você mencionou inclusive o número de páginas que ele soma no livro. No entanto, em paralelo, a gente tem essas mulheres que ocupam, vamos dizer assim, menos espaço ‘físico’ do livro, mas que o utilizam de forma mais intensa”. Ou seja, ao fim, Marcela avalia que há um equilíbrio. “Mas também acho que as mulheres da história foram personagens construídos com um pulso mais firme, mais dedicado”.
Cícera
Aliás, Marcela conta que algumas resenhas e críticas já publicadas sobre “Vento Vazio” destacam a construção da personagem Cícera, tendo inclusive uma a apontado como uma das personagens mais fortes da literatura contemporânea. “E, claro, isso me deixa muito feliz. Um primeiro olhar para ela parece se tratar de uma louca, mergulhada em uma ação aparentemente sem justificativa (a personagem cava incessantemente o entorno da casa onde mora). Mas quando a gente vai aprofundando na história de vida dessa personagens, nas escolhas, nas vivências, nos caminhos dela, tudo faz muito sentido. Até para entender o que ela faz no momento da narrativa, a coisa de cavar um buraco. Então, eu fico feliz que as mulheres tenham ganhado essa força neste livro”.
Personagens
Desafiada a indicar se, no curso da escrita, se apegou mais a um personagem em particular (e, se sim, por qual motivo), Marcela responde. “Essa é uma pergunta muito difícil. Antes de começar a escrever ‘Vento Vazio’, decidi fazer um perfil de cada personagem, e, ali, definir quais seriam as características, qual seria a trama. Mas quando eu comecei de fato, optei por escrever todo o texto de cada um dos personagens. Mesmo em (na seção) ‘O Livro das Outras’, que é uma intercalação entre as vozes da Cícera e da Alma, escrevi primeiro a da Cícera toda e, depois, toda a Alma. Justamente para que eu pudesse estar muito focada naquela voz”.
Assim, Marcela avalia que um dos desafios do livro foi diferenciar essas vozes. “Elas têm uma coisa ali, em comum, o dialeto da Quina da Capivara, mas também são vozes muito diferentes – ou pelo menos eu gostaria que fossem vozes muito diferentes entre si”. Sendo assim, a autora reconhece que não conseguiria escrever mais de uma narração ao mesmo tempo. “Tudo isso para dizer que eu me apegava àquele que eu estava trabalhando no momento, sabe? Então, eu fiquei muitos meses escrevendo só o texto do Miguel, e, aí, obviamente, houve uma ligação muito forte. Tanto que terminar o texto do Miguel Sem-Fim e passar para o texto seguinte, que foi o da Cícera, me demandou um tempo ali, um respiro. Um afastamento da narrativa para depois partir para uma outra voz”.
No entanto, ela não esconde ter um carinho especial pela Cícera. “Eu acho que ela tem uma história muito bonita. Mas a cada um dos livros dentro do livro que estava escrevendo, eu me aproximava muito da personagem que estava ali, narrando”, externa.
Retorno dos leitores
Marcela Dantés não tem receio em expor que, no período que precedeu o lançamento do livro, se flagrou com uma certa insegurança, em relação à acolhida da nova empreitada. “Mas, na verdade, isso é sempre. Lançar um livro é sempre uma emoção, uma incerteza. Não deixa de ser uma exposição muito grande. É colocar no mundo algo que ficou em você – e só com você – por muito tempo. E que, em alguma medida, é íntimo”.
No caso específico de “Vento Vazio”, uma outra característica fez com que a insegurança batesse. “Por ser um livro tão diferente dos meus trabalhos anteriores, por ter essa característica de talvez ser um pouco mais experimental, de ter uma ousadia na linguagem”. A essas indagações, uma outra veio se somar. “Outra caraterística muito importante é que ‘Vento Vazio’ não dá todas as respostas ao leitor. Obviamente, isso é intencional. A gente está tratando de um lugar no qual todas os moradores são tomados pela loucura. Ou seja, as pessoas, ali, não têm as respostas, e, assim, queria que o leitor não as tivesse. Que tivesse a experiência dos moradores de Quina da Capivara. Mas isso, claro, faz bater uma insegurança. Ainda que eu confie muito no leitor, dá aquele medo de perdê-lo muito cedo na narrativa”.
No entanto, os receios se revelaram infundados. “Tem acontecido um movimento muito bonito de as pessoas sacarem a proposta do livro, de gostarem muito. O trabalho com a linguagem tem sido muito elogiado, e isso pra mim é muito importante, porque realmente foi uma das coisas em que eu mais coloquei energia, em que mais trabalhei. Ou seja, na construção dessa linguagem, no vocabulário, no discurso e no tom de voz de cada um dos personagens. Desde o lançamento, já participei de alguns bate-papos, clubes do livro, e tem sido super bacana. Estou super feliz”, sinaliza.
Outros projetos
Perguntada se atualmente está envolvida em outros projetos, Marcela Dantés explica que, na verdade, no momento está focada mesmo na divulgação de “Vento Vazio”. “Na verdade, venho de um ritmo intenso de lançamentos de livros. Primeiramente, com ‘Nem Sinal de Asas’, lançado em 2020, e, na sequência, com ‘João Maria Matilde’, em 2022. Agora, com ‘Vento Vazio’. Então, prometi a mim mesma descansar um pouco”, conta.
A escritora revela que inclusive deu uma desacelerada nas oficinas de escrita criativa que ministra, bem como nos projetos de mentoria com escritores que estão trabalhando em algum livro. “Este ano, reduzi essas atividades ao máximo. Claro que estou com ideias para iniciar novos projetos, mas efetivamente não comecei porque de fato queria descansar um pouco. Preciso desse tempo. E, também, para focar na divulgação de ‘Vento Vazio”. Aliás, Marcela salienta o apreço que nutre por esta etapa. “Depois que o livro nasce, conversar com leitores… Enfim, poder fazer parte disso”. Por outro lado, ela diz que há textos que devem ser publicados em coletâneas.
Na mesa de cabeceira
Já quanto às leituras que vem fazendo neste momento, Marcela Dantés confessa que tem se concentrado na literatura brasileira contemporânea, principalmente a assinada por mulheres. “Acho que a gente está vivendo um momento muito rico dessa literatura. Veja, eu sempre fico meio assim de citar nomes, porque acabo deixando autoras maravilhosas de fora. Mas só este ano teve – e vai ter – (livros) da Nara Vidal, Lorena Portella, Mariana Salomão Carrara… Ano passado teve lançamentos da Micheliny Verunschk, Maria Fernanda Elias Maglio… E tem Socorro Acioli, Eliana Alves Cruz, Lilia Guerra…”
A escritora prossegue: “Estou citando algumas, mas tem muito mais coisas feitas por mulheres brasileiras, com uma qualidade absurda. Tanta gente tão incrível! Assim, tenho me concentrado nisso, é o que tento acompanhar. Às vezes, me sinto até um pouco culpada por não estar lendo o que está sendo feito fora do Brasil ou, ainda, por não estar voltando aos clássicos, o que é sempre importante. Mas acompanhar o que as mulheres brasileiras têm feito tem sido um aprendizado – e um prazer imenso”.
Oralidade
Quando perguntada sobre a profusão de frases e palavras criativas e curiosas que se espraiam na narrativa, e como foi a coleta que precedeu o uso delas na escrita de “Vento Vazio”, Marcela esclarece que já há algum tempo adquiriu o hábito de anotar, inclusive no celular, expressões que lhe chamam a atenção, que lhe instigam. “Inclusive, em ‘Vento Vazio’ tem duas palavras que vieram do meu filho, que tem cinco anos: furaquinho, que achei maravilhoso, e galingar. Um dia, ele estava falando de pular de galho em galho, e disse que era galingar. Então, eu fui tentando levar essas coisas para o livro”.
Mas, para além das palavras citadas, ela desvela que a escrita de “Vento Vazio” foi pontuada por uma tentativa de levar o interior de Minas Gerais para o livro. “Tem palavras, expressões, que são muito marcantes, bem como várias que foram criadas mesmo para a obra. Por isso falo do processo de oralidade. Às vezes, passava um dia pensando que palavra se encaixaria melhor em certo trecho, assim como tentando inventar uma palavra para colocar no lugar certo. Foi realmente algo que me demandou e que olhei com muito cuidado”.
Em tempo: entre as expressões usadas em “Vento Vazio”, anotamos “pingando de sono”, “raspa-raspa”, “bololô”, “gargalhada rararrá”, “café melento”, “menino-tripa”, “tecido custoso”…
Serviço
“Vento Vazio” – Marcela Dantés
Companhia das Letras, 224 páginas, R$ 74,90