
Foto: Alessa Berti
Novo disco da banda Terraplana, “Olhar pra Trás”, homenageia os anos de ouro do shoegaze enquanto estabelece uma visão própria.
por Caio Brandão | Repórter
As interpretações da música de guitarra são infectadas por manias. Uma delas é o entendimento de que a distorção como recurso estético está associada ao caos e ao choque.
O shoegaze, subgênero do rock alternativo, construiu reputação ao explorar os limites dessa antiga noção. Para isso, usa instrumentos entorpecidos por múltiplas camadas de drive e reverb para erguer uma atmosfera que evoca o desalento e a contemplação.
O novo álbum do Terraplana, “Olhar Pra Trás” parte desse processo clássico, manipulando os fundamentos da desordem sonora para investigar o que o marasmo nostálgico nos apresenta.
O resultado? Uma obra refrescante que passa por todos os pontos constituintes de um bom álbum de shoegaze.
Reflexão, assimilação e aceitação
A melancolia é um elemento característico desse tipo de música, e isso não é diferente em “Olhar Pra Trás”. O fardo de conviver com memórias azedas se manifesta por todo o álbum, alimentando uma relação sinestésica entre letras e instrumentais.
Contudo, é partindo dessa dinâmica que Terraplana começa a abordar a dualidade acerca dos desdobramentos que essa condição pode oferecer. Apatia versus superação, que agem como duas partes que lutam por supremacia dentro de um todo.
A faixa de abertura, homônima do álbum, se coloca quase como um mantra de desapego, declarando “Por que não se joga/Sem olhar pra trás/Sem se preocupar/Pra se deixar/Pra se deixar em paz”.
Contrastando com essa premissa, “cais” abraça a desolação fúnebre que surge do conflito com o passado. A letra diz: “Vou voltar a morrer por dentro/Vou sonhar e engolir o que senti”.
O horror existencial oferecido por essa realidade, mesmo que pesado, é intrínseco à condição humana. Sentimentos, bons e ruins, não se dão puramente, mas constroem uma coexistência que se estabelece como fundamento do ato de viver. “Olhar pra Trás” é praticamente um estudo desse processo, e a sensibilidade na abordagem é um dos trunfos.
Terraplana não tem medo da vulnerabilidade extrema, pois é dela que surge a força para seguir em frente. O “olhar pra trás” que a banda propõe parece ser o símbolo dessa união do desespero com a esperança, podendo significar tanto o ato de remoer quanto de abandonar aquilo que dói, sem deixar de notar que ambos se complementam de alguma forma.
A forma e o som
Observando os aspectos mais técnicos da obra, é possível perceber que Terraplana conjura a energia de uma banda old school em características que vão além da sonoridade. Indo em contramão às lógicas de distribuição musical aplicadas hoje em dia, a opção pelo formato de álbum foi deliberada.
A coesão presente entre as composições faz com que a experiência do ouvinte seja fluida. A duração (cerca de 30 minutos) também ajuda bastante. “Olhar pra Trás” vai direto ao ponto: você veio ouvir shoegaze, então toma o shoegaze, sem enrolações ou interlúdios tediosos.
A produção do álbum surpreende já que outros trabalhos desse estilo no Brasil adotam uma estética que pende mais para o DIY (que também tem o seu valor, ok?). Nesse caso, é justamente o contrário.
Todos os sons florescem numa harmonia calculada, mesmo que barulhenta. Isso valoriza a obra, possibilitando a criação de texturas que evocam a sensação típica do shoegaze de que as músicas são sons que apareceriam em sonhos, delírios ou algo do tipo.
Dito isso, também não existe a tentativa de reinventar a roda. As composições operam dentro do que já foi proposto anos atrás pelas bandas clássicas do gênero, mas não se confunda, isso não é necessariamente um demérito.
Para os ouvintes que preferem trabalhos mais experimentais, talvez, isso possa ser uma falha, o que é compreensível. Porém, a perspectiva de que uma produção pode ser muito boa, mesmo que não ofereça uma revolução, parece mais razoável.