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Carnaval 2025

Di Souza: “O Carnaval é política”

Ao Culturadoria, o carnavalesco Di Souza falou sobre os desafios e conquistas do carnaval de rua belo-horizontino

Di Souza, na foto, à frente do Percussão Circular, que, ano passado, completou dez anos (Bianca Aun/Divulgação)

Foi ali, em meados dos anos 2000, que o carnaval de rua belo-horizontino passou a dar evidentes sinais de que, em pouco tempo, atingiria a estatura que o caracteriza hoje, atraindo milhares de turistas de todo o Brasil. Em meio às muitas pessoas que estavam ali, naquele momento, e que se empenharam para que a folia se tornasse referência no Brasil, estavam vários artífices – entre eles, Chris Di Souza, ou simplesmente Di Souza. “É aquela coisa: acho que eu tive a felicidade de estar na hora certa, no lugar certo, com as pessoas certas, ali, no início do BH Anos 10, título poeticamente dado pelo jornalista Artênius Daniel ao livro no qual catalogou as referências de toda aquela efervescência cultural de 2008 a 2018″, conta Di Souza, ao Culturadoria.

No entanto, ele pontua: o Carnaval de rua não estava morto. “Apenas um pouco adormecido, porque cabe exaltar, por exemplo, o papel dos blocos caricatos no curso dos anos, uma dádiva da nossa cidade, bem como as escolas de samba, que há décadas estão aí, resistindo, lidando com a falta de incentivo, tendo que resistir às dificuldades naturais de se fazer um projeto político. Porque o samba é política, o Carnaval é política”, finca.

Polivalente

Atualmente, Di Souza atua como maestro de blocos como o Então, Brilha! e o É o Amor, do qual é também fundador e diretor. Do mesmo modo, marca presença no Bloco Abra-te Sésamo e no Circular, que é o bloco do Percussão Circular, hoje a maior escola de percussão e musicalização de Belo Horizonte voltada ao Carnaval. Aliás, ano passado, a iniciativa celebrou uma década de existência com o espetáculo inédito “Percussão Circular: 10 anos de história”, que ocupou o Grande Teatro Cemig do Palácio das Artes. “Também sou diretor artístico no Bloco Havaianas Usadas, bem como do Bloco Volta Belchior e do Bloco da Aninha”.

Na foto, Di Souza (de mão no queixo) entre outros componentes do Percussão Circular (Bianca Aun/Divulgação)

A lista inclui, ainda, participações especiais, como a feita ano passado, na Atípica de Lhamas. “Esse ano, devo fazer no bloco Me Beija que eu sou Pagodeiro… Mas está se desenhando ainda. Também já fiz participação no Juventude bronzeada, ajudei a construir a bateria do Baianas Ozadas, lá atrás. Fui regente do Pena de Pavão de Krishna, fundei o Pisa na Fulô, em 2014… E também já realizei oficinas e workshops para formação de blocos no interior de Minas Gerais, mais especificamente, em Divinópolis e Itabirito”.

Arte nas veias

Nascido na “roça”, em Piedade de Ponte Nova (“antigo distrito de Ponte Nova), Di Souza está, hoje, com 35 anos. Ele conta que veio para a capital mineira no final da década de 1990, passando a residir na Vila do Acaba Mundo, onde sua família mora até hoje. “No Beco do Desengano. Aliás, daria para fazer um samba”, atina.

Todavia, o envolvimento tanto com a música quanto com o Carnaval começou ainda na roça. “Eu sempre fui muito apaixonado pelas sonoridades da cidade, bem como com a arte. No entanto, quando tinha seis anos de idade, aconteceu uma fatalidade na minha vida”. Di Souza se refere ao fato de a mãe ter tirado a própria vida. “Esse episódio, claro, é muito traumático na vida da criança. Por outro lado, me fez mergulhar nas relações com os grupos e movimentações artísticas que estavam acontecendo na minha cidade naquele momento. Talvez inicialmente tenha sido até uma forma de me reencontrar e de ser aceito”, reflete.

Criativo

Ao se envolver com diversas manifestações artísticas, veio a certeza de que a arte faria parte de sua trajetória de vida. “Veja, eu botava uma folha de taioba na cabeça e imitava um sousafone, que é aquele instrumento de metal que o músico enrola no corpo. Aquele, das novenas da igreja, das bandas da paróquia. Da mesma forma, batia na panela simulando tamborim, como ouvia na escola de samba da cidade. Ou seja, comecei a participar de tudo. Os quatro anos após o falecimento da minha mãe foram um período muito turbulento. Mas coincidiu com o fato de a cidade, à época, ter o Padre José Luiz, que a movimentava culturalmente, promovendo bailes, peças de teatro…”.

Claro, no caso, ali, as temáticas estavam relacionadas à fé católica, “que centralizava a espiritualidade da cidade”. “De todo modo, foi a minha porta de entrada para a arte. Então, participei de banda de pagode, era figurante em grupo de teatro, toquei na banda marcial da cidade, no bloco de Carnaval, o Bloco do Gole… Que, me lembro muito bem, tinha um figurino vermelho e branco. Ali, eu era uma espécie de um mascote”.

Desafios

Perguntando sobre os desafios atuais do Carnaval de rua na cidade, ele diz segue sendo as questões relativas a financiamento. “Os blocos, os atores da cena carnavalesca ainda têm muita dificuldade em ser bem remunerados, conseguir viver da arte, conseguir se sentirem validados por um trabalho que, na verdade, é desenvolvido o ano todo. Na verdade, acho que a cultura tem esse lugar, de ser vista com muita beleza, mas, ao mesmo tempo, que não é entendida como algo necessário para pagar as contas. Falo de muitas coisas acontecerem por permuta, e não por de fato a materialidade de um dinheiro que viabilizasse a existência das pessoas. Esse é o maior desafio”, argumenta Di Souza.

Uma outra questão é a sonorização, “já que não temos, em BH, um mercado de trio elétrico”. Ou seja, Di Souza lembra que é preciso juntar muito dinheiro para dar conta de pagar o que o mercado pede. “Porque ou os trios vêm todos de fora ou os blocos precisam conseguir um espaço nas vias sonorizadas do governo, que estão sendo ofertadas do ano passado para cá”.

Conquistas

Por outro lado, não são poucas, as conquistas. “São várias. Acredito que o Carnaval tenha inclusive o poder de impulsionar figuras representativas de fato, com representatividade legítima, a entrarem nos espaços de poder. Outra coisa é que o Carnaval de rua, na minha opinião, devolveu a autoestima que faltava para os belo-horizontinos já há muito tempo. Fora entender o tanto que o Carnaval movimenta a economia da cidade de uma forma muito grandiosa, fortalecendo o mercado da cultura para além da época, por todo o ano. Enfim, são muitas, as conquistas”, brinda Di Souza.

Não por outro motivo, Di Souza diz esperar que o Carnaval siga transformando para melhor a vida das pessoas. “Na medida em que promove belos encontros, e que, através desses, se resgata o sentido coletivo da existência. Como diria o nosso mestre Luiz Antônio Simas (escritor, professor, historiador, compositor brasileiro), num momento no qual o mundo está cada vez mais individualista, as festividades populares – e o Carnaval como sendo a maior delas – são espaços de resgate da autoestima e de um sentido coletivo de existência e de simbologia, para vivermos em comunidade”.

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