Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Projeto Campos Culturais finaliza primeira edição da iniciativa

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Lançado em novembro de 2023, o Campos Culturais entrou em cena com vistas a fortalecer territórios periféricos da capital mineira

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Ainda na fase inicial do projeto Campos Culturais – cuja primeira edição acaba de ser concluída, com a entrega (no último dia 25 de agosto) da quadra esportiva no bairro Granja de Freitas (região Leste de Belo Horizonte) -, uma diretriz já estava bem definida na mente das pessoas nele compreendidas: envolver a comunidade do entorno. Uma diretiva que, vale dizer, também abarcava a ação similar desenvolvida pela iniciativa no Morro do Papagaio, na zona Sul da capital mineira. Mesmo porque, como o coordenador-geral do projeto, André Amparo, explica, em uma investida desta natureza, não há como simplesmente adentrar um território, desenvolver um trabalho por lá e, ao fim, ir embora. “É necessário um envolvimento com a comunidade. Existe todo um processo de ir lá, trocar ideias, envolver as pessoas locais em todas as etapas”, pontua ele.

Já revitalizada, a quadra do Morro Papagaio (Foto: André Amparo/Divulgação)

Lançado em novembro de 2023, o Campos Culturais emergiu com a proposta de fortalecer territórios periféricos da capital mineira. Para tal, um dos caminhos pensados foi potencializar os espaços de convivência dentro das comunidades, para, assim, viabilizar a realização de atividades culturais, esportivas e comunitárias. Na etapa inicial desta primeira edição, foram realizadas oficinas de cinema gratuitas, ministradas pelo cineasta Cris Azzi, e destinadas a jovens de 13 a 19 anos, moradores dos bairros beneficiados.

Oficinas

Primeiramente, a oficina foi realizada no Granja de Freitas, em dezembro de 2023. Já em abril de 2024, no Morro do Papagaio. Após proporcionar essas experiências formativas e artístico-culturais, o projeto partiu para outra etapa: deixar os espaços das quadras esportivas locais mais convidativos. Isso, tanto para a prática de esportes quanto para a realização de eventos, reuniões e outras programações locais, como feirinhas. Neste caso, o objetivo era (é) inspirar e estimular a interação entre os moradores.

Na foto, momento da oficina de cinema realizada no Granja de Freitas (André Amparo/Divulgação)

Ao Culturadoria, Cris Azzi rememora que tanto na oficina dada no Morro do Papagaio quanto no Granja, a equipe do Campos Culturais encontrou um grupo de jovens muito interessados em arte. “E especialmente interessados no processo da coletividade, da experiência, da troca com o outro. A gente tem um curso de cinema que, para além das questões específicas, técnicas e teóricas sobre o audiovisual e a sua linguagem, propõe esse lugar do encontro, entendendo o cinema como uma arte coletiva”.

Sendo assim, Azzi entende que o ponto principal desse primeiro contato com as turmas foi o de um lugar de abertura para troca, para o encontro com o outro. “E o de uma vontade de se expressar, de falar para o mundo, de conseguir colocar coisas para fora. Essa janela para lidar com o sensível, para lidar com as próprias histórias, com as emoções. Decodificá-las em filmes, em histórias contadas através de sons e imagens”.

Envolvimento

O propósito de envolver a comunidade já se fez sentir no período das oficinas de audiovisual, com a contratação de fornecimento de lanches para os alunos de fornecedores dos respectivos bairros. Na segunda etapa, com as obras nas quadras, o pensamento de envolver a comunidade ganhou ainda mais tônus. André Amparo conta, por exemplo, que todos os trabalhos de pintura contaram com profissionais das próprias regiões abarcadas pelo Campos Culturais. “E deu super certo, foi muito legal”, diz, sobre essa via de mão dupla.

A pintura das quadras envolveu profissionais das comunidades (Marcos Leão/Divulgação)

No Morro do Papagaio, foi um mais que conhecido artista local – Valentino Pelé (Fabiano Valentino) – que coordenou a pintura do piso da quadra, situada na Via do Bicão, em frente ao número 565. Para tal, ele teve como base o design gráfico de Andréa Costa Gomes. “Pelé é uma referência na arte urbana de Belo Horizonte. Está aí há muitos anos, é conhecido de todo mundo da cena da arte de rua. Respeitado, muito querido por todos. Um parceiro de vários projetos”, diz André. Não só. Quatro grafiteiros da região – Wanatta, Surto, André Felipe e MariFlô – receberam convite para pintar o entorno, com as cores e técnicas da arte urbana.

o artista plástico Pelé (Fabiano Valentino). Junto com sua equipe, ele renovou o piso da quadra com base no design gráfico de Andréa Costa Gomes (Marcos Leão/Divulgação)

Multifuncionais

Mais uma vez, vale ressaltar que a revitalização das quadras não visa apenas a destinação à prática de esportes. Assim, o espaço pode, por exemplo, sediar uma festa junina ou outros eventos que promovam o encontro entre moradores. “Ou seja, uma das finalidades do Campos Culturais é justamente recuperar a função das quadras para além do esporte. Agora, neste momento em que elas estão em uma condição bem bacana, a gente espera que isso aconteça. É a primeira edição do projeto, então, a gente está vendo o que é que funciona melhor, o que pode melhorar. É natural, no caso desses projetos”.

O antes e depois da quadra do Morro do Papagaio (André Amparo/Divulgação)

Por ora, o feedback das intervenções do Campos Culturais não poderia ser mais satisfatório. “A gente sempre teve um retorno positivo. Enquanto estava acontecendo o processo de pintura das quadras, de recuperação, as pessoas elogiando… Muita gente vem e comenta. O retorno foi ótimo”, situa André. No entanto, volta a frisar que, quando ficam prontos, esses trabalhos passam a ser da cidade, das comunidades.

Na foto, outro momento da execução da pintura (Marcos Leão/Divulgação)

Processo

Perguntado se houve alguma etapa mais intrincada, o coordenador do Campos Culturais André Amparo salienta que, pelo fato de se tratar de um projeto que, como um todo, se revelou bastante prazeroso para os envolvidos, o lado “difícil” ficou mesmo restrito a aspectos técnicos e de logística. “Como a questão de datas e disponibilidades… E a parte física mesmo, instalação de alambrados, tabelas de basquete, marcação dos desenhos nas quadras, enfim… A verdade é que trata-se de um projeto muito amplo. À primeira vista, parece que é ‘só’ uma pintura na quadra, mas envolve muito mais coisas”.

Etapas

Na verdade, André coloca em relevo que foram dois resultados específicos em cada um dos dois lugares pelos quais o Campos Culturais passou. “Inicialmente, veio a oficina de audiovisual, aberta a jovens das comunidades. Delas resultaram dois curtas-metragens, cujo lançamento se deu nas quadras. Ou seja, os meninos contaram suas próprias histórias. Filmaram, colocaram a mão na massa, fizeram tudo. E ficaram super felizes com o resultado. Se viram na tela, filmando no lugar onde vivem. (Tal qual) contando histórias que tinham a ver com a realidade deles”.

O curta “L4 Hit Favela” foi produzido pelos jovens do Granja de Freitas. O filme aborda a música hip hop e o desejo da juventude de se manifestar por meio dessa arte.  Já “Emoções Periféricas” é fruto da oficina do Morro do Papagaio. A narrativa acompanha a história de uma jovem que dialoga diretamente com suas próprias emoções, conflitos e sonhos. O outro resultado diz respeito à requalificação das quadras. “Essa nova cara que as quadras adquiriram agora, com as intervenções artísticas.

O projeto Campos Culturais começou no final do ano passado, com as oficinas de cinema, e encerra-se agora, com a entrega da quadra do Grande de Freitas, no último dia 25 de agosto”, localiza.

Experiência coletiva

Sobre as exibições, Cris Azzi salienta a experiência de assistir a um filme coletivamente, na contramão da tendência atual das telas pequenas, da experiência individual com o audiovisual. “E nessa experiência coletiva, de fato, o que mais me marcou foi olhar e observar esses jovens que fizeram o filme vendo o trabalho deles na tela, se reconhecendo e podendo trocar com a comunidade onde eles vivem, apresentar um trabalho deles. Então, tem um sentimento de orgulho, de realização, de pertencimento. De poder dizer: eu fiz um filme, eu contei uma história, essa história está aqui, sendo projetada numa tela grande para vocês”.

O cinema, lembra Azzi, tem essa característica de atravessar o tempo. “Então, naquele tempo, naquele lugar, esses jovens fizeram um filme e essas exibições são marcadas por isso, por um orgulho, por um pertencimento e por uma sensação de realização mesmo, na medida que é uma oficina que se propõe a um lugar prático. A gente troca a experiência sobre o fazer audiovisual, cinema, mas é de fato uma experiência de imersão na realização”. Ambos os curtas estão acessíveis a partir de links que estão no perfil do Instagram do Campos Culturais. Clique aqui

Novo tempo

Nas oficinas, Cris Azzi, claro, repassou conhecimento aos alunos. Na contramão, o cineasta também aprendeu muito, como ele confirma ao Culturadoria. “Essa pergunta é, de fato, a essência do projeto. Pensar e propor oficinas em que o processo seja horizontal, de troca. Ou seja, não um depósito de técnicas e teorias para esses jovens, mas, sim, um espaço de imersão, de prática, no qual a beleza dessa troca fique visível. A gente poder conhecer as comunidades e, principalmente, esses jovens, suas histórias. O que eles já carregam, e essa decodificação e transformação nesse espaço sensível para o cinema”.

Azzi ratifica o quanto é bonito ver como a juventude já traz uma linguagem, um conhecimento audiovisual que por vezes ainda não está carregado das suas nomenclaturas. “No entanto, existe uma bagagem, uma gramática, uma compreensão do fazer cinematográfico, que é muito bonito. E, no momento da filmagem, é lindo ver os jovens se comportando na criação das cenas com muita naturalidade. Escolhendo e decidindo a câmera a partir de premissas de linguagem. Montando e construindo o mise-en-scène. É de admirar. A gente percebe e observa que as oficinas são só uma ponte para canalizar a potência que esses jovens já carregam neles”.

Parte de algo maior

André Amparo, por seu turno, lembra que iniciativas afins às adotadas pelo Campos Culturais vêm sendo tocadas mundo afora. “Ou seja, essa recuperação de espaços públicos, visando criar espaços de socialização, fazer que as pessoas se encontrem mais, possibilitando a troca de ideias, a prática de esportes, entre outras finalidades”. Ou seja, a entrega da quadra é apenas uma parte de algo muito maior. Que venha, pois, uma segunda edição.

Em tempo: O Campos Culturais tem o patrocínio da Cemig, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais. O projeto tem a parceria do Coletivo Levante, bem como o apoio da Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer. Realização do Instituto Vivas e Governo de Minas Gerais.

Serviço

Quadra Morro do Papagaio

Onde. Via do Bicão, em frente ao número 565

Quadra Granja de Freitas

Onde. Rua Coronel Robson Zamprogno, 10

Mais informações nas redes sociais do projeto:  instagram.com/camposculturais e facebook.com/camposculturais

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