Literatura

Bruna Kalil Othero lança o romance “O Presidente Pornô” neste sábado

Bruna Kalil Othero, que está lançando "O Presidente Pornô" neste sábado (Companhia das Letras)

A escritora mineira Bruna Kalil Othero lança neste sábado, na Quixote, seu primeiro romance pela Companhia das Letras

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Não é exagero dizer que os acontecimentos políticos que se sucederam no país nos últimos anos afetaram, ainda que em dimensões distintas, o estado emocional de praticamente todos os cidadãos brasileiros. Com a escritora e pesquisadora Bruna Kalil Othero, claro, não foi diferente. A tal ponto que, no afã de tentar entender tudo a que assistia, decidiu mergulhar fundo em uma pesquisa sobre a história pregressa do Brasil. No caso, detendo-se, em particular, sobre ela, o curso da democracia por aqui. “Que, aliás, a gente sabe que, aqui, no país, constantemente é ameaçada”, diz ela, em entrevista ao Culturadoria.

Mais que se informar, Bruna já tinha em mente transpor parte do que estava apreendendo (por meio desta intensa imersão) para o universo da ficção. Nascia, assim, o embrião de “O Presidente Pornô” (248 páginas), romance que marca sua estreia na Companhia das Letras. A boa notícia é que a rodada de lançamentos terá início por Belo Horizonte: precisamente, neste sábado, a partir das 11h, na Livraria e Café Quixote, na Savassi. Na ocasião, haverá uma leitura performática com a atriz e uma das fundadoras do Grupo Galpão, Teuda Bara. A seguir, a sessão de autógrafos.

Democracia em risco e pandemia

Bruna confirma que a escrita de “O Presidente Pornô”‘ foi também uma forma de lidar com uma realidade perturbadora. “A ideia inicial, assim como um primeiro esboço, veio em 2016, o ano do golpe”, situa. Mas a narrativa foi ganhando mais corpo a partir de 2018, durante o período das eleições presidenciais que acabaram levando ao poder o candidato Jair Bolsonaro, que concorria com Fernando Haddad. “Quando eu penso nesse meu processo de escrita, entendo que ele veio muito como uma resposta para a situação da política brasileira e, ainda, da pandemia (do novo coronavírus), que, como sabemos, foi particularmente danosa no Brasil, já que morreram mais de 700 mil pessoas”. (NR: o mais recente saldo do Ministério da Saúde abarcou o período de 2 a 8 de julho, apontava 704.320 por Covid desde o início da pandemia, em 2020).

Ao se sentar em frente ao computador, Bruna era impulsionada pelo desejo de tentar escancarar, por meio da ficção, as “obscenidades e pornografias da política”. E, assim, os caminhos ficcionais foram ficando nítidos. “A narrativa foi aparecendo enquanto eu estudava o país. Eventos que se repetiram na nossa história, por exemplo, foram entrando na minha seleção. (Tal qual) os debates bizarros, os casos de violência política ocorridos durante as eleições, atitudes agressivas ou mesmo brutais dos diversos governos que passaram pelo (Palácio do) Catete (sede da Presidência da República de 1899 a 1960) e, depois, por Brasília”, lista ela.

História com ‘H’ maiúsculo

Mas não só. “Os vários atentados contra as instituições, contra a democracia, contra o povo (passaram a entrar no brainstorm de Bruna). As ditaduras. Então, tudo isso que eu percebia como recorrentes na nossa história, no nosso passado, desde 1889 até 2016, 2018, que foi quando eu comecei a escrever. Tudo isso foi entrando no livro. Ou seja, a História com ‘H’ maiúsculo é que foi me dando os caminhos para a história com ‘h’ minúsculo, digamos assim, que é a história que eu estava escrevendo”.

A capa do livro “O Presidente Pornô”, chancelado pela Companhia das Letras

“O Presidente Pornô” se passa em um país chamado Plazil, em que Bráulio Garrazazuis Bestianelli foi eleito presidente. A Companhia das Letras assim fala do romance: “Neste misto de ficção histórica e pornochanchada política, acompanhamos desde a infância do protagonista até a instauração de uma ditadura autoproclamada, em episódios que certamente soarão familiar ao leitor”. E prossegue: “Com muito bom humor e inventividade, Bruna nos convida a olhar para nosso passado para ver o que constitui o Brasil -e nós mesmos. Repleto de referências que vão de Machado de Assis, Hilda Hilst e Nelson Rodrigues a memes da internet, ‘O Presidente Pornô’ é o romance de estreia de uma das vozes mais instigantes da literatura contemporânea brasileira”.

“Frankenstein”

Sobre seu personagem, Bruna Kalil Othero explana: “Ele é um Frankenstein. Ele é um monstro, uma colcha de retalhos, com as características de todos os homens que já ocuparam o cargo mais alto da nação. E, como eu disse, todos os acontecimentos políticos narrado no livro ocorreram na história republicana do Brasil, desde 1889 até hoje”.

Entre quatro paredes

Só que, no livro da mineira, todos esses acidentes e esses incidentes que se espraiaram pela história dos homens que estiveram ocupando o cargo executivo mais alto do país se concentram no mandato do Bráulio. “Então, essa é a parte mais política. Já a parte mais íntima, eu inventei (risos). Porque uma coisa que me interessa muito é que se os registros históricos ficam presos aos salões públicos, por meio das figuras vestidas, o meu objetivo é um pouco ‘tirar a roupa’ desses personagens e ver como eles se comportam entre quatro paredes”, assume.

Entre quatro paredes, diga-se, e de cinta-liga, de cuecas ou de calcinhas. “E aí eu fico pensando que a ficção é a melhor brincadeira. Por ser um espaço fértil, no qual a gente pode inventar tudo que quiser. E uma coisa que eu também acho muito importante é que a literatura não precisa obedecer a nenhuma das regras da realidade. Isso é uma das coisas que mais me atrai nela. Então, sim, o meu presidente, ele é (um somatório de) todos os presidentes. E não, ele não é nenhum, porque a ficção nos permite essa liberdade maluca e maravilhosa”.

História circular

Perguntada sobre seu objetivo com a narrativa quanto ao receptor final, ou seja, o leitor, Bruna Kalil Othero pondera: “Difícil responder, inclusive porque acho que o escritor é a pessoa que menos sabe do seu próprio livro. Na verdade, quem sabe mais é quem lê”, entende. “Veja, quando a gente pensa nessa última década… Passamos por tantos eventos trágicos, chocantes, revoltantes. Só que, quando a gente olha para o passado do Brasil, vê que, na verdade, muitas dessas situações já haviam, de certa forma, acontecido. Aliás, isso foi uma coisa que percebi com muita intensidade, como a nossa história é circular”.

Sendo assim, um objetivo que ela confessa ter com o livro é provocar, no leitor, o riso. “Na verdade, enquanto eu estava escrevendo, eu mesmo ria. E, hoje, relendo, ainda rio muito. Claro, eu acho que o humor é uma coisa muito subjetiva, muito pessoal. Mas acho que ali (na narrativa) há a capacidade de transcender muitas barreiras que a comunicação política ou a comunicação das redes sociais ainda encontram nos dias de hoje”. Bruna confessa que, não raro, se flagra especulando quem de fato se beneficia com essas barreiras, com essa falta de diálogo entre as pessoas, o povo. “É claro que, ao fim, os autoritários é que estão ganhando com isso”.

Diálogo e “fofoca”

Não por outro motivo, Bruna Kalil Othero pondera ser extremamente importante para o futuro do país, sobremaneira para manutenção da democracia, que as pessoas exercitem o diálogo. “Enfim, que a gente converse, discuta, que a gente fofoque. Aliás, acho que a fofoca pode ser uma coisa muito positiva, e, assim, a fofoca histórica também. Então, um dos meus objetivos, com o livro, também é fazer com que a política fale a língua do povo. Eu acho isso muito importante. E a arte é uma excelente ferramenta para facilitar esse processo, na minha opinião”.

Confira, a seguir, outros trechos da entrevista com Bruna Kalil Othero

Bruna, queria saber como foram esses últimos anos para você. Ressaltaria algum evento como o que mais te incomodou, o que mais tirou seu sono? E, em contrapartida, o que te deu alento?

É bem difícil falar disso. Pessoalmente, acho que os últimos dez anos foram de muita instabilidade política, de muitas angústias. E o pico disso tudo, e penso que para todos nós, foi passar por uma pandemia na qual morreram 700 mil pessoas! Das maiores decepções e ódios, foi realmente perceber que muitas dessas mortes aconteceram por descaso do governo. Então, isso é muito revoltante. Dá muita raiva e muita tristeza. É muito frustrante, como parte do povo brasileiro, ter passado – passar – por isso.

Essa ascensão do autoritarismo, a censura, os cortes na educação, na cultura e na arte…. Aliás, que inclusive foram um dos motivos pelos quais eu fui para os Estados Unidos (Bruna faz doutorado lá). Tudo isso influencia muito a nossa vida. A política influencia muito a nossa vida e a nossa saúde mental, o nosso bem estar. Então, acho que por isso eu quis escrever um livro de humor, porque acho que a gente precisa rir, sabe? Como diria a Hilda Hilst, o riso é excelente para a saúde mental geral da nação. E eu concordo. Então, queria escrever um livro divertido, engraçado, que ajudasse um pouco à gente a rir dos poderosos. A fazer piada e a fazer sátira dessas pessoas que tanto nos prejudicam. E que nos prejudicaram ao longo da história.

Bruna, queria que falasse sobre sua vida nos EUA…. Você mora em Bloomington, certo? Além do doutorado, o que tem feito por lá?

Sim, estou morando em Bloomington, que é uma cidadezinha em (no estado de) Indiana. Estou fazendo o meu doutorado (Bruna está pesquisando na Indiana University) e estou achando uma experiência muito interessante. Ser imigrante é uma experiência muito diferente de tudo que eu já tinha passado. E também, (estou achando interessante) viver entre línguas. Eu vivo entre três línguas (Bruna dá aulas de português e de espanhol para estrangeiros). Então, vivo na corda bamba entre o inglês, o português e o espanhol.

E agora eu também estou tendo uma oportunidade de ensinar literatura a partir de referências latino-americanas. No próximo semestre, eu vou dar aula de escrita criativa por meio de uma disciplina que eu mesma propus, e que a universidade aprovou, que é a de literatura erótica latino-americana. E então, fico nessa posição de explicar a América Latina para o público gringo, posição que vejo como bem desafiadora, mas, ao mesmo tempo, também bem interessante. Isso porque faz com que eu mesma perceba o português, o espanhol e a nossa cultura, a da América Latina, de uma maneira, digamos, diferente. Tipo: ‘Como é que eu explico tudo isso, que para a gente é cotidiano, a um estrangeiro? Como explicar a nossa política, que é maluca e alucinante, para um gringo? Assim, também tenho aprendido muito sobre nós mesmos, nesse processo.

Queria que falasse mais pormenorizadamente, então, da sua pesquisa…

Bem, a minha pesquisa, ela tem transcendido fronteiras. Eu acho que o meu objetivo é muito falar sobre colonialismo, sobre imperialismo. É uma pesquisa que envolve a relação entre países. Ano passado, fui a Portugal, para pesquisar arquivos. Agora, estou aqui, no Brasil, também a trabalho, para pesquisas. Estou (residindo) nos Estados Unidos pesquisando.

Então, Brasil, Portugal, Estados Unidos. América, Europa. Fiz essas pesquisas em Portugal, vim agora para o Brasil. Fiz uma pesquisa na Academia Brasileira de Letras, estou fazendo aqui em Minas também. Fico no país até 17 de agosto. Assim, a princípio, vim a trabalho, mas aí combinei o lançamento do livro. Logo, vou fazer essa turnê ao redor do Brasil também. Ou seja, estou aqui com as minhas duas profissões, como acadêmica e com a escrita.

Você, que estuda tanto sobre Patrícia Galvão, a Pagu.. .O que acha de ela ser a homenageada da Festa Literária de Paraty este ano?

Eu fiquei muito feliz. Eu acho que foi uma excelente escolha da curadoria. Estão de parabéns, porque a Pagu realmente ainda é uma figura pouco discutida. E ela merece muito um lugar no cânone como intelectual, como pensadora brasileira, e não como “musa do modernismo”, né? Ou ex-esposa do Oswald de Andrade, que é como há décadas tem sido tratada por grande parte da crítica e do público. Assim, estou muito animada, muito ansiosa para acompanhar as discussões.

Acho que vai ser uma Flip muito produtiva. E eu já há muito tempo pesquiso muito sobre a Patrícia Galvão, né? A minha pesquisa de doutorado é sobre a identidade nacional. Esse é o meu grande tema. Quando eu falo do modernismo, eu falo principalmente da Pagu, porque ela tem um projeto de identidade nacional que, na verdade, é um projeto de não identidade.

Gostaria, então, que falasse mais sobre isso…

Pois é, eu acabei falando mais disso inclusive em uma entrevista que dei para o Rogério Faria Tavares, então pela Academia Mineira de Letras (quando o jornalista estava à frente da AML). Sobre o legado, sobre a vida, sobre a história da Pagu. Sobre esse projeto de identidade nacional que era radicalmente diferente dos demais modernistas. E acho que isso ainda é uma coisa que é pouco dita. Como que a visão que a Pagu tinha sobre esse assunto, que é o grande assunto da literatura brasileira, é o grande assunto dos modernistas, é o grande assunto dos românticos… Porque a Pagu vai e fala assim: ‘Olha, vocês estão fazendo tudo errado. Você estão há 500 anos fazendo tudo errado”.

Ela propunha: “Vamos olhar para isso de outro de outro lugar, com uma outra visão? Vamos fazer um recorte de raça, vamos fazer um recorte de classe, um recorte de gênero? E aí, sim, talvez a gente pode pensar em identidade nacional”. Então, eu brinco que ela era feminista demais para os comunistas e comunista demais para as feministas. Assim, estava nesse, digamos, “entre lugar”. E, portanto, acho que foi um dos motivos que dificultaram a entrada dela no cânone. Logo, estou muito feliz com essa escolha (da Flip). Acho que, a partir daí, vão vir grandes discussões, grandes publicações. Acho que a curadoria acertou muito e estou bem ansiosa para acompanhar.

No mais, queria “abrir o microfone” para você falar o que quiser… Ah, sim. Se quiser compartilhar o que anda vendo, lendo etc…

Então, já que acho que já falei demais (risos), vou compartilhar algumas das minhas leituras recentes. Desde que cheguei ao Brasil, estou aproveitando para comprar muitos livros. Também recebi, ganhei, outros tantos de presente. Assim, estou lendo o máximo que consigo. É porque, no meu caso, tem essa questão também de transportar os livros, né? Na verdade, vivo entre bibliotecas, porque eu tenho a minha no Brasil e agora tenho a minha nos Estados Unidos. Então, vou falar de alguns títulos que li desde que cheguei e dos quais gostei muito, que recomendo. Aliás, penso que, como escritores, nós temos que, antes de tudo, ser leitores.

Bruna Kalil durante leitura da obra de Maria Valéria Rezende, no projeto Letra em Cena, realizado dia 30 de maio, no Café do Centro Cultural Unimed Minas Tênis Clube; e que também teve Micheliny Verunschk (que aparece na foto à direita, de cabelos presos) como convidada (Foto: Patrícia Cassese)

São eles: “Caminhando com os mortos”, da Micheliny Verunschk; “O Avesso da Pele”, do Jeferson Tenório; “A Tradição” (Jericho Brown, com tradução da Stephanie Borges); “Poema de amor pós-colonial”, da Natalie Diaz (tradução: Rubens Akira Kuana), “Agora Agora”, do Carlos Eduardo Pereira; “Salvar o Fogo”, do Itamar Vieira Jr; “O Avesso do Bordado: Uma biografia de Marco Nanini”, da Mariana Filgueiras; “Pretovírgula”, de Lucas Litrento; “O Que é Meu”, de José Henrique Bortoluci, e “Pistas Falsas”, do José Eduardo Gonçalves.

Serviço

Bruna Kalil Othero – Lançamento de “O Presidente Pornô”

(Companhia das Letras, 248 páginas, R$ 74,90)

Lançamento neste sábado, dia 15, a partir das 11h, na Livraria e Café Quixote
Onde. Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi.

Inscreva-se no nosso canal no WhatsApp

Publicado por Carol Braga

Publicado em 14/07/23

Compartilhar nos Stories

Bruna Kalil Othero, que está lançando "O Presidente Pornô" neste sábado (Companhia das Letras)
Literatura