Personagem icônico de Belo Horizonte, o Bolinho que conquistou os muros da cidade faz primeira exposição em museu
Por Helena Tomaz | Assistente de conteúdo
Para quem transita com frequência pelas ruas de Belo Horizonte, não é difícil notar a presença de um personagem tão divertido quanto carismático. Com cores vibrantes – e quase sempre com um sorriso alegre -, o Bolinho foi se multiplicando por muros da capital mineira, conquistando a simpatia dos belo-horizontinos. Neste ano de 2023, o personagem Bolinho está completando 14 anos de existência – e, para celebrar a data, nada melhor que uma exposição em um espaço icônico da cidade.
Claro, por trás de cada criatura de sucesso, sempre há que se ressaltar o criador. No caso, a criadora. Nascida em Itabira, mas já há anos morando em BH, Maria Raquel, a artista em questão, acabou adotando o nome artístico de Raquel Bolinho. Feliz com o caminho que trilhou até aqui, ela conta, à equipe do Culturadoria, que não pretende parar tão cedo. Na verdade, quer inclusive tentar dar mais visibilidade a outros artistas de rua – eventualmente, alguns que os fãs do personagem Bolinho ainda não conheçam.
Colaboração
Aliás, essa é exatamente a proposta da citada exposição, que está em cartaz no Museu de Artes e Ofícios, na Praça da Estação: ali, cada tela exibida foi feita em colaboração com outro artista da cidade, unindo o estilo do convidado ao do famoso Bolinho.
A mostra conta, ainda, com uma sala dedicada a Goma, outro artista que já é um, digamos, “velho conhecido” dos muros da cidade. A iniciativa pode ser apreciada até o dia 19 de agosto. Neste dia, aliás, haverá uma visita guiada às 15h, além de uma loja só com itens do Bolinho, para quem quiser levar um pedaço – com o perdão do trocadilho – dele para casa. Confira, a seguir, trechos da entrevista concedida pela artista no próprio espaço expositivo.
Como surgiu a ideia / o convite para a exposição? Essa é a primeira vez que você faz algo do tipo?
A gente já vinha conversando com o Museu [de Artes e Ofícios] há um tempão. Desde o ano passado já havia essa ideia, e eu já estava produzindo essas telas em outros eventos. Estava esperando um momento, uma vaga, até que rolou e, enfim, marcamos!
E a ideia de colaborar com outros artistas? Foi sua?
Sim! Essas telas foram feitas em um projeto chamado “Beagá é quem?”, que vem da ideia de fazer pinturas com outros artistas. É uma forma de o público do Bolinho conhecer o trabalho de outros artistas. Eu vejo que o público do Bolinho são pessoas que nem sempre são, assim, tão interessadas em grafitti, portanto, nem sempre conhecem outros artistas. Às vezes, gostam do Bolinho, e não do graffiti em geral. Então, era uma ideia minha chamar outras pessoas, fazer essa interação e, assim, fazer conhecer esses outros artistas também.
A ideia era fazer telas no estilo um do outro, e elas foram feitas em um processo que a gente chama de ateliê aberto, em que eu e outra pessoa pintamos e todo mundo pode chegar e assistir. Às vezes, eu posto no Instagram onde vai ser, ou o que está acontecendo, até para as pessoas entenderem como funciona o processo.
E como é esse processo?
Com cada artista vai de um jeito! Normalmente você já está com a ideia na cabeça, ou faz um esboço muito simples e já chega com o spray, pintando! Não tem a criação de um molde nem nada do tipo.
E você já está muito familiarizada, já são muitos anos pintando o Bolinho, né?
Pois é, 14 anos! Acho que agora estou começando a pegar o jeito [risos]!
E como você criou o Bolinho?
Eu queria alguma coisa que tivesse a minha cara, queria deixar algum desenho meu na rua. Eu me mudei para Belo Horizonte e via vários grafites, várias artes, e pensava: “Nossa, quero algo meu também!”. Não sabia desenhar nada, então tive que pensar em alguma coisa fácil, que eu pudesse explorar.
Adolescente – quando você acha que já está velho e já fez tudo da vida, sabe? -, eu falava que era muito frustrada por não saber desenhar. Eu sempre falei isso, então, tive que pensar em um desenho bem ‘facinho’. Aí, fui pensando nas coisas que eu gosto. E eu sempre gostei muito de confeitar, de fazer bolo, essas coisas. Logo, concluí: ‘Vai sair um bolinho, então!’. Só que ele era só um cupcake, normal, bem simplesinho. Portanto, pensei: “Bem, então, vou colocar umas pernas e uns bracinhos de palitinhos para ver”. E foi! Depois, claro, fui melhorando. E, assim, o Bolinho foi tomando mais forma, ficando mais bonitinho. Ele era bem feinho no começo! [Risos].
Então, podemos deduzir que, quando você começou, 14 anos atrás, certamente não esperava um dia estar aqui, com uma exposição deste personagem, que inclusive já virou uma marca registrada da cidade, né?
Ah, não! Eu nem pensava em fazer isso como eu faço hoje, era super despretensioso. Era só uma vontade de deixar uma coisa na rua que as pessoas tivessem curiosidade, igual eu tinha. Eu pensava: “Quem é o grafiteiro que fez isso aqui?”. Passava em alguns lugares e pensava: “Nossa, tem muita coisa dessa pessoa nesse bairro. Ela deve morar por aqui!” Mas não tinha planos de nada!
E quando foi que você percebeu que isso havia se tornado um trabalho?
Quando eu vi que as pessoas procuravam, queriam ter o Bolinho de alguma forma – um produto, uma tela, alguma coisa – e que eu não estava preparada para isso, ainda. Acho que foi essa demanda que me fez transformar o Bolinho em trabalho, foi mais a procura das pessoas, mesmo.
[Sobre a tela feita com a Efe Godoy]: Que legal que tem o Bolinho da Efe! Outro dia, conversei com ela e falamos sobre isso, sobre o fato de você ver uma obra dela em um lugar e já saber que é dela!
Acho que as nossas ideias batem muito nesse sentido. Eu nunca fui de colocar o nome do Bolinho, as pessoas foram reconhecendo de tanto ver. Às vezes, nem chamavam de Bolinho, mas o mais importante é que vejam em um lugar, vejam em outro e saibam que é o mesmo, mais do que saber chamar o nome dele ou qualquer coisa assim.
E você acabou virando a Raquel Bolinho, né?
Sim! As pessoas acham que é meu sobrenome, que eu comecei a pintar o bolinho por causa do meu sobrenome, tem várias fics [derivado de fanfic, histórias produzidas por fãs de uma obra] assim! [Risos].
E como é quando você está na rua, pintando, fazendo o Bolinho? Como é a reação das pessoas?
Hoje em dia é bem legal! Na rua, sempre tem de tudo. Vai ter gente que vai passar e vai reclamar, falar alguma coisa, mexer. Hoje tem muita gente que reconhece e grita, para, tira foto, é uma loucura! Teve uma vez em que a gente estava no Buritis. Eu estava pintando em um muro e, lá de muito longe [gesticula, mostrando que a distância era mesmo longa], em cima, tinha um prédio, tinha uma galera, que gritava “ô Bolinho! Olha o Bolinho ali!”. E o traço estava muito no começo! Não dava nem para imaginar que era um Bolinho, nem eu ia saber, e eles reconheceram. Acho chocante!
As pessoas tratam o Bolinho com muito carinho, sempre.
Ele é super amigável, né?
Sim, e bem humorado! Então acho que as pessoas têm uma simpatia, sabe?
O Bolinho está sempre atualizado sobre músicas, pautas sociais e até memes. De onde você costuma tirar inspiração? Quais temáticas você gosta de pintar?
Sempre teve uma coisa, no meu trabalho, de colocar o que estava acontecendo na época, seja uma notícia, um meme ou uma música. Acho que ele vai sempre se renovando com as coisas que vão rolando. E acho super versátil essa coisa de ele poder mudar [em determinadas] situações. Às vezes, as pessoas me perguntam se eu não quero fazer outra coisa, mas, poxa, o Bolinho ainda me dá tantas opções: eu consigo fazer um Bolinho em um museu, um Bolinho andando de bicicleta, jogando bola, trabalhando com tecnologia, com qualquer coisa, sabe? Então, enquanto eu ainda tiver com tanta opção com ele, acho que vou seguir com ele assim!
E o que você acha que mais mudou nesses 14 anos?
Mudou muita coisa, tanto na forma física dele até na forma como eu encaro. Antes, era de uma forma tão despretensiosa…. E hoje, ele tomou conta de tudo na minha vida! Eu durmo pensando no Bolinho, acordo pensando no Bolinho! Estou sempre pensando em uma forma diferente de pintar, em uma coisa diferente para fazer. Seja uma exposição, uma loja ou um produto novo. Eu acho que o que mais mudou é que, hoje, ele toma conta da minha vida, 24 horas por dia!
E, depois de tanto tempo, o que você almeja, o que você sonha, o que você planeja para você e para o Bolinho?
Eu já fui muito além do que eu imaginava, de onde eu achei que poderia chegar com o graffiti. Só de poder viver de graffiti já é um privilégio, uma realidade muito melhor do que de 99% dos grafiteiros, que têm que ter outro trabalho para sustentar o graffiti. Mas sim, eu quero crescer! A ideia é espalhar o Bolinho, levar para o máximo de lugares possíveis. Andar com o Bolinho por aí!
O Bolinho está muito presente em BH, mas também está em outros lugares. Qual foi o lugar mais longe ou mais diferente – ou mais inusitado – em que ele chegou?
Mais longe, na Argentina! Mas tem um lugar que não é inusitado nem diferente, mas que está bem no meu coração, que é Cumuruxatiba [distrito de Prado, na Bahia]. Um lugar que, quando conheci, fiquei completamente apaixonada. Falei: “nossa, eu quero pintar essa cidade inteira!”. E já voltei lá várias vezes, pintando em outros espaços, renovando os que já tinha feito. Lá é um lugar que combinou muito com o Bolinho. Tem um Bolinho super praieiro por lá!
Serviço
Exposições em cartaz até 19/08/23
Visita guiada acompanhada pela Raquel Bolinho: 19/08/23 15h
Funcionamento do museu:
Terça a Sexta 11h – 17h
Sábado 9h – 17h
Endereço: Praça Rui Barbosa, 600 – Centro, Belo Horizonte