Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Os olhares poéticos de Ana Martins Marques e Aline Motta no 12º Festival Artes Vertentes

Gostou? Compartilhe!

Escritoras Ana Martins Marques e Aline Motta lançaram novos trabalhos e conversaram com o público na histórica cidade mineira de Tiradentes

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

As escritoras Ana Martins Marques e Aline Motta desembarcaram na última semana em Tiradentes para o 12º Festival Artes Vertentes, evento que transforma a cidade mineira em um pólo de produção e difusão de artes integradas. A participação das duas artistas foi um interessante exercício de interseção entre a literatura, a música lírica e as artes visuais.

Aline Motta na performance A água é uma máquina do tempo - Foto - Marlon de Paula
Aline Motta na performance A água é uma máquina do tempo - Foto - Marlon de Paula

A mineira Ana Martins Marques participou de dois concertos, realizando a leitura de poemas próprios e da escritora Hilda Hilst, em uma das igrejas da cidade. As apresentações uniram poesia e música lírica, desenvolvendo um rico diálogo entre as duas expressões artísticas. Já a carioca Aline Motta, realizou uma potente performance audiovisual na fachada do Museu Padre Toledo.

As duas poetas lançaram seus mais recentes trabalhos, ambos editados pelo Círculo de Poemas, clube de assinatura de livros de poesia da Fósforo Editora e da Luna Parque, durante o Festival Artes Vertentes. Ana Martins Marques publica a plaquete “De uma a outra ilha”. Todo escrito em fragmentos, o longo poema entrelaça a obra e a história da poetisa grega com a dos refugiados contemporâneos [Leia a resenha completa da obra aqui]. “A água é uma máquina do tempo” é o primeiro livro de Aline Motta, obra onde a autora mira o passado e (re)constrói as trajetórias de mulheres que vieram antes de si [Leia a resenha completa do livro aqui].

Durante o Festival Artes Vertentes, as escritoras participaram de um Café Literário, reunindo o público para um bate-papo descontraído a respeito dos seus lançamentos. Conversamos com as artistas na ocasião. Confira abaixo:

Aline, “A água é uma máquina do tempo” me parece um trabalho de escrita aliado a um trabalho de montagem. Você concorda? Digo pelos diferentes materiais que você recorta e reconfigura ao longo do texto, incluindo trechos de jornais, mapas e fotografias.

Realmente é um trabalho de montagem. Eu levo isso, inclusive, para a performance em diálogo com o livro [Aline apresentou a performance “A água é uma máquina do tempo” na programação do Festival], utilizando fichas que me guiam nesse processo. As fichas, por exemplo, podem trazer as minutagens ou indicar o que irá acontecer em determinado momento. Mas você também pode embaralhar essas cartas, né? E formar outro texto. 

Isso vem também da minha experiência montando filmes. Eu cheguei a editar trabalhos em moviolas, ainda em 16mm. Você pegava as imagens com a mão, cortava. Era uma coisa bem manual. Meu trabalho carrega uma memória disso, eu não queria abandonar esse processo. Eu ainda trabalho de maneira analógica em alguns processos.

Ana, na plaquete “De uma a outra ilha” você vai do presente em direção ao passado, relacionando a urgente crise humanitária dos refugiados contemporâneos e a vida e obra da poeta Safo na ilha de Lesbos. Como se deu a construção desse olhar, o seu interesse partiu do ontem ou do hoje?

Parti do presente para o passado. Eu uso alguns trechos de jornal nesse trabalho, algumas reportagens com pequenas falas, entrevistas com pessoas que estavam nos acampamentos de refugiados na ilha de Lesbos. Acho que o trabalho nasceu muito de uma matéria específica que trazia uma entrevista com uma menina que falava sobre um incêndio, sobre como suas roupas e seus sapatos pegaram fogo. Tinham muitas crianças nesse acampamento. 

Quando eu pensava em Safo, ela me remetia à ilha de Lesbos que, para mim, era como uma paisagem imaginária. Eu não pensava nela como um lugar concreto. A ilha era muito associada à poesia. E a Safo, ainda, apresenta muitas imagens de incêndio, do fogo. O incêndio que é Eros… que é o amor. Um dos versos do “De uma a outra ilha” me parece ser uma espécie de síntese deste livro: “Uma coisa é incendiar-se o coração, outra coisa é incendiarem-se os sapatos”.

Café Literário com Ana Martins Marques e Aline Motta (Foto Marlon de Paula)
Café Literário com Ana Martins Marques e Aline Motta (Foto Marlon de Paula)

Os dois livros lançados por vocês aqui no Festival Artes Vertentes trazem a água como um elemento muito forte, não é mesmo?

Ana: O mar sempre foi muito presente na minha poesia, apesar de ser mineira. Ou, talvez, por isso mesmo. O meu primeiro livro se chama “A vida submarina”. Todos os meus livros tem algum poema relacionado com o mar. Mas eu me dei conta de que esse mar aqui, do novo livro, é muito diferente. Eu acho que em alguns outros poemas existe um pressentimento do mar como uma coisa perigosa e hostil, mas aqui eu me dei conta do mar de uma maneira diferente.

Esse olhar surgiu muito de um poema do Edmilson de Almeida Pereira que se chama “Cemitério marinho”. Ele pega essa imagem para falar dos navios negreiros. O mar como um cemitério como um espaço histórico. Eu me dei conta dessa dimensão do mar na história colonial. E o papel dele nas migrações também né? O mar é ao mesmo tempo um meio de acesso e uma fronteira. As águas são nacionais. Há essa dimensão bem política e histórica nessas águas.

Aline responde:

Aline: Sendo de Niterói, imagina, a Guanabara sempre foi muito presente na minha vida. Todos os meus trabalhos remetem de alguma maneira à essa água, à água da Baía de Guanabara. Aquele trajeto diário que eu sempre fazia de barca, atravessando a água. Isso fica entranhado na gente. Uma coisa que eu queria muito fazer era uma projeção em vídeo nos pilares da Ponte Rio-Niterói. Na primeira vez que tentei, não deu certo.  Mas fui refinando essa ideia…

O meu trabalho tem sempre uma transposição de coisas. É a água que vira folha, que vira papel, que volta a ser memória de novo. A água tem esse trânsito mesmo, de incorporação, de transportação também de conteúdos sensíveis. A gente sabe que a água faz isso. Em todas as tradições há a presença desse elemento, no catolicismo mesmo, há o batismo. Então há esse sentido também, da água atuando como um elemento espiritual. A transmutação dessas dores, desse luto.

O Culturadoria visitou Tiradentes a convite do Festival Artes Vertentes.

Encontre “De uma a outra ilha” aqui:

https://amzn.to/3uje53q

Encontre “A água é uma máquina do tempo” aqui:

https://amzn.to/47h4SXY

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

Gostou? Compartilhe!

[ COMENTÁRIOS ]

[ NEWSLETTER ]

Fique por dentro de tudo que acontece no cinema, teatro, tv, música e streaming!

[ RECOMENDADOS ]