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“O Primeiro Dia da Minha Vida” e as dores da existência

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Novo filme de Paolo Genovese, “O Primeiro Dia da Minha Vida” aborda temas intrincados e doloridos de modo sensível

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Escrever sobre o filme “O Primeiro Dia da Minha Vida”, de Paolo Genovese, em cartaz no Una Belas Artes, definitivamente não é tarefa das mais fáceis. No entanto, é importantíssimo deixar claro que o filme pode acionar gatilhos – e em um nível muito sério e intenso – para algumas pessoas.

Margherita Buy e Gabriele Cristini em cena do filme "O Primeiro Dia da Minha Vida" (Pandora Filmes/Divulgação)
Margherita Buy e Gabriele Cristini em cena do filme "O Primeiro Dia da Minha Vida" (Pandora Filmes/Divulgação)

A relação dos elementos presentes no filme inclui a descrição “tema sensível”, mas talvez fosse prudente avançar mais. A questão é que, especificar qual é exatamente o “tema sensível” sem dúvida alguma iria estragar a surpresa que o espectador vai ter, já que esse se revela não de pronto, nos minutos iniciais, mas um pouco mais pra frente.

Spoilers

Então, que fique claro. A partir deste momento, ou seja, a partir daqui, este texto já contém spoilers. Mesmo tomando emprestado a sinopse oficial do filme. Sendo assim, para quem gosta do elemento surpresa, é aconselhável não seguir em frente na leitura.

Sinopse

Vamos, pois, a sinopse: “O filme traz a história de um homem misterioso que se apresenta a quatro pessoas que não veem mais saída em suas vidas. O desconhecido promete mostrar, em uma semana, como o mundo seria um lugar pior sem eles”. Sobre os personagens: “Arianna (Margherita Buy) é uma policial que vive uma dor insuportável; Napoleone (Valerio Mastandrea) é um coach motivador que não consegue mais se motivar; Emilia (Sara Serraiocco) é uma ginasta que acabou numa cadeira de rodas; e Daniele (Gabriele Cristini, 12 anos) é um influenciador mirim que sofre bullying”.

Toni Servillo e Valerio Mastandrea em cena do filme de Paolo Genovese (Pandora/Divulgação)
Toni Servillo e Valerio Mastandrea em cena do filme de Paolo Genovese (Pandora/Divulgação)

Mistério

O desconhecido – cujo nome não é citado – é Toni Servillo. No início do filme, numa noite bastante chuvosa, ele transita por Roma com mais duas pessoas no carro, Emilia e Napoleone. Após uma parada, ele induz Arianne – que, naquele momento, estava transitando também de carro, em uma ronda com o colega, que estacionou para comprar um café – a também embarcar no veículo, sem olhar para trás. Os três, meio atordoados, vão para uma misteriosa casa na qual, na verdade, já encontra-se um garoto, Daniele. Até ali, ninguém sabe o motivo porque os quatro foram reunidos pelo misterioso homem.

Tampouco o que significa estar naquela casa. Aos poucos, vão compreendendo que terão pela frente uma jornada de alguns dias no qual serão submetidos a algumas provas. E que não há como fugir.

Futuro

O denominador comum entre os quatro é que todos estão pensando em acabar com a própria vida. E o homem misterioso interpretado por Servillo quer justamente dissuadi-los da ideia. Em meio ao desenrolar da narrativa, o espectador fica sabendo o motivo que fez cada um decidir interromper a respectiva caminhada na Terra. Mas o mais contundente é que o homem também mostra, em imagens em movimento, qual seria a reação dos parentes se o ato – dando nome aos bois, o suicídio – for efetivamente consumado. Ou, ainda, cenas projetadas do que eles deixariam de viver caso de fato optem por dar fim às próprias vidas. De pessoas que iriam conhecer no curso da vida.

Nesta caminhada insólita, as dores dos quatro são eco de várias questões com as quais a sociedade contemporânea lida nos dias atuais. Principalmente no que tange a Daniele, que, por conta da compulsão por doces (donuts, em particular), está fora do peso e, ainda (ou por conta disso), sofre com a invisibilidade. Isso até que o pai resolve se valer justamente deste aspecto (a compulsão do garoto) para fazer com que um vídeo do filho comendo quatro frangos em poucos minutos viralize. Assim, ele de fato passa de anônimo a celebridade, arrebanhando mais de 900 mil seguidores. Mas, como toda celebridade, Daniele também enfrenta o assédio dos haters.

Depressão

Desse modo, Paolo Genovese aborda os perigos que as redes sociais apresentam, principalmente para os mais jovens, que ainda não têm uma estrutura psicológica para lidar com certas questões. Tal qual, o fato de que o anonimato propiciado pela internet facilita todo tipo de agressão. No caso de Napoleone, a questão tratada não é exatamente nova, mas é cada vez mais crescente: a depressão. Ou seja, teoricamente, não há um motivo concreto que justifique a decisão radical de tirar a vida, como o próprio personagem aponta. No entanto, a depressão está ali, presente, a corroer o pensamento.

Detalhe: ele era um palestrante motivacional exitoso. As dores de Arianna vêm de um episódio de vida reconhecidamente aterrorizante. Já as de Emilia, ligadas à interrupção de uma carreira ascendente. Um comentário não ligado à trama: em certas cena, a atriz Sara Serraiocco se mostra incrivelmente parecida com a atriz brasileira Lídia Brondi.

Considerações

Para tratar de temas tão sensíveis, Paolo Genovese constrói cenas nas quais os tons sombrios prevalecem, seja nos figurinos (inclusive na plateia das palestras de Napoleone) seja no ambiente da casa para a qual o grupo é levado. A trilha sonora se inicia com o jazz e segue ecoando bom gosto. No caso dos atores mais veteranos, é até chover no molhado falar no nível da performance nesta produção. Assim, vale focar no talento cativante do menino, Gabriele Cristini, absolutamente encantador.

No que tange à condução do filme, Paolo Genovese acerta a medida na abordagem de pensamentos suicidas e, tal qual, dos motivos que induziram os personagens da trama a essa situação limítrofe e dramática Evidentemente, diante dessa temática, o pisar em ovos é mais que necessário. Em casos assim, o cuidado deve ser adotado numa linha reta, num fôlego, sem tréguas. A responsabilidade é imensa. Como dizemos, é inevitável dizer que o filme pode acionar gatilhos. Aliás, deveria haver um aviso. Ou, ainda, a descrição “conteúdo sensível” poderia ser mudada para “extremamente sensível e delicado”.

Que bom, pois, que Genovese consegue chegar ao final de “O Primeiro Dia da Minha Vida” obtendo o feito de não carregar nas tintas. E, ao fim, sem mensagens edificantes, como as que o coach vivido por Valerio Mastandrea tentaria passar, mas, sim, com um desenlace que dá um certo alento à alma.

Confira, a seguir, o trailer

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