Escrito por Henry Gee, paleontólogo e editor da Revista Nature, livro é um lançamento instigante da Fósforo Editora
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de literatura
Como fazer caber 4,6 bilhões de anos do surgimento da vida na Terra num livro? Tarefa difícil — para não dizer impossível. Pois bem. Sabendo que era impossível, o paleontólogo Henry Gee foi lá e fez neste viciante “Uma história (muito) curta da vida na Terra: 4,6 bilhões de anos em doze capítulos (!)”, livro que, numa escrita instigante, faz um apanhado pra lá de satisfatório desse fenômeno que de tão comum e prosaico deixamos de perceber como o verdadeiro fenômeno que é: a vida. “Em meio a todas essas catástrofes, surgiu a vida. Foram o tumulto e a calamidade que a alimentaram, cultivaram, fizeram com que se desenvolvesse e expandisse”. Com tradução de Gilberto Stam, o livro é um lançamento da Fósforo Editora.
Crônicas de gelo e fogo
Entre o fogo e o gelo, entre o calor abrasador e o frio congelante, a vida na Terra surgiu e se desenvolveu ao longo de mais de 4 bilhões de anos. Ou seja, entre as mais altas e as mais baixas temperaturas, a vida nasceu e se extinguiu. Se fortaleceu e buscou novos caminhos para reexistir. Se extinguiu de novo, para renascer noutros formatos e possibilidades. “A cinza, a fumaça e o gás que acompanharam a lava mataram quase toda a vida no planeta. Mas não de imediato: foram 500 mil anos de agonia tóxica”.
Científico e literário
É fascinante — para um leigo, posso afirmar, mas não duvido que também seja para os mais entendidos — o mergulho que Henry Gee nos possibilita neste livro tão breve, mas tão detalhado. O que mais se destaca aqui é uma escrita que parece unir o científico e o literário, trazendo termos e conceitos caros à pesquisa e à academia aliados à uma prosa que não nos deixa perder o fio da meada. Desse modo, isso é um mérito e tanto. “Uma história (muito) curta da vida na Terra” é uma daquelas leituras difíceis de largar que você, de repente, se pega buscando alguém para conversar sobre, para compartilhar um pouco do conhecimento recém-adquirido.
Por exemplo, você sabia da importância do desenvolvimento de um ânus distinto em algumas espécies de vermes há muitos milhões de anos? O ânus separado da boca causou uma revolução na biosfera, afetando a produção de oxigênio nos mares e a mobilidade dos seres. “Animais com a boca em uma extremidade e o ânus em outra começaram a direcionar seu movimento — a ‘cabeça’ na frente e a ‘cauda’ atrás”. Além disso, noutro ponto, Henry Gee analisa o momento em que os animais descobriram a possibilidade de se alimentarem uns dos outros. “E quando isso aconteceu eles também tiveram de encontrar maneiras de evitar serem comidos”.
Encarar nossa pequenez
Dos primeiros vertebrados ao reinado dos dinossauros no planeta Terra, dos primeiros hominídeos até nós — eu e você — “Uma história (muito) curta da vida na Terra” é uma jornada fascinante em questões como a evolução, a adaptação e a resiliência. Portanto, são muitas as catástrofes que aniquilaram espécies inteiras e colocaram à prova a capacidade da vida de se reinventar. “Nos próximos milhares de anos, o Homo sapiens desaparecerá. A causa será, em parte, o pagamento de uma dívida de extinção há muito vencida. A porção de habitat ocupada pela humanidade é nada menos que a Terra inteira, e, progressivamente, os seres humanos a estão tornando menos habitável”.
Se o Homo sapiens causou uma série de revoluções — biológicas, culturais, políticas, sociais e por aí vai — o texto de Henry Gee nos faz relembrar da nossa pequenez frente à imensidão da Terra. A história da vida humana no planeta é intensa e breve e, segundo ele, não deve durar muito mais que dezenas de milhares de anos. Parece muito. Mas, quando comparado à longa trajetória percorrida pela vida para surgir, se desenvolver e se reinventar aqui, talvez seja um sopro. “Qual será, então, o legado humano? Quando comparado ao período da vida na Terra, nenhum”.
Encontre “Uma história (muito) curta da vida na Terra: 4,6 bilhões de anos em doze capítulos (!)” aqui.
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel