

“Tudo o Que Você Podia Ser” e a potência da amizade
Amizade, afeto, escuta: "Tudo o Que Você Podia Ser" estreia em BH (Vitrine Distribuição/Divulgação)
Amizade, afeto, escuta: "Tudo o Que Você Podia Ser" estreia em BH (Vitrine Distribuição/Divulgação)
Novo filme de Ricardo Alves Jr. (“Elon Não Acredita na Morte”), “Tudo o Que Você Podia Ser” entra em cartaz na capital mineira
Patrícia Cassese | Editora Assistente
É curioso como várias séries e filmes que se debruçam sobre o tema amizade giram em torno de grupos constituídos por quatro pessoas. No caso das narrativas seriadas, basta lembrar de “Sex and The City”, “Girls”, “Valéria”, “À Beira do Caos”, “Machos Alpha” ou “Pretty Little Liars”. Bem, fato: quatro pessoas também compõem o grupo que é a espinha dorsal de “Tudo o Que Você Podia Ser”, filme que estreia nesta quinta-feira em várias cidades do Brasil. No entanto, que fique claro: longe dos percalços de pessoas prioritariamente privilegiadas, o longa de Ricardo Alves Jr. se debruça sobre integrantes da comunidade LGBTQIAP+ belo-horizontina que enfrentam todo tipo de perrengues habituais a grupos marginalizados no país.
Com roteiro de Germano Melo, “Tudo o Que Você Podia Ser” traz Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares. Detalhe: pessoas reais, e que surgem no filme com os próprios nomes, e não batizadas como personagens fictícios. Neste caso, vale se atentar que, no material de divulgação, o nome do(a)s personagens aparece por ordem alfabética, ou seja, frisando que, na narrativa, não há hierarquia. A importância de todes é simétrica.
Logo de pronto, o espectador de “Tudo o Que Você Podia Ser” se inteira que o grupo sofrerá duas baixas – ao menos no que tange ao fato de residirem na mesma cidade. Assim, Aisha está indo para São Paulo, enquanto Igui comemora o fato de ter sido aprovade para estudar em Berlim. Certo, a viagem de Aisha é mais imediata, e, portanto, logo a vemos selecionando as roupas que vai levar na mudança, enquanto pensa para quem vai doar as peças que não vê sentido em colocar na mala.
Em uma espécie de encontro de despedida, o grupo se reúne em torno de uma mesa redonda, na casa de Igui (foto abaixo), a saborear sushi. Lá, se lançam ao desafio do “verdade ou consequência”, a partir do giro de um objeto. Desse modo, Aisha, por exemplo, compartilha uma experiência marcante que viveu na infância, embora a revelação mais impactante e emocionada venha de Bramma. Mas, que fique claro: a reunião na casa de Igui é apenas o início da noite mostrada em “Tudo o Que Você Podia Ser”.
Disposto a viver com intensidade o encontro, o grupo se propõe inclusive a ver o dia nascer, saindo de carro por paisagens conhecidíssimas por quem mora em BH, como os viadutos que unem o centro à região leste. Uma das cenas que aparecem no trailer, e que traz Aisha com a cabeça fora do carro, experenciando o vento no rosto, é bastante emblemática por transmitir a sensação de liberdade que um grupo de pessoas marginalizadas encontra quando está em um núcleo no qual há afeto, escuta, acolhimento, empatia, comunhão. Portanto, na contramão do medo constante de agressões e do preconceito.
Aliás, esta parece ser mesmo a tônica de “Tudo o Que Você Podia Ser”. Mostrar o quanto o coletivo pode forja força e potencializar lutas que, no âmbito do particular, tantas vezes se revelam dolorosas. Mais uma vez, Bramma traz isso muito evidente na conversa com a mãe (neste caso, ficcional, interpretada pela sempre ótima Docy Moreira). Tal qual, na cena em que está no ônibus e passa a ser provocada (no péssimo sentido da palavra) por um grupo de rapazes. Há uma cena também muito emblemática quando ela pede um abraço, de modo a encontrar guarida para o desamparo evidente.
Um ditado africano famoso diz que “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Ou seja, uma rede que envolva várias pessoas para que ela (no caso do ditado, a criança) possa estar não só protegida, acolhida, mas com condições reais para, no curso do crescimento, ter desenvolvido raízes sólidas para não sucumbir às inevitáveis ventanias da vida. Uma teia que envolva transmissão/troca de conhecimento, amparo, informação e, por que não, colo, se necessário.
A ideia no cerne dste provérbio pode ser expandida para se fazer valer no sentido da associação de pessoas. Gente que, partilhando experiências tão avassaladoras, derivadas de estigmas e fobias totalmente reprováveis, chegando a sofrer agressões físicas, consigam não apenas sobreviver, mas, principalmente, ter ânimo para lutar e tentar mudar a realidade do entorno. Mesmo que de modo paulatino. Neste ponto, vale a pena citar os casos contados por Will (foto abaixo), referentes ao preconceito do qual foi vítima ao adentrar estabelecimentos comerciais de uma cidade a qual visitou.
No caso de “Tudo o Que Você Podia Ser”, vale pontuar, não foi esse o objetivo precípuo na formação do grupo: a união, ali, se estabeleceu mesmo pelo afeto. O mais genuíno afeto. Mas é inequívoca a constatação de que, em tempos tão sombrios (não só no Brasil), a união dos que ainda são marginalizados, mesmo que pertençam a grupos de pautas distintas (mas há muitas que estão como denominadores comuns), tem muito a fazer em prol da sobrevivência e da luta.
No mais, cumpre elogiar a escolha do título, que, claro, você sabe, vem do icônico álbum Clube da Esquina. Aqui, a composição de Lô e Márcio Borges ganha a voz de Coral, artista baiana radicada em BH.
As gravações de “Tudo o Que Você Podia Ser” se deram entre dezembro de 2021 e março de 2022, em BH. Estreou no Festival Internacional de Cinema Queer Porto, em Portugal. A obra fez bonito na 25ª edição do Festival do Rio (melhor direção na sessão Novos Rumos). Do mesmo modo, venceu o prêmio de melhor filme do público no MIXBRASIL. Tal qual, foi exibida na Mostra de Tiradentes, em janeiro deste ano.
Agora, “Tudo o Que Você Podia Ser” entra em circuito Brasil afora através do Programa Petrobras Cultural. A produção do longa é da EntreFilmes e Sancho&Punta, com distribuição da Sessão Vitrine Petrobras.
Confira, a seguir, o trailer
Publicado por Carol Braga
Publicado em 18/06/24