Tipos de Gentileza é o novo longa do diretor de Pobres Criaturas. Mais uma vez, o absurdo, o humor mórbido, a sexualidade e a violência se misturam em uma história que explora a natureza humana
Por Carol Braga
Surrealista é um adjetivo bastante apropriado para ser aplicado ao cinema do diretor grego Yorgos Lanthimos. Afinal, só para citar um exemplo, ele já fez um filme – O lagosta – em que os personagens se transformavam em lagostas caso não encontrassem parceiros sexuais em um prazo estabelecido. Em Pobres Criaturas, por exemplo, os animais são híbridos. Tem porco misturado com ganso e por aí vai. Nada convencional.
Outro aspecto que parece interessar ao cineasta é a distopia. Ou seja, ele inventa mundos particulares para, no fim das contas, chamar a atenção para a natureza humana e a eterna busca por liberdade e significado. Porém, faz isso utilizando o absurdo, o humor mórbido, a sexualidade e a violência. Tudo para provocar o riso contido e, ao mesmo tempo, gerar desconforto.
E agora?
Tipos de Gentileza, o trabalho mais recente, não foge à regra. O longa estreou no Festival de Cannes, concorreu à Palma de Ouro e deu a Jesse Plemons o cobiçado prêmio de melhor ator no evento francês.
O filme apresenta três narrativas distintas que se cruzam. Elas não necessariamente se complementam. Funcionam como se fosse um livro de contos. Com outras tramas, outros personagens mas os mesmos atores. O que nos oferece a chance de não apenas nos esbaldar com belas interpretações, mas também exercitar o pensamento crítico.
Afinal, o cinema de Yorgos Lanthimos é cheio de significados. Basta a cada um decifrar aquilo que dá conta e que faz sentido para a própria existência.
A seguir, listamos algumas razões para se jogar na nova experiência proposta pelo diretor de A favorita.
Ver um ótimo trabalho de ator
A escolha do elenco por Yorgos Lanthimos sempre é estratégica. O diretor cria um mosaico de interpretações não apenas com os nomes que escolhe para o elenco mas, sobretudo, ao oferecer a cada intérprete a oportunidade de reinvenção a cada “episódio” do filme. Aí, tem que ter muita competência.
Emma Stone, Jesse Plemons e Willem Dafoe lideram esse grupo desafiado a criar pelo menos três personagens complexos e enigmáticos. Este é o terceiro filme de Lanthimos com Emma. Vale lembrar que “Pobres Criaturas” deu um Oscar para ela. Plemons venceu o prêmio de interpretação no Festival de Cannes e tem grande chances de ser um nome para o Oscar em 2025.
Fruto de um longo Processo Criativo
Lanthimos afirmou em entrevistas que levou cerca de sete anos para finalizar o filme. Pode haver duas razões para isso. Uma – prefiro acreditar – demonstra a complexidade e a ambição do projeto. A outra é mais simplória e menos positiva. Pode ser simplesmente o fato dele não saber mesmo o que fazer com as ideias mirabolantes que teve. Sendo assim, vale embarcar no filme observando as escolhas do diretor, tanto em termos de virada de roteiro como também construção dos personagens, dos cenários. Enfim, cada detalhe.
Desafia convenções
Se você aprecia filmes que desafiam as convenções, pode embarcar. Os filmes de Yorgos Lanthimos me lembram muito arte contemporânea. Muitas vezes ele busca um caminho tortuoso, incômodo, para falar de algo que pode ser até banal. Neste caso, não apenas as tramas são um tanto absurdas, mas a estrutura que ele escolheu dar ao filme – três episódios ou capítulos -, embora não seja inédita, também é pouco convencional.
Trilha sonora envolvente
A trilha sonora de um filme de Lanthimos é sempre um elemento importante. Tipos de Gentileza não decepciona. A música contribui para a criação da atmosfera única do filme em inclusive, acrescentar pitadas de humor e até uma certa dramaturgia extra. Observe como tanto a trilha como as canções são usadas para criar ou ampliar significados.
Por exemplo, Sweet Dreams (Are Made Of This), clássico do Eurythmics, que abre o longa traduz perfeitamente o que é o filme:
Todo mundo está procurando por algo / Alguns deles querem usar você / Alguns deles querem ser usados ??por você / Alguns deles querem abusar de você / Alguns deles querem ser abusados.
Enfim, uma reflexão um pouco torta sobre gentileza
Yorgos Lanthimos, apesar do título, não apresenta uma visão convencional e idealizada sobre a gentileza. O convite aqui é para uma profunda reflexão sobre a natureza, as nuances e as complexidades da interação humana. O que é ser gentil? Para o diretor, pode ser uma farsa, uma máscara, uma forma de controle, de violência. Ou seja, sem respostas simples. A gentileza aqui não é um conceito absoluto, mas sim uma força complexa e ambivalente que molda as nossas relações e a nossa sociedade.