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“Sumário de plantas oficiosas” mostra que ainda temos muito o que aprender com as plantas 

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Vencedor do Prêmio de Não Ficção Latinoamérica Independiente, “Sumário de plantas oficiosas” do colombiano Efrén Giraldo é lançada pela Fósforo Editora

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

A princípio a pandemia da COVID-19 é uma ferida tão recente que parece que ainda não demos conta de lidar com ela sob diferentes perspectivas no campo da literatura, da escrita e do pensamento. Num olhar inventivo, o crítico de arte colombiano Efrén Giraldo reflete sobre esse passado por meio da nossa relação com as plantas. O cotidiano, na arte contemporânea, na literatura de ficção, na poesia, na política. Desse modo, “Sumário de plantas oficiosas” foi o vencedor do Prêmio de Não Ficção Latinoamérica Independiente e ganha lançamento pela Fósforo Editora.

Efren Giraldo (credito Ricardo Patino)
Efren Giraldo (credito Ricardo Patino)

Feridas sociais

Efran Giraldo dá início ao texto rememorando outra ferida social que segue, após décadas, mal cicatrizada. “A ideia de começar este livro sobre as plantas e a consciência surgiu no dia do septuagésimo quinto aniversário do bombardeio de Hiroshima, 6 de agosto de 2020”. O autor nos fala sobre uma reportagem da BBC que mostra como árvores sobreviventes continuam a florescer ali. Pela mesma reportagem, Giraldo descobre que uma canforeira descendente de uma árvore de Hiroshima, está plantada no campus da universidade onde leciona há onze anos.

O desejo em encontrar essa árvore singular é impedido por um contexto incontornável naquele momento: o isolamento social. “Essa filha da teimosia, ancestral viajante das trevas, me inquieta, porque, pela impossibilidade de ir ao campus, continua a ser imaginária”. Restrito ao ambiente doméstico, Efrén Giraldo começa a escrever sobre aquelas que seguem resistindo há milênios de presença humana na terra, talvez os maiores símbolos de resiliência e transformação: as plantas.

Plantas como referência artística

O pensamento de Giraldo parece carregar características de uma raiz, se aprofundando e seguindo em diferentes direções. Criando um próprio itinerário que passeia pela memória, pelo afeto e pelo caráter intrinsecamente político da arte. Ou seja “Sumário de plantas oficiosas” caminha entre o diário e o ensaio, partindo de um sem número de referências para nos dizer das plantas e suas diferentes representações num imaginário que é tanto particular quanto coletivo. 

Quando, num contexto de isolamento social, diferentes lugares que se encontravam vazios da presença humana foram retomados pela natureza, narrativas de ficção científica que imaginaram cenários como este parecem romper a tênue fronteira da realidade. Partindo de escritores como William Blake, Clarice Lispector e Emily Dickinson, o texto de Efrén resgata diferentes possibilidades de representação das plantas na literatura ao longo da história. Ao dizer sobre um herbário construído pela poeta norte-americana Emily Dickinson – ela manteve um caderno com plantas coletadas desde os 14 anos – o ensaísta nos fala sobre a inevitável influência que esta experiência teve na produção literária vindoura da escritora, uma das mais notáveis do século XIX. “Houve jardins secretos e públicos, privados e oficiais, mas o de Dickinson talvez seja o único que serviu de laboratório para a criação poética”.

Texto vivo como uma planta em desenvolvimento 

Giraldo reflete sobre como o pensamento acerca das plantas passa por territórios como a política, as drogas e a violência. A arte contemporânea colombiana se vê, então, imersa na reflexão sobre estas questões. Resultando em artistas e obras que respondem de maneira feroz às urgências do agora. “Onde, se não na Colômbia, poderia aparecer uma preocupação com tanta força quanto a oferecida pelas matérias primas que levam à cocaína, ao paco e à heroína? Mesclam-se no país uma das atividades econômicas associadas às drogas mais conflituosas no mundo, uma das biodiversidades mais significativas é uma das cenas de politização da arte mais vigorosas do final do século 20 e início do século 21.”

Bem como uma planta que brota de uma pequena fissura no concreto e busca caminhos para crescer. Efrén Giraldo compartilha conosco o próprio processo de tessitura de “Sumário de plantas oficiosas”. Um processo de escrita em confinamento, pouco a pouco, se configura em um livro, ganhando novos ramos, folhas e pétalas. Resultando em um trabalho de difícil classificação, por sua potencialidade e singularidade. Ao final do livro, Giraldo entrega uma das mais belas e poéticas conclusões que tive contato em leituras recentes. Não é papel das plantas nos dar respostas. Mas temos a possibilidade de buscar (novos) caminhos a partir da nossa relação com elas.

Sumário de plantas oficiosas

Encontre “Sumário de plantas oficiosas” aqui

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel

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