Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Companhia Brasileira de Teatro apresenta “Sem Palavras” na capital mineira

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Além de “Sem Palavras”, mais recente espetáculo da companhia, o Teatro Sesiminas também acolhe o solo “Descartes com Lentes”

Patrícia Cassese | Editora Assistente

O barulho no fundo da ligação não deixa dúvidas: o diretor e dramaturgo Marcio Abreu está conversando com a reportagem do Culturadoria do aeroporto. “Sim! E o voo está atrasado”, confirma ele, sem perder o humor. Nome à frente da Companhia Brasileira de Teatro, no momento da entrevista, Marcio estava justamente aguardando o avião que o conduziria a Belo Horizonte, onde apresenta o espetáculo “Sem Palavras” nesta quinta e sexta-feira. Precisamente, no palco do Teatro Sesiminas.

Mas não só. No sábado e domingo, no mesmo local, será a vez do exercício cênico “Descartes com Lentes”. Criada pela Companhia Brasileira de Teatro em 2009, a montagem – um solo – parte de um conto do escritor Paulo Leminski (1944-1989) e imagina a vinda do filósofo francês René Descartes para o Brasil na caravana de Mauricio de Nassau. Escrito por Leminsky no final da década de 1960, o texto é considerado o embrião gerador de “Catatau”. Em cena, está a atriz Nadja Naira.

Cena do espetáculo "Sem Palavras", que chega agora a BH (Nana Moraes/Divulgação)
Cena do espetáculo "Sem Palavras", que chega agora a BH (Nana Moraes/Divulgação)

Cena do exercício cênico “Descartes com Lentes”, criado pela Companhia Brasileira de Teatro em 2009 (Elenize Dezgeniski/Divulgação)

Trilogia

“Sem Palavras” é o espetáculo-fecho de uma trilogia que inclui, ainda, “Projeto Brasil” e “Preto”. Embora percorram caminhos bem distintos, as três montagens têm denominadores comuns. Assim, compartilham, por exemplo, a disposição para se valer da interação entre linguagens. Tal qual, a abordagem de temas que se alinham a pensamentos decoloniais e, ainda, que a dramaturgia trabalhe pautas que afetam a sociedade contemporânea, notadamente, as ditas camadas invisibilizadas.

Renata Sorrah e Grace Passô, entre outros atores da montagem de “Preto” (Nana Moraes/Divulgação)

Não menos importante, são montagens nas quais a palavra e o corpo dos atores entram como elementos indissociáveis. Além da dramaturgia (junto com Nadja Naira), Marcio Abreu também assina a direção de “Sem Palavras”, que, vale dizer, tem música ao vivo, executada por Felipe Storino. No elenco, estão: Fábio Osório Monteiro, Giovana Soar, Kauê Persona, Kenia Dias, Key Sawao, Rafael Bacelar, Viní Ventanía Xtravaganza e Vitória Jovem Xtravaganza.

Fonte inspirativa

Se “Descartes com Lentes” foi beber no manancial de Leminsky, “Sem Palavras” é uma ficção livremente inspirada no livro “Um Apartamento Sobre Urano”, do filósofo espanhol transgênero Paul B. Preciado. Do mesmo modo, nos escritos da jornalista e ativista Eliane Brum. “Veja, essas leituras de autores como a Eliane Brum ou o Preciado, assim como a de tantos outros autores, fazem parte, na verdade, de um campo maior, de uma pesquisa contínua (da Companhia Brasileira de Teatro), que, inclusive, tem a ver com os trabalhos anteriores, da trilogia”, explica Marcio Abreu.

“Assim, ‘Sem Palavras’ é o terceiro ato deste movimento que, de certa maneira, forma uma trilogia. Claro, cada uma (montagem) com bastante autonomia (em relação à outra) e com suas características próprias. Quanto me refiro a pesquisa, falo de um processo que venho propondo ao longo do tempo, e que, de certa maneira, se reflete nessas criações. Processo que tem a ver com olhares múltiplos sobre o país, voltados a pensar nosso território não só historicamente, mas também no campo da arte, da cultura, do pensamento e da nossa própria formação como povo. E, ainda, da nossa linguagem. Não só nossa a língua – ou as nossas línguas -, mas como a gente se manifesta no mundo a partir da nossa história, da consciência dela, dessa vivência atravessada por múltiplas culturas”, situa Marcio.

Direito à palavra

Essa trilogia, completada por “Sem Palavras”, se alinha também com o modus operandi que caracteriza a Companhia Brasileira de Teatro há tempos em outros pontos. E, esteticamente, por exemplo, pela confluência e convivência de linguagens diversas em cena. “Assim, são trabalhos que abarcam performances, dança, música e outras sonoridades… E uma dimensão muito forte das corporeidades. De como esses corpos e modos de existência tão diversos coexistem, e, também, ativam as nossas memórias, as coletivas. (São montagens que) propõem visões do mundo, afirmações de identidade e existências plurais”, advoga.

E assim, prossegue Marcio Abreu, nada mais natural que buscar a leitura de autores como Eliane Brum e Preciado. “Ambos são referências indesviáveis. São autores dissidentes, com pensamentos decoloniais, assim como esse trabalho e, de modo geral, o meu trabalho, há muitos anos”, complementa Marcio Abreu. Ainda de acordo com ele, “Sem Palavras”, de maneira específica, investiga quem, na história do Brasil, na paisagem humana do país, teve o direito à palavra e, do mesmo modo, quem não teve. Ou seja, a quem foi negada a palavra, a fala. “Evidentemente, assim, a empreitada traz uma dimensão política, mas não nos assuntos, e, sim, na forma como a narrativa se articula”.

Trajetória

Por conta do advento da pandemia no Brasil e de seu recrudescimento rápido, o espetáculo “Sem Palavras” acabou estreando na França (quando a onda de contaminações já estavam mais controlada), precisamente, no Thèâtre Bernard-Marie Koltès, como parte da programação do Passages TransFestival, em Metz. Também se apresentou no Parvis Saint-Jean, pelo CDN Dijon Bourgogne, na cidade de Dijon. Na sequência, passou pelo Künstlerhaus Mousonturm, em Frankfurt.

Depois, já com a pandemia do novo coronavírus mais sob controle por aqui, “Sem Palavras” finalmente conseguiu aportar em solo brasileiro, iniciando sua trajetória durante o evento Ocupação Mirada, que aconteceu no Sesc Santos. Mas, ainda por conta da Covid-19, algumas apresentações virtuais se fizeram necessárias. Mais recentemente, conta Marcio Abreu, houve um hiato nas apresentações. “Ficamos alguns meses sem fazer a peça, voltamos em Porto Alegre, pelo Palco Giratório, e agora vamos fazer BH, cidade para a qual estávamos ansiosos em ir. Depois, a gente provavelmente volta para São Paulo. Estamos em negociação de datas. Também devemos voltar para o Rio de Janeiro, mas não sei se ainda esse ano ou 2024”.

Há, ainda, perspectivas para percorrerem algumas cidades das regiões Norte e Nordeste. “Mas não há datas firmadas, falo de projeções, perspectivas. E, ainda, eventuais viagens a outros países, talvez Portugal”, comenta o diretor e dramaturgo.

Elenco

Marcio Abreu conta que o elenco se manteve inalterado desde a estreia. Perguntado sobre como foi formado, especificamente para “Sem Palavras”, ele diz que muitos dos atores presentes já eram, de alguma forma, colaboradores da Companhia Brasileira de Teatro. “De alguma forma, já haviam passado por este processo dinâmico que caracteriza a companhia”. “Já no caso de outros, eu já era admirador do trabalho deles, então, já havia a vontade de trabalhar junto. A gente já ‘se assistia'”.

Aliás, situa Marcio, na companhia, tem sido sempre assim. “Não sou de trabalhar com testes, (a escolha de elenco) acontece mais guiada por intuição e pela afinidade que vibra. É muito orgânico, até difícil explicar. Orgânico e intuitivo. E isso, na verdade, tem a ver com o meu movimento no mundo, os meus encontros, o desejo por novas conexões. E, claro, o desejo de possibilitar encontros entre os próprios artistas”.

Ao fim, comenta ele, o elenco escalado para “Sem Palavras” replica, no palco, a diversidade que caracteriza o país. “Assim, tem gente da dança, as pessoas mais ligadas ao teatro, atores de gerações diferentes, vindos de várias regiões do país…”, enumera.

Outros projetos

Mesmo envolvido na circulação de “Sem Palavras”, Marcio Abreu já está enfronhado em um novo projeto, que ele próprio confirma ser de longo prazo, e que terá um primeiro movimento já no próximo dia 8, quando começam os ensaios, visando o final do mês de setembro. “Chamo de ‘Voo Livre’, e ele também vai ter outros momentos, outros movimentos. O segundo, ainda sem título, em São Paulo. Já o terceiro será um longa-metragem, mas, neste caso, já para 2024/25”.

Este projeto em particular, Marcio Abreu explica à reportagem do Culturadoria que tem a ver com a sua relação de parceria de longa data com a atriz Renata Sorrah. “E também tem a ver com (o dramaturgo Anton) Tchecov. Neste ‘Voo Livre’, serão quatro semanas, cada uma contando, ainda, com um artista diferente, e estruturas dramatúrgicas distintas, mesmo que tendo um núcleo fixo, formado pela Renata Sorrah, Danilo Grangheia e Cassia Damasceno. Evidentemente, todo este movimento será registrado para geração de acervo memorialístico, dada a unicidade de cada apresentação. “Acho importante, num país no qual a memória é fraca e a cultura, assolada por muitas tentativas de apagamento”, explana.

Minas no coração

Marcio Abreu conta que tem uma relação de amor “quase carnal” com Belo Horizonte e, em um espectro mais amplo, Minas Gerais. “Amo Minas, e de muitas maneiras. Tenho muitos amigos aí, amizades antigas. Com os integrantes do Galpão, por exemplo. Aliás, são referência pra mim desde a minha adolescência, e, para minha felicidade, tive a oportunidade de fazer três trabalhos em conjunto, incluindo o curta-metragem ‘Febre’ (além dele, “Outros” e “Nós”). Tem também a Grace Passô, amiga muito antiga, de muitos anos. Trabalhamos juntos, fizemos peça (“Negro”) juntos. E outros tantos, que não necessariamente são ligados ao teatro”.

Marcio Abreu, que confessa ser fã de Minas Gerais (foto Marcos Leoni/Divulgação)

Abreu prossegue: “E, claro, o Rafael Bacelar, da Toda Deseo, companhia da qual fui me aproximando. Ele não é de BH, mas morou aí. E, ainda, o Marcelo Alvarenga, grande artista, designer, arquiteto que fez o cenário de ‘Sem Palavras’. O Luiz Cláudio Silva, do Apartamento 03, que assina o figurino, a Leda Martins, amiga dileta, que sempre colabora comigo, a Aline Vila Real, a Tatiana Carvalho, o Luiz Felipe Fernandes… Mas se for citar todos, vou ficar horas enumerando as pessoas que admiro como artistas e fazedores. O que posso dizer é que, de certa maneira, quando vou para BH estou indo para a minha casa. Me sinto acolhido”, garante.

Acolhida

Aliás, Marcio Abreu ressalta que vem a BH desde as suas primeiras peças, ainda no início dos anos 2000. “Portanto, são mais de 20 anos. Gosto de ver coisas, participar. E a força da arte mineira… Digo isso não só no teatro, e não só em BH, mas de Minas. Assim, sou suspeito, porque realmente sou muito fã, mas, mais que isso, me sinto parte. E sou muito agradecido pela vida me levar para Minas sempre”.

Reconhecimentos

Antes de se despedir, Marcio Abreu cita alguns de seus parceiros profissionais envolvidos em “Sem Palavras”, caso da atriz e diretora Kenia Dias (“que morou muitos anos aí, e também está em cena”). A Nadja Naira, com quem tenho uma parceria de longa data na companhia, sendo minha interlocutora na dramaturgia. O Zé (José) Maria, que é um desses produtores que estão dentro do processo artístico, uma pessoa de uma sensibilidade aguda; a Cassia Damasceno, que, desta vez, não está em cena, mas acompanhou todo o processo de criação, esteve sempre junto nesta experiência profunda, e também como produtora”.

Ele prossegue citando Felipe Storino, que assina direção musical e trilha sonora original em “Sem Palavras” (“meu parceiro desde 2011”), assim como o ator, dançarino e produtor Fábio Osório Monteiro, “um grande artista do teatro e dança, de Salvador”. “Já havíamos feito um trabalho junto, fora do contexto da Companhia Brasileira de Teatro. E tem, ainda, a (atriz, dançarina, preparadora) Key Sawao, que é extraordinária. Do mesmo modo, o Kauê Persona, ator de Curitiba, com quem já fiz “Por que Não Vivemos?”, espetáculo que a gente apresentou aí, em BH (no CCBB BH), e a Giovana Soar, maravilhosa. (Tal qual) as irmãs Brasil (Viní Ventania e Vitória Jovem, artistas nascidas em uma família de peões de rodeio na cidade de Amparo, no interior de São Paulo), maravilhosas. Aliás, é a primeira vez que a gente trabalha junto”, festeja.

Serviço

Companhia Brasileira de Teatro

“Sem Palavras”

Onde. Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia)
Quando. Quinta e sexta, dias 3 e 4 de agosto, às 20h
Quanto. Setor 1 e 2: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia). Setor 3: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia), à venda pelo Sympla ou na bilheteria do teatro.
Classificação indicativa: 18 anos.
Duração: 110 minutos
Não será permitida a entrada após o início do espetáculo.

“Descartes com Lentes”

Onde. Teatro de Bolso Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia)

Quando. Sábado e domingo, dias 5 e 6 de agosto. Sábado, às 20h; domingo, às 19h.

Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda pelo Sympla ou na bilheteria do teatro.

Classificação indicativa: 18 anos.

Duração: 80 minutos – exibição + bate-papo

Não será permitida a entrada após o início do espetáculo.

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