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“Saia da frente do meu sol”, de Felipe Charbel, e a imensidão de uma “vida minúscula”

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“Saia da frente do meu sol” também é tema do segundo episódio do podcast “Conversas contemporâneas”, apresentado por equipe do Culturadoria

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

Felipe encontra uma caixa de sapatos no armário de tinha sido de sua avó. Dentro dela, entre outros itens familiares, estavam uma série de fotografias e documentos do seu falecido tio-avô, Ricardo, um homem com quem trocou poucas palavras mas que lhe deixou marcas ao morar na casa de sua mãe por cinco anos: “tempo suficiente para que gostássemos um do outro”. A partir dos poucos registros que sobreviveram ao tempo e das memórias familiares, o sobrinho-neto tenta reconstruir a figura do tio-avô. Quem foi aquele homem que, ao longo da vida, sempre morou de favor na casa de familiares – da irmã, da sobrinha – fazendo do diminuto espaço do quartinho da área de serviço seu universo particular. “Saia da frente do meu sol” é o novo livro de Felipe Charbel, lançado pela Autêntica Contemporânea.

Felipe Charbel (Créditos Ieda Magri)
Felipe Charbel (Créditos Ieda Magri)

“Pessoa complicada”, “solteirão convicto”, “esquisitão”

Esses são alguns dos adjetivos que, ao longo de décadas, circularam entre a família de Charbel para dizer de Ricardo. Uma voz indistinta, composta pelos muitos murmúrios, sussurros de um coletivo familiar, reservavam-no à essas categorias. Da parte dele, o silêncio e a reclusão contribuíam para que tais adjetivos, pouco a pouco, se tornassem aquilo que o definia. O tio estranho, de poucas palavras e, talvez, sem muita presença no bom funcionamento do núcleo familiar. 

Felipe Charbel encara um desafio e tanto. Como dar conta de uma vida que tão pouco sei? Como ultrapassar os muitos estereótipos que pouco a pouco se sedimentaram sobre a figura de um parente? O que se escondia sobre reclusão, o silêncio, o quartinho de empregada nos fundos da casa? É nesse ponto que a ficção, a fabulação, encontra espaço, nas muitas lacunas que marcaram uma vida silenciosa.

Felipe Charbel constrói aqui uma “biografia especulativa”, imaginando cenários, situações, até mesmo diálogos, a partir do conjunto de fotografias encontradas numa caixa de sapato. Se nas memórias tio Ricardo era um homem calado e recluso, nas fotografias encontramos um homem ora sorridente, ora sedutor, cercado por amigos em situações de lazer, na areia da praia, na mesa de um bar. O que se esconde no espaço e no tempo que separam o Ricardo das fotografias e o tio doente morando na casa da sobrinha?

Um Romance fotográfico

“Saia da frente do meu sol” é também uma espécie de romance fotográfico. Mais do que um mero suporte explicado por notas de rodapé, as fotografias integram todo o livro, são parte essencial de sua constituição enquanto narrativa, num interessante encadeamento de texto e imagem. Aqui, a imagem é um texto literário repleto de camadas a serem desvendadas não só por Charbel, mas pelo leitor que as tem em mãos nas páginas no volume.

Há um capítulo singular no volume. Nele, Charbel nos fala sobre a leitura de um livro de Pierre Michon, “Vidas minúsculas”, e uma frase que ecoou em sua mente terminada a leitura: “Falando dele é de mim que falo”. Essa sentença parece conter um universo de narrativas que buscam reconstituir histórias alheias. Ao dizer de Ricardo, Felipe nos diz de si mesmo, na exposição de uma intimidade que parece contaminar e espelhar autor e personagem, sobrinho e tio. No árduo desafio de dar forma a uma vida que parece tê-la perdido com o peso dos anos, o tio Ricardo vive como nunca no delicado livro de seu sobrinho-neto.

Saia da frente do meu sol (Autentica Contemporanea)
Saia da frente do meu sol (Autentica Contemporanea)

Podcast “Conversas contemporâneas”

No segundo episódio do podcast “Conversas Contemporâneas”, conversamos sobre “Saia da frente do meu sol”, explorando temas que vão além das páginas do livro. O podcast é apresentado pela jornalista e criadora do Culturadoria, Carol Braga, e por mim, Gabriel Pinheiro. Neste segundo episódio, participam o autor Felipe Charbel, a professora Sabrina Sedlmayer e o professor e escritor Renan Quinalha.

Você pode escutar o podcast nas melhores plataformas. Confira aqui:

Encontre “Saia da frente do meu sol” aqui

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

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