O escritor e crítico de arte britânico John Berger pergunta em um clássico ensaio publicado em 1977: “Por que olhar para os animais?”
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
O escritor e crítico de arte britânico John Berger (1926 – 2017) pergunta em um clássico ensaio publicado em 1977: “Por que olhar para os animais?”. Esta indagação também dá nome ao livro recém publicado pela Fósforo Editora. Ele compila alguns textos bem especiais do autor, escritos entre 1971 e 2009. Neles, Berger passeia por diferentes gêneros literários. Dessa maneira, nos diz sobre o olhar, sobre observarmos e sermos observados pela natureza que nos circunda. A obra chega com tradução de Pedro Paulo Pimenta.
No texto que dá título ao volume, John Berger fala sobre a drástica mudança da relação entre o homem e a natureza, entre a humanidade e os animais, a partir do século XIX. Mudança esta acelerada pelo capitalismo industrial. Ele escreve sobre uma ruptura que afetou a maneira como olhamos e somos olhados pelos animais. “Aquele olhar entre o animal e o homem, que possivelmente teve um papel crucial no desenvolvimento da sociedade humana, e com o qual, em todo caso, todo ser humano convivia até um século atrás, extinguiu-se.”
A reflexão sobre o olhar em diferentes gêneros literários
Noutro ensaio, em um zoológico, grandes primatas encenam uma performance, estão no palco de um anfiteatro. Os gorilas, por exemplo, encenam uma peça sobre o cárcere. Os chimpanzés, um cabaré. Já os orangotangos apresentam um Werther (personagem clássico de Goethe) sem palavras. A proximidade evolutiva entre aqueles no palco e os humanos da plateia é desconcertante. Não estariam aqueles que assistem também encenando performances?
“Estamos num estranho teatro no qual, em ambos os lados do vidro, os atores julgam que são a plateia. De ambos os lados o drama tem início a partir da semelhança e da inquietante relação entre semelhança e proximidade”.
John Berger
John Berger passeia, ainda, por gêneros literários como a poesia e a fábula. Por exemplo, em “Uma história de ratos”, um homem captura roedores que diariamente furam seu pão. Ao libertá-los no exterior da casa, observa os diferentes comportamentos destes seres frente à liberdade recém adquirida. Já no poema “São as últimas”, observa formas de vida a caminho do desaparecimento, quando “a cada ano partem mais animais.”
“Agora que se foram
John Berger
Falta-nos sua resistência
Diferentes da árvore,
do rio ou da nuvem
os animais tinham olhos,
e havia em seu olhar
permanência.”
Sensível ensaio encerra o volume
No texto que encerra o volume, John Berger escreve um sensível ensaio sobre a amizade e sobre a inevitabilidade da morte. Em resumo, reflete sobre o fim da vida de um amigo de longa data, o filósofo Ernst Fisher. Assim, se, em um primeiro momento, o texto parece destoar do restante do volume, é só uma impressão. Nele, Berger não fala sobre a natureza e os animais, mas diz sobre a natureza humana, numa emocionante crônica dos últimos momentos da vida do amigo.
“Com seu olho esquerdo, o cético, ele me olhava fixamente. Um olhar cético, interrogativo, firme. Então seu olhar não viu mais nada. Não estava mais lá a luz que lhe descolorira os olhos. Ele respirava pesadamente.”
John Berger
Encontre “Por que olhar para os animais?” aqui

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural, sempre gasta metade do seu horário de almoço lendo um livro. Seu Instagram é @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel/)