Literatura

Pequenas resistências: a maternidade pelo olhar de Rivka Galchen

O primeiro livro da canadense-americana é lançado no Brasil, pela DBA Editora, com tradução de Taís Cardoso

“No final de agosto nasceu uma bebê, ou, como me pareceu, uma puma se mudou para o meu apartamento, uma força quase muda”. Em Pequenas resistências, Rivka Galchen reflete sobre as dores e as delícias da maternidade, mais especificamente sobre o ser mãe em paralelo ao trabalho de escritora. O livro é composto por breves pílulas, ensaios que tratam de uma vida profundamente alterada com a chegada da filha recém nascida. Este é o primeiro livro da canadense-americana lançado no Brasil, pela DBA Editora, com tradução de Taís Cardoso.

Rivka trata com muita sagacidade e bom humor a relação com sua bebê. Os ensaios aqui são como pequenas crônicas, que observam seu cotidiano, o íntimo. Mas, também, como a relação com o mundo exterior se transformou com a chegada da criança. Ela diz da falta de contato com outros adultos, quando seus dias ficam restritos ao universo particular – o que a faz sentir até o sumiço da vizinha desagradável, que ainda encontrava em suas breves viagens de elevador.

Transformações

Ao longo do livro a puma sofre algumas metamorfoses. Em um texto se transforma em bicho-preguiça. Mais pro final vira uma franguinha – quando começa a se locomover. Em outro momento, a mãe-escritora pergunta: “Se os bebês fossem uma droga, qual seriam?”. Ela decide que um opiáceo, que a envolve em um “profundo senso de bem-estar”. Rivka diz nunca ter se interessado por bebês, até ter a sua própria.

Sobre o ato de escrever, a maternidade traz um paradoxo na vida da autora: se a chegada da puma a faz voltar a ser algo mais parecido com uma escritora – ao passar a ver o mundo como um lugar cheio de significados, encontrando um novo encanto pelos objetos mais banais -, ao mesmo tempo a transforma em alguém que continuamente não escreve. Como encontrar tempo para a escrita?

Galchen direciona o olhar para grandes autoras da história, se tiveram ou não filhos e como foram suas produções literárias. Ela destaca algumas escritoras que foram mães e publicaram seus primeiros livros apenas em idades mais avançadas. Diferente dos autores homens – o que não surpreende. Grandes escritores tiveram um, dois ou vários filhos, não impedindo o início e o desenvolvimento mais jovem de suas carreiras.

Pequenas fugas

Um destaque de Pequenas resistências também é o entusiasmo de Rivka pela cultura japonesa – da literatura, lendas e histórias nipônicas. Várias referências, de autoras e obras preferidas – especialmente O livro do travesseiro, de Sei Shônagon, e O conto de Genji, de Murasaki Shikibu -, vão surgindo ao longo de seus ensaios, onde ela, por vezes, as analisa à luz do dia-a-dia com a bebê e, em outros momentos, não. É marcante quando a autora foge do tema “maternidade”, pontuando e trazendo seus interesses para além da temática.

Pequenas resistências não procura respostas e não propõe métodos ou modelos de maternidade. Encontramos aqui uma autora que, imersa nesta experiência, busca caminhos para a escrita e formas de reencontrar o espaço para a carreira, num texto afiado e bem humorado, mesmo quando avança em reflexões mais profundas. Ao tratar de sua experiência íntima, Rivka Galchen deve encontrar ressonância nas vivências de diferentes leitoras e escritoras também mães, numa visão não-romantizada da maternidade, ainda que o novo universo trazido por essa puma-bebê-selvagem tenha seus (muitos) encantos.

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Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural, sempre gasta metade do seu horário de almoço lendo um livro. Seu Instagram é @tgpgabriel

Capa de Pequenas Resistencias Foto DBA Editora
Capa de Pequenas Resistencias Foto DBA Editora
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Publicado por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura | @tgpgabriel

Publicado em 29/07/21

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