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“Peitos e ovos” observa a condição feminina no Japão hoje

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Primeiro livro da japonesa Mieko Kawakami publicado no Brasil, “Peitos e ovos” é marcado por tom reflexivo 

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

Há dez anos, Natsume se mudou para Tóquio com o objetivo de se tornar escritora. Uma década depois, o primeiro livro ainda não veio. Num dia de calor acachapante, ela recebe, em Tóquio, a irmã e a sobrinha, Makiko e Midoriko. As duas estão partindo de Osaka, para passar alguns dias na capital japonesa. Enquanto a mãe é verborrágica, a filha adolescente não pronuncia nenhuma palavra. Ela instala uma espécie de greve: há um bom tempo não troca uma única frase com a mãe. Se não as traduz em voz, as palavras ganham corpo em texto, num diário que pouco a pouco é compartilhado conosco, intercalando com a narração de Natsume. Enquanto Natsu e nós, leitores, buscamos entender as origens desta incomunicabilidade, Nakiko anuncia o interesse em realizar uma cirurgia para o implante de próteses mamárias.

Fotografia digital. A autora tem traços asiáticos, usa cabelo preto curto de franja e posa séria com o queixo sobre a mão. Não há nada ao fundo.
Mieko Kawakami, autora de "Peitos e ovos". Foto: Osamu Yokonami

Oito anos depois, Natsume é uma escritora estabelecida – ainda que na fragilidade que a vida dedicada à escrita costuma se sustentar. Um sucesso inesperado a colocou sob certo holofote e, agora, a mulher vive um bloqueio criativo enquanto tenta dar corpo a um novo livro. Enquanto lida com as agruras da vida de escritora, uma semente começa a germinar dentro de seu íntimo: o desejo de ser mãe solo. Há um porém: o sexo é, desde a primeira experiência, numa relação dedicada e amorosa, um trauma que seu corpo parece não suportar e o processo de inseminação artificial legalizado no Japão exclui a possibilidade de participação de mulheres solteiras. “Peitos e ovos” é o primeiro romance de Mieko Kawakami publicado no Brasil, com tradução de Eunice Suenaga, pela Intrínseca.

Dois livros em um

“Peitos e ovos” carrega dois livros em um. Suas duas partes parecem muito bem delimitadas, funcionando tanto como complemento uma da outra, quanto de maneira isolada. Se, na primeira parte, acompanhamos uma trama que caminha para um ápice intenso, onde Natsu age mais como observadora do relacionamento entre mãe e sobrinha; na segunda, ela nos conduz para dentro de sua própria história, seus conflitos internos, anseios e medos, num ritmo mais digressivo e reflexivo.

Uma das maiores forças do livro está em seus diálogos. Em bares, casas de chá, salas de estar e saguões, Natsume diz e escuta muitos interlocutores. Mieko tem aquele talento na construção de diálogos longos, mas que não nos perdem por seu tamanho. Nos mantém atentos, capturados pelas trocas que os personagens realizam. Por vezes, me peguei pensando em algum filme do sul-coreano Hong Sang-soo – ainda que Mieko não traga o humor característico do cineasta – onde conversas, mesmo quando aparentemente despretensiosas, podem ser carregadas de sentidos.

A capa d livro tem pinturas grosseiras de uma mulher nua sentada em um grande ovo de galinha
Capa de Peitos e ovos. Editora Instrínseca

Ser mulher

Mieko Kawakami desenvolve uma reflexão pungente sobre a condição feminina no Japão contemporâneo. Sexualidade e maternidade, amor e desejo, tradição e emancipação, envelhecimento e padrões estéticos. São muitas as questões que o romance parece apontar e que cabem dentro dessas duas palavras – peitos e ovos – tão carregadas de significados sobre o ser mulher e seu corpo, um espaço tão íntimo, apesar de histórica e sucessivamente violentado.

Encontre “Peitos e ovos” aqui.

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel.

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