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Agenda Cultural

Peça teatral “Velocidade” discute o frenesi dos tempos atuais

Informações do Evento
Quando: 2 de janeiro de 2025 a 3 de fevereiro de 2025
Horário: 19:00
Onde: CCBB - Praça da Liberdade - Funcionários, Belo Horizonte - MG, Brasil
Ingresso: Pago
Valor: R$30 e R$15

Quatroloscinco: "Velocidade" está no Teatro II do CCBB BH até 3 de fevereiro (Igor Cerqueira/Divulgação)

O Quatroloscinco Teatro do Comum faz, de “Velocidade”, um manifesto contra a pressão de estar o tempo todo em estado produtivo, “entregando”

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Respondendo pela primeira estreia teatral de 2025 na capital mineira – precisamente, no dia 2 de janeiro, no Teatro II do CCBB BH -, “Velocidade”, novo espetáculo do grupo Quatroloscinco Teatro do Comum, vem lotando as sessões. Mais que isso, colhendo elogios ao propor uma encenação que “convida o espectador a saltar entre diferentes paisagens e climas”. Para saber mais das ideias que, amalgamadas, compuseram “Velocidade”, conversamos como um dos diretores da montagem, o também ator Ítalo Laureano (o outro diretor é o cineasta Ricardo Alves Júnior), bem como com um dos dramaturgos, Marcos Coletta (que, neste caso, trabalhou junto a Assis Benevenuto).

Lembrando que “Velocidade” cumpre temporada até o dia 3 de fevereiro, com sessões de sexta a segunda-feira, sempre às 19h. Nos dias 11, 18 e 25 de janeiro, sábados, as apresentações contam com intérprete de Libras. Já no dia 1º de fevereiro, com audiodescrição. Dentre as ações gratuitas no CCBB BH, o grupo oferece, no dia 18 de janeiro, um bate-papo após o espetáculo. Do mesmo modo, uma oficina intitulada “A palavra em cena: habitar o texto”, que ocorre nos dias 22 e 23 de janeiro, quarta e quinta, das 18 às 22h, no Teatro II.

“Peça-sonho”

Ao Culturadoria, ao ser incitado a falar sobre as reflexões que “Velocidade” coloca para o espectador, Ítalo Laureano primeiramente ressalta que uma das diretrizes que sempre é cara ao Quatroloscinco Teatro do Comum é a de jamais subestimar o espectador. “Sempre olhamos para as nossas obras assim. Ou seja, pensamos o espectador como um indivíduo que pode completar a obra com a sua subjetividade. Que pode atravessar a obra – e não somente ser atravessado por ela”.

Desta forma, ele lembra a diretriz adotada por “Velocidade”, a de não sublinhar o texto dramatúrgico. “Assim, era necessário criar imagens que fortalecessem o texto, abrindo janelas na cabeça do espectador para essa peça-livro, que também é uma peça-sonho”. E pelo retorno que o grupo está recebendo do público, ele acredita que sim, o objetivo vem sendo alcançado. “Ou seja, propor a discussão do tema ‘tempo’ sem ser piegas ou simplista. E um caminho para não cair nesses lugares é criar uma obra que mais pergunta do que responde questões. Isso ajuda neste desafio”, entende Ítalo.

Ítalo, qual foi o principal desafio com o qual lidou no curso da tarefa de dirigir “Velocidade”? Como conseguiu contorná-lo?

Na verdade, foram vários, os desafios. Mas o maior deles foi criar uma atmosfera onírica para o espectador, uma obra que misturasse as linguagens do teatro e do cinema, porém sem o uso da câmera e do telão na encenação. Isso interferiu diretamente no “tom” usado pelos atores na atuação. Neste caso chegamos à conclusão de que o uso dos microfones ajudaria nessa construção, para evocar uma “presença” teatral e cinematográfica. Mas não bastaria.

Então, o diálogo com os artistas que compõem a criação foi fundamental, bem como Barulhista na trilha, com a criação de uma paisagem sonora que atravessa a obra por completo. Da mesma forma, a direção de arte do Luiz Dias, com objetos pontuais em cena, deixando, ao espectador, a responsabilidade de construir imageticamente as cenas… E claro, o diálogo muito próximo com Marina Arthuzzi, criando uma iluminação que trouxesse a ideia de montagem e corte, tão importantes no cinema, para dar ritmo à fruição do espectador. Enfim, a organização de todos esses elementos no “tom” exato para que, assim, construíssemos a nossa “máquina de desacelerar o tempo”.

Marcos, no material enviado à imprensa, consta que o ponto de partida de “Velocidade” foi uma reflexão com a qual você se deparou ao ler o texto “Notas sobre os doentes de velocidade”, da escritora mexicana Vivian Abenshushan, há cerca de dois anos. Ali, naquele momento, o que te cooptou (nas palavras dela)?

O texto da Vivian é muito potente, muito sagaz, esperto, sensível. E possui um tom propositivo curioso, pois nos convoca ao não-fazer, à lentidão, ao ócio. Sua maneira de descrever a nossa relação com a velocidade vai além do tom explicativo. Ela cria paisagens e imagens poéticas a todo momento e brinca com o ritmo da narrativa, o que faz o leitor experimentar o tempo de diferentes maneiras na experiência da leitura.

Durante a pandemia, estávamos vivendo um anti-tempo, um tempo suspenso, sem qualquer garantia de futuro e sem a certeza do presente. Assim, as palavras de Vivian tinham tudo a ver com aquele momento. E sua proposição de que a arte é uma máquina de desacelerar o tempo é uma metáfora muito poderosa que vai ao encontro de como eu penso e trabalho a dramaturgia. Ou seja, como subverter, pelo menos por um pequeno instante, os padrões de ver e sentir o mundo?

E como esse, digamos, “comichão”, que sentiu, foi se transmutando na dramaturgia de “Velocidade”?

Coletta. Primeiramente, compartilhei com todo o grupo. Depois, fizemos rodas de conversa para trocar impressões sobre o texto. Daí surgiram esboços dramatúrgicos a partir dessas condições. Mas, veja, isso sempre de uma forma muito livre. Dialogando com o texto da Vivian, mas também indo para outros lugares e abrindo a discussão para outros temas.

Aos poucos fomos encontrando o nosso ponto de vista sobre os temas que surgiam e se mostravam mais relevantes pra nós. Assim, eu e Assis Benevenuto passamos a escrever (o embrião de “Velocidade”) a quatro mãos, em um arquivo compartilhado, o que tornou o processo criativo bastante dinâmico. O texto mudava a todo momento.

Queria que falasse também sobre esse conceito de “livro-sonho-poema”. Sobre o fato de ser uma peça mais onírica, poética. Ou seja, quem for assistir não vai se deparar com uma história linear… Pode traduzir um pouco mais, em palavras, o formato adotado?

Coletta. Veja, um livro de poemas não tem ordem certa de leitura. Assim como o sonho não respeita uma cronologia linear nem a verossimilhança. Ler um poema é como sonhar acordado. Sonhar é como compor um poema dormindo. Essa ideia povoou todo o processo criativo de “Velocidade”. Desse modo, a peça é um apanhado de imagens, situações, sensações, que conduz o público por um caminho coeso sem precisar contar uma história linear, com personagens fixos e bem identificados.

Ou seja, em “Velocidade”, convidamos o espectador a saltar entre diferentes paisagens e climas. Um livro de poesia é assim. A cada novo poema, um novo universo de abre. Juntos, compõem uma única obra, mas cada poema possui vida própria e independência.

Poderia falar sobre a ideia de, em cena, os atores contracenarem com bonecos que os representam?

Na peça, o grupo utiliza, em alguns momentos, bonecos com cerca de 50 cm cada, confeccionados em madeira, por Agnaldo Pinho (Igor Cerqueira/Divulgação)

Coletta. Os bonecos (de Agnaldo Pinho) surgiram para ampliar nossas presenças. Assim, em “Velocidade”, cada ator tem um duplo de si mesmo. Eles são nosso alter ego, nossa imagem reproduzida em um objeto inanimado que ganha vida ao ser posto em cena. E, assim, dão uma outra camada para os corpos dos atores. A magia de duplicar nossos corpos e nos relacionar com eles só pode acontecer no sonho ou na arte.

Qual a importância de provocar as pessoas, por meio da arte, quanto à necessidade de desacelerar, em um mundo frenético, que quer nos levar justamente para o sentido contrário? Na sua opinião, se não aprendermos a desacelerar, como será o amanhã?

Coletta. Acho impossível desacelerar o mundo. Mesmo na pandemia o mundo continuou no ritmo frenético da internet e das redes sociais. O que eu acredito que podemos fazer, de algum modo, é desacelerar nosso ritmo interno, nosso tempo pessoal, para que possamos lidar com esse mundo apressado de uma forma mais lúcida, mais consciente e menos degradante.

Quando vamos ao teatro, por exemplo, criamos um mundo próprio, um tempo próprio, compartilhado entre os artistas e os espectadores. Uma heterotopia, na qual nos encontramos em nossas incontáveis diferenças para viver uma experiência comum. Isso me parece uma maneira de desacelerar. Quando conseguimos sair do frenesi das redes sociais para ler um livro de papel, ou quando entramos numa sala de cinema, num museu… Quando escutamos um álbum inteiro de um artista, sem a ansiedade e a impaciência do mundo virtual, tudo isso me parece uma forma de desacelerar, de “perder tempo”.

“Velocidade” traz essa provocação: perca seu tempo. É um manifesto contra a pressão de estar o tempo todo em estado produtivo, trabalhando, “entregando”. Porque, na verdade, isso tudo é uma fantasia, um engodo. Desacelerar é resistir à essa positividade tóxica, à coacherização do conhecimento, à autoexploração disfarçada de responsabilidade. Ao excesso de informação quase sempre inútil. À essa anomalia chamada “empreendedor de si mesmo” que nos adoece e nos limita a relações e experiências puramente utilitárias e imediatistas.

Por último, queria perscrutar um pouco mais sobre quatro referências que também teriam inspirado a dramaturgia, e que estão listadas no release. A começar de “Oráculo da Noite”, de Sidarta Ribeiro

Coletta. Ao pesquisar sobre o sonho, chegamos ao livro do Sidarta, que nos fez refletir sobre com os sonhos são poderosos e reveladores. Perdemos nossa conexão com os sonhos, paramos de dar valor a eles. Na verdade, sentimos até culpa por achar que dormir e sonhar é algo importante. Mas no sonho também se vive, se constrói, se aprende, se aprofunda. E, principalmente, nele se fabricam e se fixam as memórias – e isso é a base da nossa cultura e da nossa civilização.

Tal qual, a música e clipes da norte-americana Laurie Anderson…

Coletta. Laurie é uma artista incrível. Suas músicas e clipes mesclam diversas linguagens e constroem uma poesia multimídia, sensorial, sinestésica, onírica. Tudo isso feito de maneira analógica, antes das tecnologiais atuais, das IA’s, dos filtros. Laurie Anderson une teatralidade, poesia e musicalidade de uma forma muito interessante e original, que nos orientou bastante no conceito estético de “Velocidade”.

Textos de Paul B. Preciado

Coletta. A crítica ao binarismo, a ironia e a desobediência de Preciado é muito instigante. Preciado habita uma zona de transição entre diversos mundos e saberes e com isso nos convida a fazer poesia com o conhecimento. Suas discussões sociais e filósoficas são desenvolvidas por uma escrita performática, muito diferente das sisudas e aborrecidas discussões teóricas e acadêmicas mais comuns.

Por último, o filme “Poesia Sem Fim”, do diretor (e ator, poeta, escritor e psicólogo) Alejandro Jodorowsky

Coletta. Assim como em Laurie Anderson, este filme representou, para nós, a materialização poética do sonho em forma de obra de arte. O cinema de Jodorowsky tem essa característica. É como se o diretor nos colocasse para sonhar com ele. Seu universo aparentemente absurdo é repleto de lógica, sentido, metáforas e imagens muito poderosas. É uma linguagem muito particular e ao mesmo tempo universal, de fácil reconhecimento. Isso nos ajudou a encontrar a poética onírica e não dramática de “Velocidade”.

Serviço

“Velocidade” – Grupo Quatroloscinco Teatro do Comum

Onde. Teatro II do CCBB BH (Praça da Liberdade, 450)
Quando. Até 3/2, de sexta a segunda, sempre às 19h.
Quanto. Os ingressos custam R$ 30 (inteira) e R$15 (meia-entrada), com desconto de 50% para clientes Ourocard. À venda na bilheteria física do CCBB BH e pelo site.

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