Os atores Lázaro Ramos e Taís Araújo jogam por terra aquela ideia de que escolher um texto para levar ao teatro está sempre ligado a uma boa experiência. O caso deles com O Topo da Montanha, em cartaz no Palácio das Artes até 16 de outubro, não foi bem assim.
“Não foi uma peça que amei”, confessa Taís. Ela leu primeiro em inglês e por achar o texto com um viés muito norte-americano, foi a primeira a vetar. Lázaro concordou com ela. Tudo mudou quando a atriz leu a tradução de um brasileiro, apaixonado por Martin Luther King.
“Porque eu lia e chorara, lia e ria. Eu pensei: esse espetáculo é fundamental, é necessário, eu preciso fazer isso. E, bem, aí, fiquei pilhando o Lázaro que também já tinha desistido”. A adesão do marido foi total: além de atuar também vive o protagonista.
O ator reconhece que cometeu o deslize de tentar imitar Martin Luther King nos primeiros ensaios. Ainda bem que mudou de rota. Percebeu que, mais que o legado do ídolo, as palavras dele interessavam mais ao espetáculo.
“O Martin Luther King que eu vivo no palco é uma busca de potencializar suas palavras. Sem imitações. O protagonista é o discurso sobre afeto e coragem o qual Luther King fez parte ativamente”, conta o ator.
Gentilmente Taís Araújo e Lázaro Ramos responderam, por e-mail, as perguntas do Culturadoria. Confira!
A trama de O Topo da Montanha se concentra no período entre 1883 e 1959. Quais os elementos da dramaturgia ressaltam ainda mais o caráter humano deste homem de tantos ideais?
Lázaro – O espetáculo tem a grande qualidade de conseguir ultrapassar o período em que ele viveu. O humor é a primeira arma. Mas ao mesmo tempo há uma teatralidade e uma magia quase se aproximando da ludicidade, o que faz com que O Topo da Montanha seja o mais puro encantamento. É o teatro no mais puro dos sentidos. E rever essa noite que ninguém sabe o que realmente aconteceu e imaginar o que esse homem viveu em suas últimas cinco horas de vida. É um exercício criativo e uma maneira de vê-lo como homem, com seus defeitos, na sua relação com as mulheres, no jeito que se veste, se comporta. É uma força descomunal aquela que a imaginação oferece.
Lázaro, além de atuar você também dirige a montagem. Como o encenador desafiou o ator e como o ator desafiou o diretor no processo de criação desta peça?
Lázaro – Foi Um grande desafio dirigir, atuar e produzir. O que torna mais tranquilo são os parceiros que temos, que são grandes produtores, a equipe de criação é muito parceira e fez com que o espetáculo tivesse a qualidade que ele merece ter. Eu não esperava dirigi-lo, mas Taís me convenceu quando percebeu que já sabíamos o que queríamos transmitir (risos). Foi um aprendizado gratificante e posso garantir que a experiência de produção, daqui para a frente, deve se repetir muito.
Que aspectos da vida e da ideologia defendida por Martin Luther King vocês acreditam ser ainda mais relevantes quando postos em confronto com os acontecimentos da contemporaneidade?
Lázaro – Acreditar que o diálogo, o afeto, e palavras de afeto, podem transformar uma situação. Em um período de grande polaridade como este que vivemos parece que o diálogo não é possível. O que Luther King pregava é exatamente isso. Claro que um grande poder de persuasão e habilidade e política. Mas no fundo tudo passava pela fé, pelo afeto e pela coragem, elemento que às vezes parecem inatingíveis, mas que são possíveis. É disso que fala o espetáculo e este é seu maior trunfo.
Luther King defendia a luta pacífica, o amor ao próximo como forma de construir um mundo melhor. Que reflexões (ou confrontos ideológicos) o legado dele desperta em vocês hoje?
Taís – É engraçado que quando a gente começou a estudar o Luther King eu conhecia muito mais o Malcolm X que o Luther King. Eu era mais próxima do discurso do Malcolm X. E eu tinha um grande problema com o discurso do Luther King porque eu não acreditava muito. Me parecia um discurso muito romântico que só falava do amor, ah o amor, o amor. Até que você percebe que ele usava o amor como política. Porque se você olhar o outro com amor, com respeito, com compaixão, você começa a entender aquele outro ser humano. E você fica mais flexível. E segundo porque com esse discurso da não violência ele abriu portas que jamais seriam abertas pelo Malcolm X. Ele foi conversar com presidentes, foi discutir política e leis que mudariam a história dos negros nos Estados Unidos. Então, quando você fala de amor, não é o amor romântico, a gente está falando de um amor político, inclusivo. E Luther King soube usar isso muito bem – ou como ninguém.
Fatos como a saída do Reino Unido da União Europeia, crescimento da Xenofobia a derrota do acordo de paz na Colômbia ou mesmo a crise da política e seus ideais que enfrentamos no Brasil dialogam de alguma forma com o texto que vocês levam para o palco?
Taís – Dialogam totalmente. A gente está falando da mesma coisa. E não de tolerância porque não gosto dessa palavra. Ela me lembra suportar. A gente está falando de respeito, de ponderar, de compaixão. De amor e de olhar o outro. É engraçada essa coisa da saída da Inglaterra, por exemplo. Foi tão passional que no dia seguinte havia gente arrependida de seus votos (risos). É a questão da paciência, de olhar, de saber que pode ser pior ou melhor. É limitar a paixão e ponderar, agir de maneira racional. O amor é uma grande arma, a sabedoria dele é uma grande escolha.
Lázaro, no teatro e na literatura você tem uma relação muito próxima com o universo infantil. Em que aspecto as crianças mais te desafiam e de que forma responde a isso?
Lázaro – Aha! O universo infantil para mim é um mistério a ser descoberto. Tudo que eu faço para criança tem muito a ver com a relação com meus filhos, a minha observação do mundo deles, da formação de valores. E essa relação tem se transformado. Às vezes eu escrevia pra suprir uma carência de minha infância, hoje em dia eu tento fazer algo pensando em qual adulto eu quero que meus filhos sejam. Muito sem fórmula, e sempre tentando fazer isso com arte, com ludicidade, com diversão. Para tentar passar mensagens. Gosto muito e cada dia que passa tenho produzido mais coisas para crianças!
Taís, recentemente você comemorou o resultado do concurso Miss Brasil. Disse que pela primeira vez, reconhecia um equilíbrio de representatividade entre as finalistas. No mesmo dia, aqui em Belo Horizonte, Áurea Carolina, mulher negra, de 32 anos, cientista política, defensora de causas sociais e feministas foi a vereadora mais votada da cidade. Foram mais de 17 mil votos. Embora de universos distintos, são exemplos que dizem a mesma coisa: o início de um equilíbrio de representatividade. Quais são impactos você acredita que estes avanços trazem para a nossa dinâmica social?
Taís – Aí eu acredito que são os passos que são dados. Veja, a Raíssa ganhar, e a vereadora de vocês, Áurea Carolina, ser eleita. Aqui, no Rio, teve a Marielle Franco, que é uma mulher negra, do complexo do Maré. Eu votei nela muito consciente de que votei em alguém que representasse na totalidade. Escolhi uma mulher negra para votar. São passos, simplesmente. Mas que ajudam a gente chegar em algum lugar. Essa confusão no Brasil talvez tenha despertado um gosto no brasileiro de tentar entender de política. E quando a gente fala de política estamos falando de direitos e deveres. Não podemos nos afastar dela porque acabamos sendo palhaços, fantoches. Se a gente colocar quem de fato a gente acredita que seja nossos representantes, no concurso de Miss ou na política, sim, acredito que vamos chegar num lugar mais bacana.
O TOPO DA MONTANHA
15 e 16 de outubro. Sábado às 20h e domingo às 19h. Grande Teatro do Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Plateia I e II – Inteira: R$ 100,00 / Meia: R$ 50,00. Plateia II (Balcão) / Inteira: R$ 50,00 / Meia: R$ 25,00. Informações: