Vivian é a protagonista de “Os coadjuvantes”, terceiro romance de Clara Drummond, recém lançado pela Companhia das Letras.
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
Vivian Noronha é uma mulher de trinta e poucos anos, curadora de arte que integra uma família tradicional na zona sul carioca. Para ela, sua família não é rica. No máximo, “ricos de classe executiva”, afinal, ricos de verdade tem avião particular. Mas dinheiro não é um problema, quando sobra influência e contatos. Assim, os Noronha tem uma longa tradição de diplomatas. É um jogo, um ciclo vicioso: mais contatos, mais poder, mais dinheiro. E recomeça. Vivian é a protagonista de “Os coadjuvantes”, terceiro romance de Clara Drummond, recém lançado pela Companhia das Letras.
“Talvez eu não seja a melhor curadora de arte, mas com certeza sou a melhor curadora de pessoas. É o trabalho do qual mais me orgulho. Através dele, consegui criar a trajetória de vida que sempre quis.”
Os coadjuvantes, Clara Drummond
A engrenagem de privilégio
A narradora circula com desenvoltura tanto por jantares da high society carioca, quanto por festas alternativas com seus amigos descolados. Seu rosto é o único passaporte necessário para que sua entrada seja permitida onde e quando quiser. Tem acesso livre a ambos os universos e, assim, tem o que falar – e o que zombar – dos dois. A armadilha está no fato de que é impossível se retirar daquele retrato que constrói.
Ela é parte do problema aqui e ali, parte da engrenagem de privilégio que segue rodando, ininterruptamente. E ela sabe disso, não que se importe muito. “Toda vez que elaboro um plano para sair dessa inércia moral, penso: De que adianta, as estruturas continuam intactas, é enxugar gelo, ativismo liberal, mudança através do consumo.”
Clara Drummond é uma cronista de mão cheia de uma geração, inserida em certo núcleo social, onde o discurso progressista está na ponta da língua, mas, calma aí, não mexa nos meus privilégios. Onde a meritocracia é a regra e as cotas um ultraje. “É difícil decorar as regras corretas do placement porque é através delas que se sobem mais degraus, e se for fácil, todo mundo ascende, perde a graça. É preciso estancar a mobilidade, manter as coisas na mesma”.
Um olhar mordaz
Em tão poucas páginas – pouco mais de cem – cabe um universo de temas no texto. Da liberdade sexual feminina à criação familiar castradora. Da violência policial contra a população negra à discussão sobre saúde mental. E é nesse turbilhão de temas onde alcançamos a protagonista para além da máscara da classe que lhe cabe tão bem, onde atingimos os aspectos mais vulneráveis de sua trajetória, da infância – sobretudo ali – à vida adulta. “É toda uma existência tentando agradar um grupo de pessoas incapazes de gerar qualquer afeto que não seja atravessado por dinheiro e poder.”
“Os coadjuvantes” é um olhar mordaz – ora melancólico, ora divertidíssimo – para uma classe que se acha mais interessante do que realmente é. Sua narradora é verossímil até os ossos. Provavelmente você a conhece pessoalmente ou a viu de relance ao rolar o feed no Instagram. Talvez seja você, será? Na construção da protagonista, Clara Drummond consegue um muito bem vindo equilíbrio entre o sarcasmo e o afeto.
Se não fosse assim, talvez Vivian seria uma personagem insuportavelmente chata. Mas não. Ela ganha humanidade nas suas contradições e fragilidades, nas ranhuras de sua existência expostas pelo delicioso texto da autora.
Encontre “Os coadjuvantes” aqui
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural, sempre gasta metade do seu horário de almoço lendo um livro. Seu Instagram é @tgpgabriel