O secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Marcelo Matte, foi assertivo. “Paira no país uma visão equivocada do que seja cultura”. Ele está certo. Tanto que quem vive da produção de arte e cultura atravessa, nos últimos meses, um clima péssimo de apreensão e insegurança. O compasso de espera, no entanto, começou a dar sinais de que pode passar.
A boa nova para os mineiros chegou neste 15 de julho, quando Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, anunciou o apoio a 13 importantes projetos culturais de Minas Gerais. O gestor foi bem claro quanto ao critério de escolha. Todos eles “tem perenidade e legado para a sociedade brasileira”. Incontestável, mas fica muita gente com trabalho relevante de fora dessa peneira. Ou seja, é preciso que mais empresas pensem da mesma forma.
Entram nessa seleta lista do Itaú, por exemplo, Palácio das Artes, Grupo Galpão, Grupo Corpo, Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Teatro em Movimento, Fliaraxá, Inhotim, Foto em Pauta, Mostra de Cinema de Tiradentes, entre outros. De fato, eis aqui a nata da cultura de Minas Gerais.
Valores
São todos projetos grandes que, ao longo do tempo, contribuíram para formação de público, para o desenvolvimento de sensibilidade e pensamento crítico da população. No total, a instituição vai investir R$ 10,2 milhões de reais, sendo cerca de R$ 8 milhões via Lei Federal de Incentivo à Cultura. O restante, varia entre ações diretas e o edital do Rumos Itaú Cultural.
Mas, o que mais interessa aqui, não é o mecanismo utilizado e sim a consciência que a iniciativa privada tem papel central – e fundamental – no modelo de fomento à cultura vigente no Brasil hoje. Embora possa ser questionado, é o formato que temos e precisamos lidar com isso. E a questão vai além. Como bem comentou Saron, “não podemos ter um país onde a matriz econômica seja baseada em commodities”. Ele disse isso sobre os históricos e expressivos investimentos nacionais nas áreas agrícolas e minerais, por exemplo.
De fato, mais do que questionar o mecanismo existente é preciso acordar para a importância da cultura na indústria criativa. Isso vale para todo mundo que participa da cadeia cultural, gestores, artistas, jornalistas, público. Aqui está a chave para, inclusive, reverter o que Matte chamou de “a visão equivocada do que seja cultura”. É um esforço que precisa coletivo e temos um longo caminho pela frente.
Sem indicadores
Quem lida diretamente – e diariamente – com a produção do sensível, sabe a força transformadora da cultura. Mas, empresários funcionam com indicadores e, nesse sentido, ainda há muito pouco dado para se comprovar o que a maior parte dos artistas sabe e sente. É, portanto, uma equação difícil de resolver.
Cultura está relacionada ao bem-estar. Como Eduardo Saron comentou, mais investimento nesta área, significa, a longo prazo, menos necessidade de aporte em setores igualmente fundamentais como segurança, saúde, educação. Mas, o problema é: onde estão os indicadores para provar isso? Números capazes de mostrar que uma pessoa com bagagem cultural, com mais sensibilidade, empatia, comete menos crime, por exemplo?
O setor cultural precisa urgentemente afinar um discurso sobre suas forças como indústria. De acordo com um estudo feito pela consultoria PricewaterhouseCoopers, entre 2013 e 2017, esta área econômica apresentou uma média de crescimento de 8,1%. Pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) também mostrou que as atividades culturais e criativas geram 2,64% do PIB Brasileiro. Ou seja, uma participação maior do que as indústrias têxtil e farmacêutica, por exemplo. Mas sabemos que a questão é bem mais ampla.
O que os gestores pensam?
Para Fernando Lara, responsável pela gestão cultural do Grupo Galpão, a dificuldade que grupos e coletivos artísticos tem enfrentado nos últimos anos vai muito além da crise financeira. Tem mais a ver com uma série de informações equivocadas sobre a manutenção do setor. “Acredito que as coisas podem começar a melhorar, mas ainda acho que o dano é muito grande”, diz Fernando.
A presidente da Fundação Clovis Salgado (Palácio das Artes), Eliane Parreiras, também percebe o anúncio dos patrocínios do Itaú com um sinal positivo. “Há muita relevância em um grupo desse porte reafirmar o papel da cultura e das ações formativas para a sociedade. Isso tem um impacto de reverberação e de contaminação positiva de outras empresas para que a gente retome a reconexão e a credibilidade da cultura na sociedade. Em algum momento isso ficou meio turvo”, observa.
De acordo com Raquel Hallak, coordenadora geral do programa Cinema Sem Fronteiras, do qual a Mostra de Cinema de Tiradentes faz parte, estamos em um momento em que a iniciativa privada tem papel ainda mais fundamental. “Para manter empreendimentos culturais que asseguram, entre outras coisas, a empregabilidade. Integramos a indústria que mais cresce no mundo, que é a do entretenimento”, diz.
Para Raquel, o Itaú dá um exemplo. “Mas é importante atrair para Minas a atenção da iniciativa privada de maneira geral. Somos um Estado potente, que merece respeitabilidade e o reconhecimento do que a atividade cultural representa em todos os sentidos. No emprego, no negócio, na nossa identidade e na nossa expressão artística”.
Dessa maneira, o que o patrocínio do Itaú representa para a Cultura de Minas? Um exemplo que deveria ser seguido. Um primeiro passo a ser ampliado. Um sinal de que nem tudo está perdido. Uma injeção de ânimo. Que venham outras empresas com a mesma consciência sobre o papel transformador que a cultura exerce na sociedade.