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O jovem: Annie Ernaux reconstrói relacionamento com homem trinta anos mais jovem

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“O jovem”, de Annie Ernaux, traz o olhar singular da Prêmio Nobel de Literatura sobre o tempo, o sexo, a memória e os afetos.

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de literatura

De início, é impossível não se surpreender com a capacidade de Annie Ernaux. A ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 2022 diz muito em tão poucas páginas. Tem um poder de concisão e um domínio impressionante sobre a palavra escrita. “O jovem” é o mais recente trabalho da autora francesa lançado no Brasil. No livro, Ernaux reconstrói o breve, porém intenso relacionamento com um homem francês, quase trinta anos mais novo que ela – na época com 54 anos. Com tradução de Marília Garcia, “O jovem” é um lançamento da Fósforo Editora.

Annie Ernaux escritora de O jovem Foto Francesca Mantovani
Annie Ernaux Foto Francesca Mantovani

O assombro do olhar alheio

Annie Ernaux reflete sobre o assombro, sobre os olhares recebidos ao caminhar de mãos dadas com o jovem A. “Me fez perceber que éramos mais inaceitáveis que um casal de homossexuais”. De mulheres em idades semelhantes à sua, percebia que “o fato de haver uma transgressão operada por uma de suas semelhantes enchia-lhes de esperança e ousadia”. Já de mulheres mais novas, presenciou tentativas de sedução direcionadas ao companheiro, como se sua presença fosse “um obstáculo negligenciável, até mesmo inexistente”. No que ela conclui: “Pensando bem, a mulher madura era, contudo, mais perigosa que a jovem – a prova disso era que ele tinha trocado uma de vinte anos por mim”.

Para além das reflexões sobre a percepção da sociedade francesa acerca do relacionamento entre um homem mais jovem e uma mulher mais velha – e sobre como o jogo se subverte quando trocam-se os gêneros e as gerações, um homem mais velho com uma mulher consideravelmente mais jovem – Annie nos diz ainda mais. “O jovem” discute também sobre as relações de poder e as diferenças de classe que marcam a breve relação. Ela nos diz entender que havia uma espécie de conveniência: em troca do prazer e da possibilidade de reviver experiências que nunca imaginaria repetir, ela lhe possibilitava viagens e lhe poupava a busca por um emprego. Neste tópico há um ponto interessante: se para ele, o trabalho era uma obrigação à qual não queria de submeter – mantendo-se, digamos, independente das engrenagens do mundo – para ela foi justamente o trabalho que possibilitou a independência, uma condição para sua liberdade.

O retorno ao passado

No contato com o amante, Annie voltava ao passado, às condições sociais que marcaram sua infância e juventude. “Ele era o portador da memória do meu mundo de origem. (…) Ele concretizava o meu passado. Com ele eu percorria todas as épocas da vida, da minha vida”. É interessante como outros de seus livros parecem orbitar esse novo trabalho. Por exemplo, ao enxergar no companheiro um espelho de sua própria classe social de outrora, ela remete às reflexões apresentadas em “A vergonha”. Durante o relacionamento com A., Ernaux também deu início ao processo de escrita de uma de suas obras mais celebradas, “O acontecimento”: “Quando mais eu avançava na escrita desse acontecimento que tinha se passado antes mesmo do nascimento dele, mais sentia um desejo irresistível de terminar com A. Como se eu quisesse liberá-lo e expulsá-lo, assim como eu tinha feito com um embrião mais de trinta anos antes”.

“O jovem” é um contato aparentemente fugaz com a escrita de Annie Ernaux. Mas não se engane, há tanto para formular e refletir em suas poucas páginas, no passeio pela vida e pela obra da escritora francesa, num olhar único sobre o sexo, os afetos, o tempo e a memória. “Não me ocorria o pensamento de que essa minha longa memória do tempo de antes do nascimento dele fosse o par, a imagem inversa, da memória que ele teria depois da minha morte”.

Capa do livro O jovem Crédito Editora Fosforo
Capa do livro O jovem: Crédito Editora Fósforo

Encontre “O jovem” aqui

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

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