
Exposição Natureza Transformada: atravessamentos espaciais. Foto: Leo Fontes
A natureza não para. Ela escorre, infiltra, atravessa e se transforma. É nessa constante metamorfose que se ancora a exposição “Natureza Transformada: atravessamentos espaciais na Casa Fiat de Cultura”. Com curadoria de Guilherme Wisnik, a mostra reúne obras dos italianos Paolo Albertelli e Mariagrazia Abbaldo — pela primeira vez no Brasil — e da mineira Marcia Xavier. Juntos, esses artistas criam um percurso sensorial em que arte, arquitetura e paisagem se entrelaçam.
Instalada na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, até 8 de junho de 2025, a exposição propõe não apenas contemplação, mas vivência. “Esses trabalhos não são colocados numa base e ficam ali plácidos. Eles querem criar tensões, criar atravessamentos. Tensionam o espaço”, comenta o curador.
A leveza do aço, o peso da imaginação
Paolo Albertelli e Mariagrazia Abbaldo trazem um pensamento escultórico que nasce da arquitetura. Utilizam, entre outros suportes, o aço cortado a laser para criar composições delicadas, em que figuras humanas, animais e formas naturais parecem desafiar a gravidade. A obra “Cardume”, por exemplo, mostra peixes suspensos no ar, num movimento coletivo que sugere harmonia e independência.
“Representamos um movimento harmonioso, não uma multidão. Esperamos que os homens também sejam capazes de manter sua individualidade, movendo-se com os outros em equilíbrio”, explica Marigrazia. Para eles, a natureza deve retomar seu espaço, invadir os ambientes construídos pelo homem. “Fizemos árvores que saem de dentro de edifícios, como se a natureza voltasse às cavernas criadas pelo ser humano.”
Em Belo Horizonte, a dupla propôs uma performance com estudantes. A instalação “Manguezal” nasceu do encontro com adolescentes, que manipularam pedras de minério sobre tecidos tingidos com água ferruginosa. A obra hoje se integra a uma cisterna no topo do prédio, cuja água escorre até cair em uma bacia na galeria, conectando o céu ao solo por meio de gotas. Os visitantes podem ver um vídeo com a interação entre os jovens e os artistas.
O arrudas, o parque e a cidade vista do alto
No coração da exposição está uma obra que convida à elevação — literal e simbólica. Elevador, instalação de Marcia Xavier, transporta o visitante para um sobrevoo sobre Belo Horizonte. No chão do espaço, uma imagem aérea da região central da cidade — captada por meio da técnica analógica de aerofotogrametria. Ela revela o leito do Arrudas antes da obra de fechamento e a vegetação do Parque Municipal.
“Fui atrás da paisagem primordial da cidade”, conta a artista. “Comprei três imagens aéreas técnicas de Belo Horizonte. Uma de 1956, outra de 1997. Essa que usei mostra um tempo em que o rio ainda não estava completamente canalizado. Queria começar com essa água primeira, antes das intervenções humanas.”
A escolha do material, longe do digital, foi proposital. “Sou super analógica. Gosto de fuçar, pegar, procurar”, diz. O efeito é imersivo. O público entra no Elevador, pisa sobre a cidade e, ao mesmo tempo, sobre a memória de um tempo em que a paisagem ainda pulsava sem as feridas da urbanização.
A instalação também é um convite à participação. “Você entra na obra. Você faz parte dela. Isso me interessa muito. Essa troca com quem está vendo. Uma participação efetiva”, afirma.

Linhas, reflexos e paisagens filtradas
Outro trabalho marcante de Marcia Xavier é o biombo feito com 300 garrafas de vidro e água. Instalada entre salas, a obra cria um efeito de transparência e distorção. “É uma estante-óculos. Permite a visão, mas impede o corpo. Um bloqueio e uma passagem ao mesmo tempo”, comenta Wisnik.
Por trás das garrafas, é possível ver, em recortes, a escultura dos peixes de Albertelli e Abbaldo. “A gente vê o trabalho deles filtrado pelas frestas, pelas distorções. Cada garrafa vira um microcosmo de reflexão”, diz o curador.
Essa obra revela uma das marcas da curadoria: a paleta contida, minimalista. “A exposição tem uma paleta basicamente cinza, branco e marrom. Os brilhos vêm dos detalhes metálicos. Prateados e dourados que surgem quando a luz natural bate nas peças de ferro”, explica Wisnik. “Isso cria uma ambiência de suspensão. Nada é berrante. Tudo convida ao olhar mais lento.”
Arte como crise e travessia
A mostra propõe um percurso que vai além do estético. Para Wisnik, a arte deve provocar dúvidas. “Meu maior desejo é que o público saia com inquietações. O que estamos fazendo neste planeta? Como nos tornamos mais conscientes? A arte nos tira do conforto, coloca dúvidas, crises.”
Essas reflexões dialogam com a cidade. “Belo Horizonte foi desenhada com linhas geométricas que ignoraram sua geografia. É uma cidade construída contra os rios. Todos canalizados, escondidos. Os trabalhos da Marcia revelam essa paisagem reprimida. A exposição toda fala sobre isso.”
Para a artista, o horizonte é tanto geográfico quanto simbólico. “O horizonte é uma utopia”, diz. “Mas é uma linha que vai se apagando com a mineração. O que era montanha vira areia. A natureza não é infinita. Ela é finita. E a gente precisa pensar nisso para que o planeta não acabe.”

Um convite à contemplação
A jornada proposta pela mostra se encerra com “Copa, Casa, Cosmos”, instalação imersiva de Estêvão Ciavatta com narração de Regina Casé. O público é levado ao interior de uma sumaúma, árvore amazônica que conecta o céu à terra. A obra convida à escuta da natureza e à consciência de nossa finitude.
Durante todo o período expositivo, o público pode participar de visitas mediadas, oficinas e ações educativas. A exposição “Natureza Transformada” é um percurso de encontros: entre culturas, linguagens e sensibilidades. Mais do que ver, trata-se de atravessar. E de ser atravessado.
SERVIÇO
Exposição | Natureza Transformada: atravessamentos espaciais na Casa Fiat de Cultura
Período: Até 8 de junho de 2025
Horários de visitação:
- Terça a sexta-feira: das 10h às 21h
- Sábados, domingos e feriados: das 10h às 18h
(Fechada às segundas-feiras)
Entrada gratuita
Local:
Casa Fiat de Cultura
Praça da Liberdade, 10 – Funcionários – Belo Horizonte/MG
(Circuito Liberdade)