Meu Pai, filme com Anthony Hopkins e Olivia Colman, tem pouco mais de 90 minutos de duração. Mas não parece. Mesmo. É aquele tipo de narrativa que envolve tanto que, você nem percebe o tempo passar (se estiver entregue à trama, né?). Isso se deve ao modo como o roteirista e diretor Florian Zeller escolhe contar a história de uma família obrigada a conviver com o avanço da demência do patriarca.
Antes de detalhar o longa em si, vale conhecer um pouco mais sobre a história de Zeller. Ele nasceu em 1979 em Paris, na França. Meu Pai é uma peça escrita por ele e a primeira de uma trilogia composta também pelos espetáculos A Mãe e O filho. A encenação dessa última, por exemplo, rendeu ao artista francês um respeitável elogio no jornal americano The Times: foi considerado o dramaturgo mais empolgante de nossos tempos.
O diferencial
Mas o que a narrativa que ele cria tem de diferente? Como bem aponta a crítica do Times, Zeller gosta de trabalhar “a ideia de que as realidades mudam e nunca temos certeza do que estamos vendo”. Meu pai é isso. Em resumo, um ponto de vista totalmente diferente sobre a demência.
O diretor – e dramaturgo – convida o espectador a entrar na mente de seu protagonista, magistralmente interpretado por Hopkins. Começamos o filme achando que se trata de mais um drama sobre uma filha (Olivia Colman) que precisa lidar com a demência do pai. No meio da projeção, no entanto, já estamos tão confusos quanto o protagonista e também com a certeza de que a razão permanecerá do nosso lado. Os dementes são assim. Eles juram que o ponto de vista deles é o real.
Argumentar sobre a direção de atores e a qualidade da interpretação de Anthony Hopkins e Olivia Colman é dizer pouco sobre Meu pai. Para além deste aspecto – fundamental, diga-se de passagem – as qualidades que mais me chamaram a atenção no longa como um todo estão em dois quesitos mais técnicos. A montagem (Yorgos Lamprinos) e a direção de arte, reconhecida no Oscar por Desenho de Produção (Peter Francis e Cathy Featherstone).
O teatro em Meu Pai
Como é um homem dos palcos, Florian Zeller não economiza na teatralidade, mesmo no cinema. Usa a direção de arte para isso. A cor da parede, a xícara que quebra, o tom do figurino. Quase tudo tem camadas de sentidos complementares que dizem muito sobre os personagens.
Repare no azul, por exemplo. No início do filme, a cor aparece em alguns pontos e à medida em que vamos nos dando conta da demência do personagem, o tom vai se espalhando. Em outras palavras, quase tudo que aparece na tela de Meu Pai tem sentidos paralelos. Sendo assim, a xícara quebrada diz também sobre o coração em pedaços da filha que precisa encarar a doença do pai.
Já a montagem de Yorgos Lamprinos é a responsável por nos fazer experimentar aquela mente inquieta. Se você ainda não viu o filme, pode ter certeza que em algum momento vai se questionar se está conseguindo compreender. A confusão mental do personagem é propositalmente a confusão de quem passivamente consome o filme. Conseguir chegar nesse ponto é muito difícil.
Empatia
Mas a qualidade de Meu Pai não está apenas em aspectos técnicos. Por nos transportar, de certa maneira, para a mente de um demente, o filme também nos dá a oportunidade de entender melhor quem é obrigado a conviver com situação parecida. É inócuo procurar lógica no comportamento de um demente.
Sendo assim, Florian Zeller ensina que, o melhor a se fazer nestes casos, é acolher. O afeto é sim capaz de confortar.
Meu Pai recebeu seis merecidas nomeações ao Oscar 2021. São elas: melhor ator para Anthony Hopkins; atriz coadjuvante para Olivia Colman; roteiro adaptado, edição, desenho de produção e filme. O longa está disponível no Brasil nas plataformas Now, Itunes, Google Play, Sky Play e Vivo Play.