Garrett M. Graff começa O único avião no céu: Uma história oral do 11 de setembro dizendo que todos os americanos acima de certa idade se lembram exatamente de onde estavam no momento dos eventos de 11 de setembro de 2001. Arrisco a dizer que qualquer pessoa – americana ou não – acima de certa idade se lembra de onde estava naquele dia. Com tradução de Julia Debasse e Érico Assis, o livro de Garret chega por aqui pela Todavia Livros, em 2021, quando se completam 20 anos dos atentados.
Em O único avião no céu, Garrett M. Graff apresenta depoimentos nunca antes publicados, documentos oficiais tornados públicos apenas recentemente, entrevistas e relatos de um sem número de personagens. Funcionários das mais altas patentes do governo e do exército americanos, bombeiros, socorristas, funcionários do Pentágono e de diferentes empresas alocadas no prédios do World Trade Center, testemunhas, sobreviventes, familiares e amigos de vítimas dos atentados. São relatos emocionantes e pontos de vista no calor do momento, únicos e aterradores, que possibilitam uma reconstrução vívida daquele dia.
Pesquisa
Para chegar nas memórias reunidas no livro, foram lidas e ouvidas cerca de 2 mil histórias orais, de setembro de 2001 à primavera de 2019. Em comum, essas vozes foram diretamente afetadas pelos eventos do 11/09 e seus desdobramentos, criando um retrato dramático e expressivo daquele dia definidor do curso da história e da política internacional pelos 20 anos seguintes. Garrett cria uma longa e minuciosa narrativa com estes relatos. Um se liga ao outro: um personagem citado em um relato é o responsável pelo seguinte, por exemplo, criando um encadeamento dos acontecimentos. O autor busca organizar, dar uma coesão à multiplicidade de fontes e de vozes: os inúmeros olhares sobre um mesmo trágico evento.
O jornalista faz breves introduções aos capítulos e interlúdios, também curtos, ao longo dos relatos para contextualizá-los. O foco aqui são os depoimentos, um volume extenso e múltiplo de vozes, em ordem cronológica. A maior parte de O único avião no céu, com suas 560 páginas, cobre um curto período – da manhã de 11 de setembro à madrugada do dia seguinte.
Acompanhamos o início daquele dia – de céu azul e de beleza fora do comum – os sequestros dos aviões, as colisões nas Torres Gêmeas e no Pentágono, a queda do vôo 93 da United – onde seus passageiros conseguem tomar o controle da aeronave e se sacrificam para evitar um quarto ataque -, e todos os desdobramentos que se seguiram: o desabamento dos arranha-céus, as dramáticas missões de resgate, a busca por desaparecidos e o clima apocalíptico que tomou conta do sul de Manhattan pelas próximas horas, dias e meses. Os incêndios no quarteirão ocupado pelo complexo do World Trade Center continuariam por 99 dias, até 20 de dezembro de 2001.
Emoção
Há vozes aqui que engasgam e choram de dor e pelo horror inimaginável que testemunharam. Outras, resignadas, relembram a última conversa por telefone que tiveram com seus entes queridos – uma última oportunidade de ouvir e dizer “eu te amo” para vítimas que estavam nos aviões ou presas dentro dos prédios. Muitas falas também dizem sobre o “quase”: pessoas que saíram dos prédios ou nem chegaram a entrar neles por pouco, por acaso.
O único avião no céu é um livro assombroso, nos detalhes que consegue trazer a público sobre os acontecimentos. Um dos relatos nos diz da sombra da primeira aeronave, que encobria as ruas próximas ao World Trade Center, devido à proximidade do avião com o solo. Outra sobrevivente relembra a aproximação do vôo por uma das janelas de um andar inferior da Torre Norte, enquanto trabalhava. As vozes de diversas vítimas também tomam forma por meio das lembranças daqueles que sobreviveram.
O nome do livro remete ao Air Force One, o avião oficial do presidente dos Estados Unidos. Após os atentados, todas as aeronaves no espaço aéreo americano foram obrigadas a pousar e interromper seus trajetos. Com exceção desta única aeronave, que transportava o presidente George W. Bush. O primeiro relato do livro é do astronauta Frank Culbertson, o único norte-americano que estava longe do planeta Terra naquele dia fatídico: Frank estava na Estação Espacial Internacional. Observando o território norte-americano do espaço, ele observa: “Uma das consequências mais surpreendentes é que depois de uma ou duas voltas, os rastros dos aviões que normalmente riscam o céu do país inteiro haviam desaparecido.”
Memórias
Há um capítulo dedicado à lembranças daqueles que eram crianças e jovens no 11/09. Recordação gravada na memória de alguém que tinha 3 anos na época: ” O 11 de setembro não é só uma lembrança antiga para mim, é a minha primeira lembrança. É só um lampejo”. Nele também nos deparamos com relatos de crianças de origem árabe, obrigadas a lidar com questões que fugiam de sua capacidade de entendimento naquela fase inicial de suas vidas: “Depois daquele dia, meu amigo se aproximou e disse: ‘Não podemos mais ser amigos, Hiba. Minha mãe disse que, enquanto isso não terminar, não podemos mais ser amigos”.
O único avião no céu nos permite uma nova compreensão sobre o maior atentado terrorista da história. No ano em que os Estados Unidos anunciam a retirada de suas tropas do Afeganistão, se torna ainda mais urgente um retorno ao 11 de setembro, pois germinam ali as sementes da ocupação norte-americana no país do Oriente Médio – uma ocupação também trágica e violenta, em uma “guerra ao terror” que durou duas décadas.
Encontre “O único avião no céu” aqui
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural, sempre gasta metade do seu horário de almoço lendo um livro. Seu Instagram é @tgpgabriel