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Literatura

Daniel Kondo: artista gráfico com parcerias com nomes como Gilberto Gil e Fernanda Takai

Entrevistamos o artista Daniel Kondo, que compartilhou detalhes sobre seus processos de pesquisa e produção.

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

O artista gráfico Daniel Kondo tem se destacado por parcerias literárias com personalidades de diferentes áreas de atuação, como da poesia, da música e do esporte. Sendo assim, é na interface entre a palavra e a imagem, o trabalho o artista gaúcho ganha vida, dando forma e cores à parcerias com nomes como Fernanda Takai, Gustavo Borges, Gilberto Gil e Guilherme Gontijo Flores.

Assim, Kondo já publicou obras em grandes casas editoriais, tais como a Companhia das Letras e a Cosac Naify. Tal qual, com a WMF Martins Fontes, entre outras não menos importantes, desenvolvendo, desse modo, um estilo próprio que lhe rendeu reconhecimento tanto nacional quanto internacionalmente. 

Conversamos com o artista Daniel Kondo sobre sua obra, seu processo criativo e a próxima parceria com um dos maiores nomes da música popular brasileira.

Confira, a seguir, alguns trechos, por tópicos

Sua obra é construída especialmente a partir da parceria (NR. grandes nomes da música popular, do esporte, da poesia, por exemplo, já foram parceiros de Kondo em diferentes livros). O diálogo, para você, é o caminho primordial para a construção de algo novo? Mais do que uma nova obra, um novo olhar para o mundo?

Cada novo livro é como um enigma desdobrando-se em páginas. Desse modo, essa fascinação pelo trabalho literário reside na possibilidade de mergulhar o olhar nas mais diversas áreas do conhecimento e, assim, criar novas perspectivas sobre um assunto.

Investigar novos horizontes, adotando diferentes modos de pensar e enxergar o mundo, é o cerne da minha arte. O encontro entre texto e imagem é sempre imprevisível, mas harmonioso. Assim, construir um repertório inédito para os leitores, estimulando outras habilidades e criando novas formas de leitura, é como tecer fios invisíveis entre as palavras e as cores.

E quando vejo o livro impresso, reconheço que a parceria entre o textual e o imagético resulta em um objeto híbrido e único. Desse modo, é como se cada página guardasse segredos. Tal qual, como se cada ilustração sussurrasse ao leitor: “Desvende-me”. E assim, entre mistério e criação, continuo a dançar com as palavras, tecendo sonhos e desafiando fronteiras. 

Gostaria de saber mais sobre suas frentes de trabalho. Vejo que sua obra se divide entre uma relação com a cultura pop (especialmente no diálogo estabelecido por Kondo com importantes músicos brasileiros), com a cultura oriental e com a poesia. Como se dá o seu processo criativo nessas três frentes? Há uma separação na maneira de trabalhar em cada uma delas ou elas se contaminam, se influenciam?

São três eixos de pesquisa e produção que são bem distintos na minha obra. 

No eixo da poesia contemporânea: 

Em parceria com o poeta Augusto Massi, demos vida ao livro “Monstros do Cinema” (SESI-SP, 2016). Nessa obra, desvendamos o “monstruário”, um catálogo de criaturas que povoam as telas cinematográficas. Mas não paramos por aí. O projeto gráfico desse livro é uma verdadeira aventura: lâminas cortadas permitem que o leitor construa seus próprios monstros, como um artesão das sombras.

Imagine-se folheando as páginas, deslizando as lâminas com cuidado. Cabeça, tronco e membros se separam, revelando os monstros que habitam o imaginário do cinema. Aqui, o Frankenstein ganha vida, o Drácula sussurra segredos e o Godzilla ruge em papel e tinta. Com uma engenharia gráfica nas páginas do livro, os leitores podem ainda criar suas próprias criaturas a partir de combinações aleatórias entre as páginas, criando seu próprio monstro.

“Monstros do Cinema” não é apenas um livro; é uma experiência. Ele foi finalista do Prêmio Jabuti em 2016 na categoria de livro digital e venceu o Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional como livro-brinquedo. Além disso, destacou-se no catálogo editorial da Editora Santillana, que celebra as principais publicações da América Latina. O Selo Altamente Recomendável e o prêmio da Fundação Nacional de Literatura Infantojuvenil (FNLIJ) reconheceram sua magia. E, no mesmo ano, o livro foi indicado na categoria de livro infantil digital no Prêmio Jabuti.

Na poesia, “A Mancha” (FTD, 2020), criado em parceria com o tradutor e poeta Guilherme Gontijo Flores, é uma narrativa cinematográfica que emerge como uma mancha de óleo, invadindo o mar e as praias, deixando um rastro de destruição por onde passa. No desfecho, subvertemos o eixo de leitura do livro: a Mancha “pula” sobre o leitor, alertando sobre nossa posição num cenário de aquecimento global. A obra recebeu da Cátedra Unesco o selo de distinção e foi finalista do Prêmio Jabuti na categoria de livro brasileiro traduzido para o coreano.

Com a poeta e escritora Silvana Tavano, recebemos o Prêmio João-de-barro com o livro “PSSSSSIU!” (Salamandra, 2021). Aqui, o silêncio é o protagonista, e suas páginas são um refúgio para mentes curiosas. Criamos um universo onde o não-dito ganha vida, onde o vazio é preenchido com texto e imagem, e os silêncios ecoam. Também fomos agraciados com o Prêmio Jabuti em 2022 pela obra “Sonhozzz” (Salamandra, 2020). Nesse livro, dois personagens conversam, costurando sonhos com palavras, carneirinhos sonolentos e um azul que toma conta das páginas. 

No eixo da música:

Trabalhar com nomes ilustres como Lulu Santos, Gilberto Gil e Djavan foi uma oportunidade única. Cada um desses artistas possui um universo rico e complexo, com modos distintos de interpretar emoções, eventos, reflexões sobre vida, morte e amor. Minha sorte foi estar próximo a eles e, a partir dessa experiência, incorporar elementos gráficos únicos ao meu trabalho, que só podem surgir na interação com essas personalidades artísticas.

Com o artista Lulu Santos, embarcamos em uma jornada criativa para celebrar seus 40 anos de carreira. O resultado desse encontro musico-visual foi o álbum de canções intitulado “Lulu Traço e Verso” (pancho sonido, 2022), que o cantor batizou como “Livrokê”. Mas não se trata de um simples songbook; é um livro-objeto ilustrado, onde as letras ganham vida nas cores e os acordes se desdobram como notas da nossa memória. Uma sinfonia visual que celebra a harmonia entre som e imagem, que presta homenagem aos grandes mestres da arte pop.  As letras originais de Lulu ecoam pelas páginas, enquanto os acordes simplificados para violão convidam o leitor a tocar sua própria melodia. É um diálogo intenso com a cultura pop dos anos 80, onde o neon brilha e os sintetizadores sussurram segredos.

A obra foi finalista do Prêmio Jabuti na categoria Projeto Gráfico, em 2022. Um reconhecimento à paleta multicolorida que criamos especialmente para este livro, como um arco-íris que atravessa o tempo e a música.

Com Gilberto Gil, embarquei em outra jornada criativa, explorando as camadas profundas de sua arte. Fazendo uma leitura visual da icônica canção “Andar com Fé” (WMF 2023). Sendo assim recriei os modos da fé ecumênica do artista, que transita entre o candomblé, o budismo e a fé cristã. Essa experiência me permitiu mergulhar nas cores e nas notas, traduzindo a espiritualidade em formas visuais.

Em “Nós a gente”, (WMF 2023) cancioneiro que compôs o repertório da turnê de Gil Família pela Europa, ilustrei 40 canções com temáticas de ancestralidade, família, Deus e a finitude humana.

No eixo oriental:

Foi uma retomada às origens nipônicas da minha família. Reencontrei essa raiz nas produções que permeiam a cultura japonesa. Duas obras marcantes surgiram desse encontro:

  1. “Princesa Kaguya” (Cai-Cai, 2023): Originalmente um projeto audiovisual da Japan House, transformou-se em um livro cantado. Assim, em parceria com a cantora e compositora Carol Naine, demos uma nova voz à princesinha japonesa, agora feminista. Além disso, a obra foi transposta para o inglês na voz de Jesse Paris Smith.
  2. “Quando Curupira encontra Kappa” (WMF, 2023): Com a cantora e escritora Fernanda Takai, celebramos o encontro das culturas nipo-brasileiras através de dois seres da mitologia empenhados na preservação da floresta. Ambas as edições são bilingues (português/japonês).

Além disso, em parceria com Moreno Veloso e Mônica Salmaso, trabalhei no projeto Kamishibai na Japan House. Esse projeto reconta antigas lendas do Japão, dando vida a essas histórias através da animação. Assim, reafirmo o eixo oriental da minha produção literária (Kondo tem ascendência japonesa por parte de pai e gaúcha por parte de mãe). 

Capa andar com fé
Capa andar com fé

Quando penso em seu trabalho, imediatamente a música brasileira me vem à cabeça. Nomes, por exemplo, como os de Gilberto Gil, Lulu Santos, Fernanda Takai… Em 2024, você lança um livro com o Djavan, “Açaí e Seca” (Daniel Kondo e Djavan). Poderia contar um pouco sobre este novo trabalho?

Djavan é uma figura fascinante. Tudo nele é permeado sobretudo pela musicalidade. Assim, quando nos reunimos para discutir a obra que compõe a coleção “Letra Ilustre”, nossa ideia inicial era abordar visualmente a canção “Oceano”. Em seguida, Djavan trouxe a ideia de criar um álbum duplo, contemplando essas duas novas canções: Açaí e Seca. Transformá-las em um livro “duplo” com duas capas: de um lado, o açaí; do outro, a seca. Essa dualidade, essa complementaridade, é o cerne da leitura de Djavan. Assim, a fartura da fruta açaí, abundante no norte do país, contrasta com a seca que assola principalmente essa mesma região.

Esse projeto foi um dos maiores desafios que já enfrentei. Primeiramente, criar um livro com duas capas e duas canções. Assim, desenvolvi um projeto que incorpora essa dualidade: uma das capas girando 180 graus em oposição à outra. Desse modo, no coração do livro, ambas as canções se encontram. No último verso de cada uma delas: “branca é a tez da manhã” com “mesmo Deus”. Partindo do conceito de que o açaí é redondo e a seca é angular, então, trabalhei essas duas letras de forma que, ao final do livro, o círculo e o quadrado se encontrassem. Ou seja, uma espécie de “quadratura do círculo”, enigma que há séculos intriga os matemáticos, mas que Djavan já desvendou artisticamente. 

Encontre os trabalhos publicados por Daniel Kondo aqui

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

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