“Intermezzo”, lançamento da Companhia das Letras, acompanha o reencontro entre dois irmãos após a morte do pai
Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
O que leva ao distanciamento entre dois irmãos, em uma relação antes marcada pela admiração e pelo cuidado? Essa é uma das investigações do novo romance de Sally Rooney, “Intermezzo”. Um mergulho nas águas profundas dos relacionamentos familiares, espaço primordial tanto para o afeto. Com tradução de Débora Landsberg, o livro é um lançamento da Companhia das Letras.
O luto
O luto é o sentimento que conduz este novo romance de Sally Rooney. A partir da morte do pai, dois irmãos se reencontram, no velório do patriarca, após um longo tempo afastados. Peter é um bem-sucedido advogado de 32 anos, enquanto Ivan é um jovem prodígio do xadrez de 22, sem um emprego fixo, intercalando entre competições locais de xadrez e trabalhos freelancers. A morte do pai e o inevitável reencontro trazem à tona sentimentos há muito represados, marcas que muito fortemente definem as personalidades de cada um deles no presente, por mais que tentem negar.
Além dos dois irmãos, há uma tríade de personagens femininas: Margaret, uma mulher na faixa dos 36 anos, divorciada, que passa a viver um intenso relacionamento com Ivan; Sylvia, a primeira namorada de Peter e uma figura presente na sua vida – e, em certa medida, de toda a sua família – mesmo após um doloroso término na juventude; e Naomi, a jovem namorada de Peter, universitária de idade próxima à do irmão.
Força dos diálogos
“Intermezzo” é povoado por personagens complexos e é no diálogo entre eles que está a maior força do romance. O texto de Sally Rooney aqui é fortemente baseado nas trocas e interações entre seus personagens. Tais conversas invadem a todo momento o texto do narrador, quanto mais intensas se apresentam. De início, a contaminação entre os diálogos e a voz narrativa causa até certa confusão no leitor, refletindo, de certa forma, a confusão interna de seus próprios protagonistas.
Millennials e Zoomers
Sally Rooney é uma das grandes cronistas da geração millennial – geração da qual ela própria faz parte – com um olhar singular para os anseios e os dilemas millennials em diferentes campos da vida social, como o sexo e o trabalho. Este novo romance me parece ser um passo além na escrita e nos interesses da romancista. As questões dessa geração nascida entre a década de 1980 e meados de 1990 seguem presentes, mas, aqui, o foco está no contato entre duas gerações: millennials, ou geração Y, e zoomers, ou geração Z, aquele nascidos entre a segunda metade da década de 1990 e o início dos anos 2010. A partir do espelhamento – mas aqui, um espelho que reflete distorcido – entre esses dois grupos, Sally Rooney investiga temas como o mercado de trabalho, o olhar para o futuro, a estabilidade econômica, o sexo e os relacionamentos marcados pela diferença de idade.
Como uma longa partida de xadrez, “Intermezzo” se intercala entre os pontos de vista dos dois irmãos, onde cada um deles realiza suas próprias jogadas. Entre acertos e erros inevitáveis, enredados em seus próprios traumas, frustrações, desejos e convicções. “Todos eles amados e completamente necessários, para o bem ou para o mal. Inextricáveis. A rede entrelaçada.”Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)