
“Inglês, August: Uma história indiana”, clássico da literatura da Índia, é lançado no Brasil
Upamanyu Foto: Speaking Tiger
Upamanyu Foto: Speaking Tiger
“Inglês, August” é considerado o “O apanhador no campo de centeio” indiano e foi best seller quando lançado no país asiático em 1988
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
Agastya Sen é um jovem indiano de 24 anos. Parte de certa elite do país, o personagem viveu, até então, entre metrópoles como Calcutá e Nova Delhi. Acostumando-se, assim, com o ritmo e as possibilidades que as grandes cidades têm a oferecer.
Até que uma mudança de paisagem se impõe: como parte de um treinamento para adentrar o serviço público da Índia, o jovem é direcionado para a quentíssima cidade de Madna, no interior do país. Se quentíssima poderia ser uma metáfora para a efervescência social e cultural de um lugar – das cidades de Calcutá e Nova Delhi, por exemplo – aqui o uso do termo é no sentido literal. O calor abrasador e os mosquitos serão companheiros inseparáveis do protagonista nesta sua incursão na realidade interiorana.
“Inglês, August: Uma história indiana” é o romance de estreia de Upamanyu Chatterjee. O livro foi traduzido pela primeira vez no país por José Geraldo Couto e lançado pela editora Carambaia.
Em Madna, Agastya lida com frequência com a solidão. O sentimento de desencontro, de não identificação e pertencimento com esse novo espaço geográfico e social parece aflorar ainda mais algo que já era latente em seu interior. Órfão de mãe desde muito jovem, ele lida com a ausência do pai, um bem sucedido Governador de Distrito. Quando sozinho, Agastya busca refúgio em prazeres como a maconha e a masturbação, enquanto reflete sobre aquele mundo que observa ao seu redor.
Se a solidão é um sentimento importante na construção do jovem, ele sabe circular com desenvoltura pelos mais diferentes ambientes. Se relacionando, assim, com uma miríade de personagens. No contato com colegas de trabalho, funcionários, turistas e cidadãos comuns, o romance cria um retrato vívido do interior da Índia, seus aspectos políticos e sociais. Quanto mais Agastya se relaciona, mais conseguimos mergulhar tanto na paisagem indiana, quanto na paisagem interior do próprio protagonista.
Buscando um lugar ao sol no serviço público indiano – onde, anualmente, milhões de pessoas prestam provas na tentativa de uma vaga – o jovem passa a lidar diretamente com a burocracia e a procrastinação. Dois companheiros aparentemente inseparáveis do trabalho ali. A burocracia parece se enredar por todo o ambiente, não apenas no trabalho, mas nas próprias relações sociais. No posfácio do livro, o escritor Akhil Sharma destaca o caráter de romance de formação“Inglês, August” – sem dúvidas uma da categorias principais onde essa narrativa se encaixa – no que um amigo dele rebate: “De jeito nenhum, era um romance sobre um procrastinador”. No fim, para Sharma, ambas as descrições estão corretas.
Publicado em 1988, pouco mais de 40 anos depois da Independência da Índia, o passado de colonização é inerente à narrativa de Chatterjee. Seja na presença da língua inglesa – um dos muitos idiomas falados no país -, nos costumes do antigo colonizador que permanecem naquela paisagem social ou nos traumas que fundam essa jovem democracia, por exemplo. Gandhi – líder e símbolo da revolução – é outra presença constante na história. Não em carne e osso, mas na memória e numa série de estátuas mal construídas que são regularmente erguidas em diferentes localidades.
No texto de Upamanyu, tanto o protagonista quanto a própria nação parecem se encontrar num intenso processo de construção da própria identidade. É curioso como Chatterjee discute, ainda, o caráter mítico que ronda a cultura indiana, direcionando um olhar ácido aos estrangeiros ricos que identificam no país, com sua multiplicidade de cenários sociais, o destino ideal para um ano sabático e de reencontro pessoal.
Numa linguagem marcadamente sagaz – por vezes, mordaz – Upamanyu Chatterjee escreveu um verdadeiro clássico da literatura daquele país. “Inglês, August” carrega o subtítulo “Uma história indiana”. Se nos diz de “uma história” entre muitas, este romance de estreia carrega entre suas páginas uma das principais características de uma grande narrativa: a maneira como, vindos de culturas e vivências diferentes – ou até mesmo opostas – conseguimos nos identificar. Um clássico é um clássico.
Encontre “Inglês, August: Uma história indiana” aqui.
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel.
Publicado por Gabriel Pinheiro
Publicado em 04/07/23