Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Mostra Indie chega à 21ª edição a partir desta quinta

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A programação do Indie 2023 traz 21 longas de 13 países, divididos em três seções: Mostra Mundial, Première e Clássica

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Quando a Mostra Indie inaugurou a sua primeira edição, em 2001, os tempos, definitivamente, eram outros. Para citar um exemplo, à época, a capital mineira ainda contava com alguns cinemas de rua dedicados à exibição dos chamados filmes de arte. Caso do Usina Unibanco de Cinema, que funcionava no bairro de Lourdes, precisamente, na rua Aimorés. Foi lá, aliás, que o evento debutou.

Cena de "Viver Mal", do diretor João Canijo
Cena de "Viver Mal", do diretor João Canijo

Passados 22 anos, a 21ª edição do Indie entra em cena nesta quinta-feira, mantendo o espírito que a caracteriza, mas também atenta aos tempos atuais. Até o dia 31 de maio, a programação apresenta 21 longas de 13 países. Os filmes estão divididos nos programas Mostra Mundial, Première e Sessão Clássica.

As exibições da Mostra Indie, que é realizada pela Zeta Filmes, acontecem no Centro Cultural Unimed-BH Minas e terão entrada franca.

Identidade

Um dos nomes à frente da Zeta Filmes, Daniella Azzi confirma que, no curso dos anos, o Indie firmou uma identidade, que, mesmo em tempos de streaming, prefere, claro, preservar.

Primeiramente, é preciso salientar que o Indie direciona o foco para a produção internacional. “Este ano, (o processo curatorial) foi bem especial, pois conseguimos trazer filmes que estavam em Berlim, agora”, diz ela, referindo-se à 73ª edição de um dos mais icônicos festivais de cinema mundiais, que aconteceu em fevereiro passado.

“Habitualmente, a gente constrói a programação a partir dos lançamentos dos festivais que têm o mesmo perfil (procurado pelo Indie)”, assinala Daniella. “Assim, tem filmes de diretores já reconhecidos, mas também tem de novos, filmes experimentais”, explana ela.

Sessão Première

A sessão Première, explica ela, traz cinco filmes que vão entrar em cartaz daqui a algum tempo. Caso de “Passages”, que deve entrar na plataforma MUBI em setembro. Dirigido pelo estadunidense Ira Sachs, “Passages” tem roteiro do brasileiro Mauricio Zacharias. Foi rodado em Paris e traz, em cena, os atores Franz Rogowski, Ben Whishaw e Adèle Exarchopoulos (“Azul é a Cor Mais Quente”).

“EO”, do diretor polonês Jerzy Skolimowski, já arrebatou vários prêmios (Frame)

E, ainda, “EO”, do diretor polonês Jerzy Skolimowski, 85. Lançado em Cannes em 2022, o longa recebeu o Prêmio do Júri, Concorreu, também, ao Oscar de Melhor Filme Internacional. O filme é protagonizado por um burro, nascido em um circo polonês, em percurso que vai deste país à Itália, numa espécie de road-movie. O elenco conta com a poderosa Isabelle Huppert.

Trata-se de uma homenagem do cineasta ao filme francês “Au Hasard Balthazar” (1966), de Robert Bresson. “Mas não é a mesma história, só mesmo a ideia do personagem principal”.

Aliás, o Indie traz, na sua programação (na seção Clássica), o filme de Bresson, que aqui no Brasil foi chamado de “A Grande Testemunha”.

Mostra Mundial

A Mostra Mundial, por sua vez, traz filmes que podem até entrar em circuito, mas certamente vão demorar mais um tempo. São dez títulos.

Já de pronto, desperta a curiosidade o caso do cineasta português João Canijo, que dirigiu dois filmes que se relacionam. Um deles, “Mal Viver”, faturou o Urso de Prata – Prêmio do Júri na Berlinale (2023). Nele, o foco são cinco mulheres de uma mesma família, de diferentes gerações, que administram um antigo hotel familiar em decadência. “O hotel é lindo, antigo”, diz Daniella.

Em “Mal Viver”, cinco mulheres de uma mesma família tocam um hotel

Já em “Viver Mal”, o foco são os hóspedes do mesmo hotel em um fim de semana, com seus dramas e conflitos. “O primeiro é a história da família, e, ao fundo, tem os hóspedes que chegam para o fim de semana. No outro, já são os hóspedes. É interessante, denso, dramático, muito bonito. Dá para ver um, em um dia, e, no outro, o segundo”, aconselha Azzi.

Sherlock Homes de saias (e argentina)

“Trenque Lauquen” (foto abaixo), da diretora argentina Laura Citarella, por sua vez, é um filme de quatro horas, mas dividido em duas partes. A protagonista é a cientista Laura, citada, no material informativo da mostra, como “uma espécie de Sherlock Holmes feminina, em busca de histórias de vida de outras mulheres que eram desconhecidas, ou escondidas, em uma pequena e pacata cidade argentina”.

“A personagem descobre umas cartas antigas em um livro de uma biblioteca. O primeiro filme é mais uma busca mesmo. Evidentemente, o ideal seria o espectador assistir aos dois em sequência, mas, como sabemos que nem sempre as pessoas têm tempo, dá para escolher, por exemplo, ver só a primeira”.

Da diretora alemã Angela Schanelec, o Indie traz “Music”, Urso de Prata de Melhor Roteiro na Berlinale. A história, informa a sinopse, é livremente inspirada no mito de Édipo.

O cineasta belga Bas Devos marca presença no Indie com “Here”, Prêmio de Melhor Filme na mostra Encounters da Berlinale desse ano.

Cena de “Here”, de Bas Devos

“Here” é descrito como “um filme que traz a humanidade possível e a calma entre as pessoas, a natureza e as diferenças”.

Outros destaques

O francês André Téchiné, que em março completou 80 anos, apresenta “Almas Gêmeas”, que traz, no elenco, dois jovens atores que têm se notabilizado pelo talento: Noémie Merlant (“Retrato de Uma Jovem em Chamas” e “Tár”) e Benjamin Voisin (que esteve no Brasil em 2021, no Festival Varilux, a bordo do genial “Ilusões Perdidas”).

Noémie Merlant e Benjamin Voisin em cena de “Almas Gêmeas” (frame)

Na tela, eles vivem dois irmãos, Jeanne e David. Este é gravemente ferido no Mali e, a partir daí, passa a ter problemas de memória. De volta à França, ele passa uma temporada em uma casa nos Pirineus, entre montanhas e lagos. Naquele cenário idílico, Jeanne tenta ajudá-lo a resgatar as lembranças, mas David não parece disposto a se reconciliar com o que era.

O diretor iraquiano Abbas Fahdel completa sua trilogia libanesa em “Tales of The Purple House” (foto abaixo). Desta vez, flagra o refúgio que se tornou sua casa no Líbano, dividida com a pintora Nour Ballouk. Daniella lembra que é um filme que talvez nem entre em circuito. “Fahdel é bem conhecido pelos documentários. Este filme foi feito no meio da pandemia, na minha opinião, tem que aproveitar (a exibição no Indie)”, opina.

O time se completa com dois diretores estreantes: a mongol Qiao Sixue, com “The Cord Of Life”, filmado na Mongólia Interior; e o chinês Kong Dashan, com a comédia sci-fi absurda “Journey To The West”.

Clássicos

A Sessão Clássica, da Indie, é, como o próprio nome indica, dedicada aos filmes clássicos restaurados e cults. Em homenagem a Jean-Luc Godard, falecido em setembro do ano passado, o Indie exibe seu primeiro filme, “Acossado”, realizado em 1960.

O programa traz outros clássicos em P&B, como “Estranhos no Paraíso” (1984), de Jim Jarmusch; “Hiroshima, Mon Amour” (1959), de Alain Resnais, e “Stromboli” (1950), de Roberto Rossellini.

Também estão neste escaninho a cópia digital restaurada em 4k do primeiro filme do diretor português Pedro Costa, “O Sangue”. “É um filme muito conhecido no circuito de festivais”, aponta Daniella Azzi. Realizado em 1989, em 35mm, traz a história de dois irmãos e um segredo.

Cena de “O Sangue”, do diretor português Pedro Costa

E, como já assinalado, “A Grande Testemunha”, de Bresson.

Cenário atual

Daniella aponta que, apesar de manter seu DNA, o Indie não é, de modo algum, refratário a mudanças – inclusive pelos realizadores estarem cientes dos vários processos que, nos últimos anos, vêm impactando diretamente o cinema.

“Na verdade, o cinema – pensando, em particular, no cinema de arte e nas salas de exibição de rua – já vinha passando por um momento difícil. Entretanto, com a pandemia, piorou muito”, lamenta ela.

Gap geracional

Azzi se refere, por exemplo, a uma parcela do público que, hesitante, ainda não voltou a frequentar cinemas como antes da pandemia. “E há, ainda, uma questão que chamo de gap geracional”. Ela se refere às gerações mais jovens, que não procuram tanto os festivais como as gerações anteriores.

“Claro, gente sabe dos custos que envolvem ir ao cinema nos dias atuais, até mesmo a questão do transporte. Mas o que mais queríamos é que o cinema de arte, de rua, o cinema independente, atraísse os mais jovens como anos atrás”. Vale lembrar que mostras já extintas, como a Paulo Arbex, atraiam um público considerável, que muitas vezes passava a tarde no cinema vendo uma sessão seguida a outra.

Havia, na cidade, um número razoável de salas de exibição direcionadas aos filmes de arte – caso do Pathé, Nazaré (em seus últimos anos de atividade), Savassi Cineclube, o já citado Usina, o La Bocca ou o Cine Imaginário, para citar alguns.

Acessibilidade

O Indie traz também dois filmes com recursos de acessibilidade com Libras, audiodescrição e legenda descritiva: “Acossado”, de Godard, que será exibido em duas versões, com acessibilidade e sem acessibilidade; e o filme argentino “O Futuro Perfeito”, de Nele Wohlatz.

Realizado pela Zeta Filmes, o Indie é viabilizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte com patrocínio do Mater Dei, apoio do Centro Cultural Unimed-BH Minas e apoio cultural da Cinemateca da França.

Serviço

21º Indie
Quando. 25 a 31 de maio/2023
Onde. Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes)
Quanto. Entrada franca.

Outras informações no site do evento e nas redes sociais do Indie

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