O ator, diretor e pensador Amir Haddad é o convidado do projeto que, nesta edição, se desdobra em dois dias, sexta e sábado
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Iniciativa tradicional na programação do Galpão Cine Horto, o Sabadão Especial deste mês de agosto terá, excepcionalmente, o seu início nesta sexta-feira, dia 11. Mas por um ótimo motivo. É que a nova edição receberá, naquele que é um dos espaços culturais mais diletos da cidade, ninguém menos que o o ator, diretor e professor de teatro Amir Haddad. Nome icônico do universo das artes cênicas brasileiras, e um dos fundadores do Teatro Oficina, Haddad é um dos mentores do grupo Tá na Rua. Com mais de 40 anos de atividade, a iniciativa propõe a ocupação de espaços públicos de modo a efetivamente democratizar o acesso à arte.
Assim, a programação do Galpão Cine Horto preve, para a sexta, a exibição do documentário “Cirandeiro em III Atos”, de Cláudio Boeckel. Tal qual, o lançamento do livro “Amir Haddad de Todos os Teatros” (Editora Cobogó), organizado por Claudio Mendes e Gustavo Gasparani. Já no sábado, às 14h, acontecerá, no Teatro Wanda Fernandes, do Cine Horto, “O Teatro de Amir Haddad: Palestra e Encontro”. A entrada é gratuita.
Visita breve
“Alô, Belo Horizonte, estou chegando”, brinca Amir Haddad, na entrevista ao Culturadoria. Em seguida, o homem de teatro deixa claro, claríssimo, que está muito feliz de voltar a Minas para este evento. “Mas muito feliz mesmo. Pena que vou ficar tão pouco. Não vai dar tempo nem de comer pão de queijo – só para fazer uma piada sem graça”, prossegue ele, divertido.
Na verdade, Amir Haddad chega a BH na própria sexta-feira e, no sábado à noite, já estará voltando para o Rio de Janeiro, onde mora. Mesmo a nova passagem pela cidade seja ligeira, ele afiança: “Tenho certeza que vai ser intensa, a troca”.
Livro e documentário
Na verdade, tendo nascido na cidade mineira de Guaxupé, em 2 de julho de 1937, Haddad foi criado em São Paulo, mas já está há tempos radicado no Rio. Aliás, ele conta que foi por meio do teatro de rua que passou a amar ainda mais a “cidade maravilhosa”. Mesmo com a distância de sua terra natal, as viagens a Minas sempre foram uma constante em sua trajetória. “Coincidentemente, neste momento, já estou há algum tempo sem ir a Belo Horizonte. Também por isso estou achando interessante voltar neste momento, levando o livro, o documentário. Ou seja, um material interessante, palpável. Os mineiros que nos procurarem terão, então, a possibilidade de segurar com as mãos parte do meu pensamento vivo”.
Além do livro, Amir Haddad confessa estar levando, “no meu embornal, uma porção de coisinhas para deixar na casa dos meus amigos, vizinhos de Minas Gerais”. “Umas lembrancinhas”.
O livro
Sobre o livro “Amir Haddad de Todos os Teatros”, o diretor e professor enfatiza que nunca se propôs a ser o responsável pela escrita. “Embora a minha vida inteira eu tenha escrito coisas. Pelo ofício, por necessidade, por exercício, por reflexão, acaba que você é obrigado a escrever coisas. Não sou escritor, mas considero que escrevo bem quando me proponho – só que tenho dificuldade em me propôr”, reconhece, sincero.
Amir Haddad prossegue: “Falo bem, dou muitas aulas e tal, mas acabo não escrevendo. Agora, anotações, tenho muitas. Feitas ao longo da vida. Do mesmo modo, foram muitas as vezes em que falei coisas que foram gravadas e, depois, transcritas. E foi esse material que o Cláudio e o Gustavo utilizaram para o livro”. Assim, não foi um material escrito com o propósito de embasar um livro. “Ou seja, esse material já existia, e era interessante. Na verdade, eu também achava que daria um livro, mas foram eles que chegaram com interesse, grandeza, generosidade. Daí, separaram o que acharam melhor e prepararam esse volume”.
Testemunho
A obra, prossegue ele, porém, traz uma parte que é mais recente. E pessoal. “Mais subjetiva, vamos dizer assim. É que, ao pensar em fazer um volume com essas minhas ideias a respeito do teatro, eles também quiseram um testemunho meu desse momento. Então, o (jornalista e crítico de teatro) Daniel Schenker fez algumas entrevistas comigo – e o resultado também está no livro. O que, na minha opinião, faz da obra um objeto interessante. Uma fonte de consulta a respeito do meu modo de ser, do meu pensamento. Eu confesso que gosto muito desse livrinho. Não é um livrão, não é uma coisa massuda. É atraente, inteligente, interessante”.
Amir Haddad destaca, ainda, que o leitor pode fruir o conteúdo com facilidade. “Não enche o teu saco de jeito nenhum. E, ao mesmo tempo, através dele, as ideias fluem permanentemente, do começo ao fim. Vou dizer que é um livro que eu aconselharia ao meu pior inimigo. Certamente se tornaria uma pessoa melhor”, diz, rindo.
Interação com o espaço público
No material de divulgação do Sabadão enviado à imprensa, há uma frase do ator e diretor Chico Pelúcio, diretor geral do Galpão Cine Horto, que se destaca. Ela diz respeito à influência de Amir Haddad no trabalho do Grupo Galpão. É a seguinte: “O teatro do Amir nos ensinou o lado vivo e pulsante da rua, a possibilidade de um teatro em diálogo direto com o espectador. Essa interação radical com o espaço público, com a arquitetura e o público. É muito instigante”.
Sim, o apreço de Amir Haddad pelo espaço público é sabido. O ator e diretor já falou muito sobre o tema, em várias oportunidades. Mas, claro, é impossível não abordar este tópico em uma conversa com o próprio. E ele, solícito, não se furtou a, mais uma vez, discorrer sobre o tema. De pronto, alerta: “A saída para o espaço aberto modifica tudo. Não há termo de comparação”, diz, num comparativo às salas de teatro convencionais. “São coisas absolutamente diferentes”, estabelece.
Para Amir, uma coisa é trabalhar num espaço fechado, normalmente em teatro, tendo um palco e, em frente, a plateia, sentada. Neste modelo convencional, uma cortina separa plateia e palco. Quando ela se abre, revela o(s) ator(es). “Só que ele também fica separado dessa plateia”, pontua Haddad.
Na rua
Quando esta estrutura, essa arquitetura, porém, é abandonada, deixada de lado em prol da rua, muito se modifica, advoga o mestre. “Mas é muita coisa, muita coisa mesmo. Difícil inclusive explicar em poucas palavras. No entanto, o que quero dizer é que o teatro é uma arte pública. Primeiramente, ressalte-se que o teatro não nasce nas salas fechadas dos espaços da burguesia conforme nós hoje o conhecemos. Aliás, esse é um lugar no qual ele (teatro) foi instalado por contingências históricas, sociológicas, sociopolíticas, ideológicas. O que você quiser. Mas não é esse o lugar dele. Ele está nesse lugar, mas não é esse o lugar dele”, defende Haddad.
Amir Haddad pontua que, quando o Tá na Rua, assim como outras companhias que privilegiam o espaço público, foi buscar as ruas, de modo algum havia em mente o objetivo de ocupar um “novo lugar”. “Fomos, sim, reconhecer o teatro no lugar de onde ele efetivamente veio. Nós não fomos ‘devolver o teatro para o povo’, nós fomos buscar o povo para o teatro, entende? Porque o teatro tinha se afastado demais de suas origens populares. Então, quando a gente foi para a rua, não estamos em uma ‘missão evangélica’, do tipo ‘levando a boa nova’ para a plateia. Não é o pensamento de ‘vamos levar a cultura para os ignorantes da rua’. Nada disso”, enfatiza.
A surpresa que são as ruas
Pelo contrário. Trata-se de um movimento de voltar às origens para, assim, recuperar a força do fazer teatral. “Porque a verdade é que, onde a gente estava, nós estávamos enfraquecidos. Não havia mais sentido estar ali. Historicamente, esse modelo de apresentação de espetáculo, ao menos para a gente, estava ultrapassado. E era preciso urgente encontrar uma maneira que tivesse futuro”.
Então, o espaço aberto aparece como uma solução. “Agora, ao ir para a rua, a surpresa que você tem é enorme. Você não só se livra de um equipamento obsoleto, historicamente ultrapassado, como entra em contato com uma realidade absolutamente surpreendente. Quem faz o teatro da sala fechada não pode imaginar o que seja”.
Na sequência, Amir Haddad explica: “Nas ruas, primeiramente você começa a entrar em contato com o espaço aberto. Então, não há nenhuma parede delimitando o alcance do seu trabalho. Assim, ele (alcance) será medido pela sua atuação, tanto quanto pela recepção, pela resposta do público que está à sua volta. Isso aí já é uma outra maneira de sentir o espetáculo e de sentir o palco. E a outra coisa é que você não seleciona o público”.
Heterogeneidade
Para o ator e diretor, o público que vai às salas fechadas, de pronto já é um público selecionado. “Você não vê mistura de classes nas salas. Pode ser que haja um teatro que seja popular, voltado só para operários, só para os mais pobres. Pode ser que seja um teatro para a classe média. Mas você não vê essas classes sociais misturadas numa mesma sala de espetáculo. É muito raro, muito raro mesmo. Você vê a diferença de preço de ingresso, mas a classe social à qual esses espectadores pertencem é a mesma. Você, representando numa sala fechada para 500 pessoas, pode ter certeza que elas pertencem ao mesmo segmento social. Tirando pequenas diferenças, todos são absolutamente iguais”.
Amir Haddad vai além. “Se você fotografar uma por uma, ou tirar a roupa de uma por uma, vai ver que todos têm as roupas de baixo absolutamente iguais. Elas nem por fora nem por dentro são diferentes. São exatamente a mesma coisa”. O que não acontece na rua. “Nas ruas, a composição da plateia é absolutamente democrática. Portanto, você deixa de representar para uma plateia homogênea e passa a representar para uma absolutamente heterogênea. Isso faz toda a diferença”.
Sem cacoetes ideológicos
Na rua, afiança Amir Haddad, um ator ou grupo pode estar se apresentando para um universo de dez pessoas, que seja. “Mas, inevitavelmente, pela circunstância do espaço, aquelas dez pessoas ali possivelmente são representativas de toda a população da cidade. Porque se encontram, se organizam, em torno de seu trabalho, todo e qualquer cidadão, sem distinção de espécie alguma. Ainda mais que não é cobrado nenhum ingresso. Então, você tem a cidade à sua volta. Assim, sua representação tem que se destituir totalmente dos cacoetes ideológicos da classe à qual você pertence. E você precisa tentar entrar em contato com a população que está ali à sua frente sem distinção de nenhuma espécie. Isso é uma coisa muito boa! Um exercício democrático de liberdade de expressão”, brinda.
Ao mesmo tempo, há um (saudável) cair na real de quem está ocupando o centro das atenções. “Você se entende como um cidadão que é totalmente dominado pela ideologia da classe a que pertence, e, do mesmo modo, que, para se comunicar com a liberdade da rua, precisa abandonar esses padrões ideológicos. Despir esse colete ideológico. Tirar a camisa de força da ideologia, como a gente fala, e vestir os trapos coloridos da fantasia. Porque é disso que se trata quando se trabalha no espaço aberto. Então, é muita liberdade. E vale muito a pena. Quando você trabalha no espaço aberto, entra em contato com a cidade”.
Confira, a seguir, outros tópicos da entrevista
Relação com Minas
“Já estive em Minas Gerais profissionalmente muitas vezes. Frequentemente vou a Minas, já trabalhei muito em Belo horizonte, já trabalhei em Ouro Preto. A minha relação com Minas independente da minha origem mineira. Ela é muito forte, mas não por causa da minha origem, e, sim, pelo meu trabalho. Da natureza do meu trabalho e do interesse que os mineiros têm por esse trabalho. Então, eu frequentemente tenho ido a Minas”, conta Haddad.
Mineiridade
Sendo mineiro, prossegue Haddad, a mineiridade é uma característica marcante em sua persona. “Mesmo que você não esteja mais em Minas Gerais, é uma coisa que não sai de você. Isso é muito forte dentro de mim, sempre foi muito forte. Na minha família, era fortíssimo, desde que eu era criança. Era muito mais Minas Gerais do que qualquer coisa, embora a gente já estivesse morando no interior do estado de São Paulo. Mas Minas nunca saiu da minha casa, nunca saiu do meu cotidiano, nunca saiu dos corações e mentes dos meus familiares que tinham crescido em Minas e, depois, ido para São Paulo. Nós somos mineiros, nós nos declaramos mineiros e nos assumimos mineiros mesmo. E assim ficamos. Cresci no interior do estado de São Paulo, mas em nenhum momento eu tive condições de esquecer que era mineiro. Eu sou mineiro”.
“Persigo a vida”
Perguntado sobre que temas pretende abordar na conversa com o público, Amir Haddad é enfático: “Olha, eu não sou uma pessoa muito prevenida, não. E eu não estabeleço o que eu vou ver, o que eu vou fazer. Eu posso garantir uma coisa: tudo o que tem no livro, eu sei. Tudo que está ali dentro são ideias minhas. Não tem nada ali que eu não saiba falar a qualquer momento, de qualquer jeito, como aparecer na minha frente. Agora, que eu vá organizar uma listinha, daquelas, tipo com cartões inscritos, (norteando) o que eu vou falar, isso nunca fiz na minha vida e não vou fazer”.
Reagir às sugestões, sim. “Reagir aos estímulos, às provocações. E vamos conversar sobre esse assunto que é o teatro, o meu teatro, o teatro que eu faço, entende? Vamos falar disso a partir de um livro, que é uma coisa real, concreta e que vai estar nas minhas mãos. Portanto, ao alcance das pessoas. Agora, o que vou falar, como vou falar, a ordem que vou falar, isso nunca passou pela minha cabeça em nenhum momento da vida. Nem o teatro que eu faço, que tem um texto escrito, faço com esse rigor”, sustenta.
Amir Haddad lembra que, no processo de ensaios, pode, sim, começar pela cena do meio. “Aliás, muitas vezes comecei pela última cena, depois é que chego na primeira”. Em suma, ele diz não ter a necessidade de seguir sofregamente um pensamento lógico e racional a respeito do que está fazendo. “Eu nunca persegui isso. Eu persigo a vida, sempre”.
Serviço
Sabadão Especial Amir Haddad
11/8 (Sexta-feira)
19h Exibição do filme “Cirandeiro em III Atos”
20h30 Lançamento do livro “Amir Haddad de Todos os Teatros” (Editora Cobogó) / Bate-papo com Amir Haddad, Cláudio Mendes e Cláudio Boeckel
(Cinema do Galpão Cine Horto)
12/8 (Sábado)
14h Sabadão O Teatro de Amir Haddad: Palestra e Encontro
(Teatro Wanda Fernandes – Galpão Cine Horto)
Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto)