
A Praça da Liberdade e seus ipês, no traço de Estevam Gomes (Divulgação do artista)
De forma colorida e cativante, o artista visual Estevam Gomes recria cartões-postais da capital mineira, como a rua Sapucaí
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Estevam Gomes sempre questionou o motivo de, mesmo a capital mineira possuindo tantos pontos icônicos, principalmente no que tange à arquitetura, a cidade ser tão pouco presente no campo das artes visuais – à exceção, talvez, da fotografia. “Claro, existem várias iniciativas (leia algumas das que ele citou no final desta matéria), mas, se compararmos à quantidade de representações de cidades como Ouro Preto, por exemplo, Belo Horizonte fica muito atrás”, aponta ele.
A curiosidade de Estevam encontra justificativa em um dom que desenvolveu a partir da infância: a capacidade de desenhar. Arquiteto de formação, inclusive com graduação na área, o mineiro, hoje com 32 anos, sempre exibiu destreza no manejo dos lápis, executando desenhos que angariavam elogios.
Aliado a isso, há que se destacar que Estevam sempre gostou de andar a pé pela cidade – assim, como um legítimo flâneur. No curso desta prática, ele sempre aproveita para observar a paisagem do entorno: não só a natural, como a pensada e criada pelo homem.
Viralizando
Bem, desnecessário dizer que os dois interesses acabaram encontrando seu jeito de convergirem e, daí, lá foi Estevam colocar seu traço a serviço do registro de pontos da cidade que ficavam retidos em sua mente. Graças ao Instagram, a postagem do resultado de seu trabalho só fez conquistar likes. E seguidores. Logo, os desenhos, que são feitos no computador, viralizaram, fazendo o moço inclusive ser procurado por grandes jornais e portais da cidade.

Os desenhos de Estevam retratam, por exemplo, pontos icônicos da capital mineira, como a Praça Sete (com o famoso “Pirulito”) ou a Praça da Liberdade. Ou, ainda, a famosa mureta da Rua Sapucaí, de onde, aliás, é possível avistar as empenas de prédios que se transformaram em murais gigantes por meio dos artistas convidados pelo projeto Cura – Circuito Urbano de Arte.
Capa para Kdu dos Anjos
Estevam conta que desenhar sempre foi uma atividade recorrente em sua vida, mas, até antes da pandemia, trabalhava mais para projetos específicos, sob encomenda. Caso de capas de discos, como os da banda Dom Pepo e o álbum “Azul”, de Kdu dos Anjos.
“No entanto, sempre tive o sonho de desenvolver um trabalho mais autoral”, registra ele. Foi com a imposição da quarentena que o desejo acabou se realizando. “Em março de 2020, me mudei para São Paulo. Me lembro que cheguei numa quinta-feira e, no domingo, começou o isolamento”, recorda-se ele. “Portanto, nem sei se posso dizer que de fato morei em São Paulo”, brinca Estevam.
Já na segunda-feira seguinte, a então namorada de Estevam, que foi sua colega na faculdade, e com quem tinha se mudado de mala e cuia para a capital paulista, passou para o sistema home office. Estevam, por seu turno, se viu subitamente sem trabalho. “Veja, à época, eu fazia muitos cartazes para festas, eventos, capas de CDs… E, com a pandemia, tudo foi sendo cancelado de uma hora para outra”, lembra. “Foi aí que me dei conta de que era chegada a hora de, enfim, desenvolver o tal trabalho autoral – até mesmo para manter a minha sanidade mental”, constata.
Pesquisa apurada
Nisso, passaram-se seis meses. Quando o dinheiro que havia juntado para viver em São Paulo acabou, Estevam não viu saída senão voltar para sua cidade. Sorte que, a partir dali, ele também começou a ganhar algum dinheiro com o seu lado desenhista.
Embora o desenho seja finalizado no computador, o processo começa de forma manual, orgânica. Em suas citadas andanças, Estevam não se furta a tirar fotos de lugares ou detalhes que cooptam sua atenção. Ao mesmo tempo, quando acessa as redes sociais, como o Instagram, não resiste a printar fotos de pontos da cidade que são postadas pelos perfis que segue, e que lhe chamem a atenção.
Neste caso, pode ser uma foto de um céu inspirador ou de lugares como o Mercado Novo. “Vou salvando, organizando em pastas.. Quando finalmente decido o próximo lugar da cidade que vou retratar, porém, volto pessoalmente a ele, para estudar um pouco mais, rever, me certificar. E só a partir daí dou início ao processo”, narra.
Dezenas de horas
Na verdade, Estevam por vezes se permite uma licença poética. Mesmo tendo as fotografias (suas e de outras pessoas) como calço para seus traços, ele constrói a imagem final do desenho a partir de fragmentos de vários cliques. “Tipo uma colagem digital”, resume.

Não se trata, de modo algum, de um processo fácil. No caso de alguns trabalhos, aliás, Estevam chegou a ter o cuidado de contabilizar o tempo gasto até a obtenção de um resultado que lhe parecesse satisfatório. O que retrata o Edifício Arcangelo Maletta, vale dizer, demandou, somadas, 160 horas. Já o da Rua Sapucaí, 180 horas.
O que reproduz um canto da Praça da Liberdade, nada menos que 200 horas. “Mas chegou um momento em que cansei de ficar marcando”, confessa. Atualmente, Estevam está com um desenho in progress, que retrata a Praça da Estação.
Arte reproduzida em cadernos
Mesmo com a repercussão positiva, Estevam reconhece que ainda não conseguiria viver apenas da venda da sua arte autoral. “Mesmo porque, não é constante”, enfatiza, sobre o fluxo de vendas. Até o ano passado, vale dizer, elas ficavam mais concentradas no período do lançamento de cada desenho.

Mais recentemente, Estevam também passou a participar de feiras, começando, assim, a ter um fluxo mais constante de vendas. Hoje, suas artes estampam produtos como cadernos e imãs.

Estevam conta que, na verdade, na sua infância, na verdade era seu irmão quem mais se sobressaia no desenho. “Ele desenhava muito bem, então, eu ficava observando e copiando. A partir daí, acabei me destacando na minha faixa etária. E, quando isso acontece, você acaba sendo incentivado, passa a ganhar lápis de cor de presente, cadernos”, enfatiza. Na Faculdade de Arquitetura, o fluxo acabou sendo interrompido, por conta das exigências das disciplinas. Ao menos temporariamente. E sim, mesmo ele tendo feito mestrado, acabou sendo fisgado novamente pelo desenho, autoral ou por encomenda.
Celton, Jão, Urban Sketchers BH
Ah! Entre as outras iniciativas de artistas que destacam, em seus trabalhos, a capital mineira, por meio do desenho, Estevam cita exemplos como Lacarmélio e Jão, além do grupo Urban Sketchers BH.
Quadrinista, ilustrador, diretor artístico, curador, produtor cultural e editor, além de desenvolver animações 2D, Jão atua desde 2007. Em 2015, lançou sua primeira novela gráfica, “Baixo Centro” (Miguilim).
Já Lacarmélio Alfeo de Araújo é conhecido na cidade por muitas vezes comercializar seus gibis, independentes, nos sinais de trânsito. De terno, ele é visto em vários pontos, correndo entre os carros com a placa que anuncia a nova história. Aliás, o artista acabou conhecido pelo nome do seu mais famoso personagem, Celton.
O grupo Urban Sketchers BH, também citado por Estevam, pode ser acompanhado no perfil da iniciativa no Instagram.
Saiba mais em www.estevam.art.br