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Literatura

“Esperando Bojangles” trata com leveza o peso de temas como o sofrimento mental

Olivier Bourdeaut. Foto: Serge Corrieras

Olivier Bourdeaut. Foto: Serge Corrieras

“Esperando Bojangles”, do francês Olivier Bourdeaut é tema de podcast apresentado por equipe do Culturadoria

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

Um pequeno núcleo familiar. Pai, mãe e filho. O garoto não cansa de se maravilhar com o amor compartilhado pelos pais. Um casamento que se constrói diariamente na intensidade da leveza, por mais estranho que isso possa parecer. Leve e intenso. Como pode ser? Mas é. Não apenas esse amor, mas o livro que nos conta sua história singular. “Esperando Bojangles”, do francês Olivier Bourdeaut, foi lançado pela Autêntica Contemporânea, com tradução de Rosa Freire d’Aguiar.

A normalidade é uma exceção no lar francês apresentado por Olivier Bourdeaut. Um fino véu do onírico parece cobrir o olhar de seus personagens: uma lente que transforma a relação destes com o mundo que os rodeia. Mamãe não possui um nome. São vários. Dia após dia, papai inventa um novo. Hoje ela tem cara de Marguerite. Amanhã, será Reneé. “Nunca entendi direito por quê, mas meu pai nunca chamava minha mãe pelo mesmo nome mais de dois dias seguidos”. No piso da entrada, os ladrilhos, intercalados entre preto e branco, se transformam em um grande e inusitado tabuleiro de damas. Mademoiselle Supérflua, um pássaro grande e exótico, cheio de personalidade, é o animal de estimação. 

O clima da Era do Jazz

Há um quê de F. Scott Fitzgerald na maneira como Olivier Bourdeaut constrói aquele ambiente, que parece tomado pelos aromas inebriantes do jazz e dos coquetéis. Ali, a vida é uma festa. Não são necessários motivos para celebrar. “Meus pais dançavam o tempo todo, em qualquer lugar. Com os amigos à noite, ou só os dois de manhã e de tarde. Às vezes eu dançava com eles”. O sabor agridoce de uma música de Nina Simone preenche os cômodos do apartamento e também dita o tom do próprio livro, uma valsa coreografada entre a alegria e a tristeza. “Mr. Bojangles”, uma canção sobre um senhor que dança, dança incansavelmente, enquanto conta, com lágrimas nos olhos, do cãozinho que foi, por 15 anos, seu fiel companheiro. “Essa música era uma loucura, era triste e alegre ao mesmo tempo, e deixava minha mãe num estado idêntico”. 

Saúde mental

Sob a aparente (a)normalidade daquele peculiar apartamento, um fantasma se esconde. O que começa com episódios esporádicos, torna-se cada vez mais frequente: as alterações de humor da mãe, uma figura fascinante, que carrega dentro de si muitas. Olivier Bourdeaut trata com delicadeza e sensibilidade questões de sofrimento mental na figura materna. Os diagnósticos e tratamentos que o acompanham, o uso de medicamentos e as múltiplas facetas que este pode tomar, transformando em tons de cinza as cores solares de um ambiente familiar. “Os médicos tinham nos explicado que era preciso protegê-la contra ela mesma para proteger os outros. Papai me dissera que só mesmo os médicos que cuidam de cabeça para dizer uma frase dessas.”

Capa de Esperando Bojangles. Editora Autêntica
Capa de Esperando Bojangles. Editora Autêntica

O olhar da criança

Narrado pelo olhar da criança, marcado pelo maravilhamento e o assombro das descobertas, “Esperando Bojangles” parece alcançar o equilíbrio ideal na voz narrativa. Nem infantil demais para o garoto, nem adulta em demasiado – um balanço por vezes intrincado em textos narrados por crianças. “Volta e meia ele me levava ao cinema, e assim, no escuro, podia chorar sem que eu visse. Eu bem que via seus olhos vermelhos ao fim do filme, mas fazia como se nada fosse”. 

Tem livros que são como uma dança. Ditam um ritmo muito específico e nos tomam pelas mãos. Um passo pra lá, um passo pra cá. Quando percebemos, já estamos completamente tomados por seus movimentos, pela coreografia que constroem. Não há nada que desejamos mais do que deixar fluir, nos deixar levar, maravilhados, pelo encanto de suas narrativas, página após página. “Esperando Bojangles” é um desses felizes casos.

Podcast “Conversas Contemporâneas”

A Editora Autêntica acabou de lançar o podcast “Conversas Contemporâneas”. A cada episódio, diferentes convidados se juntarão aos apresentadores para explorar temas que vão além das páginas dos livros do grupo. 

O podcast é apresentado pela jornalista e criadora do Culturadoria, Carol Braga, e por mim, Gabriel Pinheiro. No primeiro episódio, conversamos sobre “Esperando Bojangles”, ao lado de um grupo especial de convidadas: a tradutora Rosa Freire d’Aguiar, a editora e curadora Ana Lima Cecílio e a editora da Autêntica Contemporânea, Rafaela Lamas.

Você pode escutar o podcast nas melhores plataformas. Confira aqui.

Encontre “Esperando Bojangles” aqui.

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel

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