Em “Especulações cinematográficas”, Tarantino escreve sobre o cinema norte-americano dos anos 1970, anos de sua formação enquanto espectador.
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
Um dos maiores nomes do cinema norte-americano contemporâneo, Quentin Tarantino é um profundo conhecedor da história do cinema, dos maiores clássicos àquelas preciosidades soterradas pela poeira do tempo. A filmografia de Tarantino é, por si só, um olhar dedicado para essas muitas histórias e etapas que constroem o que conhecemos como cinema. Uma única cena de um dos seus filmes é matéria para uma longa análise a partir das referências e homenagens ali contidas.
Que deleite é, então, ler Tarantino em sua primeira obra de não-ficção, num mergulho vertiginoso no cinema norte-americano na década de 1970, justamente a época que marca o início de sua formação enquanto espectador. “Especulações cinematográficas” é um lançamento da Intrínseca com tradução de André Czarnobai.
A Nova Hollywood
A partir de um conjunto de obras produzidas e lançadas naquele período, Quentin Tarantino desenha um retrato vívido da chamada Nova Hollywood. Este movimento renovou o cinema norte-americano em diversas frentes – tecnicamente, esteticamente, politicamente – e suas obras continuam a influenciar trabalhos contemporâneos, incluindo a própria produção tarantinesca.
“Especulações cinematográficas” parece a perfeita união entre o rigor intelectual e o tom leve de conversa com alguém apaixonado por determinado tema. Quentin parte da análise técnica para uma conversa profundamente pessoal com o leitor, às vezes, ao longo de uma mesma frase. A paixão e o caos do pensamento tarantinesco transbordam em um texto delicioso, formativo e, sobretudo, profundamente pessoal.
Uma criança e as salas de cinema
Tarantino dá início ao livro de maneira fortemente autobiográfica, narrando o início de sua cinefilia. Assim, circula pelos grandes e históricos cinemas espalhados por Hollywood ainda criança, ao lado da mãe e do padrasto. Ainda que não entendesse inteiramente aqueles filmes – direcionados ao público adulto, não ao infantil – tais obras impactaram de maneira permanente o jovem Quentin. “Como eu tinha permissão para ver filmes que meus colegas de turma não tinham, eles me consideravam muito sofisticado. E, como eu estava assistindo aos filmes mais desafiadores da melhor fase da história do cinema de Hollywood, eles estavam cobertos de razão: eu era mesmo”. É certeira a resposta da mãe, quando o filho a questiona sobre o porquê de poder assistir a filmes que eram proibidos pelos pais dos colegas: “Quentin, eu me preocupo mais com você assistindo ao noticiário. Um filme não vai te fazer mal algum”.
Uma prosa apaixonada mas analítica e crítica
A partir daí, “Especulações cinematográficas” se transforma num verdadeiro catálogo de referências, sempre permeadas pela experiência do autor dentro da sala de cinema. Filmes, cineastas, atores, roteiristas, críticos de cinema. São muitos os nomes que o leitor se vê destacando e anotando. A cada comentário de Tarantino, é crescente a vontade de assistir a determinada obra para buscar ali os signos destacados pelo cineasta, numa prosa que, apesar de apaixonada, é essencialmente crítica e analítica. “Então, se você está lendo esse livro sobre cinema, possivelmente com a intenção de aprender alguma coisa sobre cinema, e está ficando meio perdido com todos esses nomes que não conhece, meus parabéns: você está aprendendo alguma coisa”.
“Especulações cinematográficas” é um encontro bem sucedido entre uma história autobiográfica e uma história maior, com H maiúsculo. Aqui, não digo apenas da história do cinema, mas da própria transformação da sociedade ao longo de um período pré-determinado, passando também pelo cinema e pela cultura. Ao nos dizer daqueles filmes que o transformaram, Quentin Tarantino nos possibilita olhar para a sua própria obra, reconhecendo ali as muitas peças que o transformaram em um dos nomes mais originais nessas últimas três décadas de uma história que segue em construção e transformação.
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Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel.