Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Por que conhecer a arte de Dona Izabel, ceramista do Jequitinhonha?

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Dona Izabel é protagonista da mostra dedicada à arte do Vale do Jequitinhonha no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro, no Rio de Janeiro. 

Por Carol Braga 

É comum as pessoas se emocionarem ao falar de Dona Izabel Mendes da Cunha (1924-2014). A filha, Glória Maria, chega a marejar os olhos ao lembrar das dificuldades atravessadas pela família. A neta, Andreia Andrade, abre um sorriso largo quando pensa que não só ela, mas também o filho Matheus, de 9 anos, honram a tradição ancestral. 

Exposição dedicada a Dona Izabel. Foto: CRAB/Divulgação
Exposição dedicada a Dona Izabel. Foto: CRAB/Divulgação

A atriz Marieta Severo, colecionadora da obra de Dona Izabel, não esconde a admiração e como se emociona por tudo o que o trabalho dela significa para a arte brasileira. “Ela foi muito consagrada em vida, mas, para mim, não há consagração suficiente pelo que ela fez. Eu sou cercada pela obra dela e da família dela – filhos, netos… As peças dela estão todas na minha casa, e eu nunca as comprei para ficarem guardadas. Eu preciso conviver com elas, me alimento delas”, diz a atriz.

“Ela é a Monalisa brasileira. Todo mundo precisa conhecer a Dona Izabel”, resume Ricardo Lima, curador da exposição “Dona Izabel: 100 anos da Mestra do Vale do Jequitinhonha”, em cartaz no Rio de Janeiro até 19 de abril de 2025. Ele reúne no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro 300 obras, entre trabalhos da mestre artesã e outros ceramistas influenciados por ela, distribuídas em oito salas.

Viagem

A exposição é um convite para explorar não só a obra de Dona Izabel, mas também conhecer a transformação que a valorização do artesanato trouxe para a região. Mas, não há dúvidas, uma das salas mais emblemáticas é a que reúne 22 bonecas esculpidas pela artista. Entre elas, há uma que faz parte da coleção da atriz Marieta Severo e que faz muito sentido estar ali: retrata uma ceramista finalizando uma outra boneca.

“A exposição está linda, muito bem organizada. O Mário Costa fez um trabalho deslumbrante, que nos faz entrar no mundo da Dona Izabel e nesse universo artesanal”, elogia. Marieta não se lembra quando e nem quanto custou a boneca cedida para exposição, mas sabe que quando a viu pela primeira vez, foi tomada por uma paixão avassaladora. “Meu Deus, eu quero!”. Nunca consegui tirar as peças da minha casa. Tenho uma prateleira alta onde a maioria das bonecas fica, mas o Mário, que conheço há muitos anos, me convenceu a emprestar essa peça para a exposição. Estou muito orgulhosa de vê-la aqui, em um lugar tão lindo”.

Razões para explorar mais sobre o trabalho dela

Dona Izabel Mendes da Cunha, a “Bonequeira do Vale do Jequitinhonha”, é um nome que merece ser mais conhecido pelos brasileiros. Vamos explorar algumas razões pelas quais devemos nos aprofundar em seu trabalho:

Uma história de vida inspiradora

Nascida em Itinga (MG), mas radicada em Santana do Araçuaí, Dona Izabel começou a trabalhar com o barro ainda criança, aprendendo com a mãe e avó. A trajetória é marcada por superação, criatividade e um profundo amor pela arte. 

Quando ficou viúva, com quatro filhos, a artesã transformou o trabalho no barro no sustento da família. Como a cidade ficava longe da rodovia mais movimentada da região, ela caminhava 11 km – de madrugada e carregando as peças de barro – para vender na beira da estrada. Assim, transformou a vida de todos.

Um legado cultural

As esculturas de Dona Izabel, principalmente as famosas noivas de cerâmica, representam a cultura e o cotidiano do povo mineiro, em especial do Vale do Jequitinhonha. São obras que transcendem o mero artesanato, tornando-se verdadeiras expressões artísticas. No caso das peças de Dona Izabel, vale prestar muita atenção nos traços das mulheres, nos detalhes das roupas e acessórios. Algumas bonecas têm relógios! 

Uma técnica única

Dona Izabel desenvolveu uma técnica própria de moldar o barro, resultando em peças com um realismo impressionante e uma beleza singular. O barro utilizado por Dona Izabel era extraído localmente e possuía características únicas que contribuem para a beleza das obras. Dona Izabel era conhecida pela capacidade de modelar cada detalhe, desde os rostos expressivos das noivas até as delicadas rendas dos vestidos.

Realismo

A pintura de Dona Izabel se caracteriza por um realismo impressionante, com a representação detalhada de tecidos, acessórios e elementos da natureza. Dona Izabel pioneiramente utilizou barro colorido para pintar. Essa técnica permitiu uma maior riqueza de cores e nuances.

Uma das grandes inovações de Dona Izabel foi a escultura dos olhos em alto relevo. Enquanto muitas outras artesãs do Vale pintavam os olhos, ela os esculpia, conferindo às bonecas um olhar mais vivo e expressivo.

Exposição dedicada a Dona Izabel. Foto: CRAB/Divulgação
Exposição dedicada a Dona Izabel. Foto: CRAB/Divulgação

Um exemplo de empoderamento feminino e generosidade

Dona Izabel foi uma mulher à frente de seu tempo, que transformou a arte em fonte de renda e empoderamento para si mesma e para outras mulheres da comunidade. O curador Ricardo Lima lembra que quando colecionadores a procuravam para comprar alguma peça ela, certa vez, disse que só venderia se a pessoa também comprasse também de outra ceramista da comunidade. 

Além disso, ela também não guardou os conhecimentos para si mesma. Ao longo da vida,  transmitiu a técnica para familiares, amigos e outros artesãos, contribuindo para a formação de uma nova geração de ceramistas. A filha Glória Maria e a neta Andréia, tem trabalhos expostos, assim como outros jovens artesãos da região, como 

“Eu sou apaixonada pelas peças, independente de serem ou não da Dona Isabel. Cada uma delas me toca profundamente. É como se, em cada peça, eu visse um pouco da identidade dela. A arte dela é muito poderosa, simples na aparência, mas cheia de significado”, afirma a atriz Marieta Severo.

Um patrimônio cultural brasileiro 

As obras de Dona Izabel representam o patrimônio cultural brasileiro. A mestra viveu durante 90 anos e, ao longo desse tempo, protagonizou a valorização da arte popular brasileira. 

“Dona Izabel viveu em um mundo que transcende a temporalidade. Ela conseguiu realizar uma obra que considero Universal, não limitada apenas ao local. Sua arte atravessa o tempo, sem dúvida”, afirma o curador Ricardo Lima.

“Dona Izabel: 100 anos da Mestra do Vale do Jequitinhonha”

Praça Tiradentes 69/71, Centro do Rio de Janeiro

Terça-feira a sábado, das 10h às 17h

Ingresso: entrada franca (mediante documento com foto)

https://crab.sebrae.com.br/

Carol Braga viajou a convite do Sebrae Minas

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