O clima em Curitiba está tenso. Chove – e muito – todo dia. A polarização política tomou conta de ruas e praças. Lula e Bolsonaro desembarcaram na cidade no mesmo dia em que o Festival de Teatro iniciou a maratona para o público. A cidade parou e o diretor do evento, Leandro Knopfholz, fez até uma brincadeira.
Mesmo que fossem Lula, Bolsonaro, o futebol ou a chuva, não há como negar queo Festival de Curitiba mobiliza mesmo a cidade. A região do Teatro Guaíra, por exemplo, ficou bastante movimentada. De certa maneira, Minas Gerais era o centro das atrações naquela região teatral.
Enquanto o Grupo Corpo apresentava a dobradinha entre Dança Sinfônica e Gira no Guairão, no palco ao lado a Cia de Comédia do Paraná estava em cartaz com Hoje é dia de Rock. O texto escrito em 1971, pelo mineiro José Vicente, fala com humor e muita poesia sobre a Tradicional Família Mineira. A montagem de 2017 foi dirigida por Gabriel Villela com o barroco que caracteriza a obra dele. Imagina no que deu!
Só para variar é aquela coisa, né, figurino impecável, soluções cênicas inteligentes. Com um detalhe interessante que o cenário está bastante simplificado. Veja bem, não disse simplório – porque nunca é – disse simples, são mesas e cadeiras coloridas. Dois pontos de Hoje é dia de rock me chamaram especialmente a atenção: a música e o elenco.
Equilíbrio
São 13 atores em cena e um músico. São 14 artistas em cena, volume em extinção no teatro brasileiro. Há equilíbrio entre todos eles, embora César Mathew, como Valente e Rosana Stavis, como a mãe se destaquem mais. Ela é veterana. Tem mais de 60 montagens no currículo e soube oferecer o tom certo à matriarca.
“Se assumir poesia é um ato de coragem, a maior transgressão deste texto é fazer um elogio à diferença”
Diretor Gabriel Villela no programa de Hoje é dia de Rock
Como Gabriel Villela destaca no programa do espetáculo, a história escrita por José Vicente mostra a constante reciclagem das relações familiares. Elas vão se transformando ao longo da vida. Toda casa cheia de filhos, chega um momento em que eles se espalham. “A cada cena, Zé parece nos lembrar que, se sabemos que a vida é efêmera, não deixemos de gozar os tantos “encontros e despedidas” por que atravessamos (e pelos quais somos atravessados!)”, escreve o encenador.
Música
A música citada de Fernando Brant e Milton Nascimento é apenas uma das tantas pitadas de Clube da Esquina que há no repertório do espetáculo. O Trem Azul (Lô Borges; Ronaldo Bastos), Caçador de Mim (Sergio Magrão & SÁ), Um Gosto de Sol (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos) se misturam com Let It Be (Lennon & McCartney), Panis Angelicus (César Franck), It’s Now Or Never (Elvis Presley).
O ator e instrumentista integrante da cia Clowns de Shakespeare (Natal, RN), Marco França acompanha elenco ao piano e clarineta. No aspecto musical facilmente se observa o equilíbrio do grupo. Os arranjos vocais levam assinatura de Ernani Maletta. Gabriel Villela é assim, ele sempre carrega para suas montagens os profissionais nos quais confia.
Temática
Se a poesia é inegável no texto, ela também aparece em cada detalhe da encenação. O cenário é bastante simples, composto por uma mesa e cadeiras de madeira de demolição. No fundo, um painel com a imagem que pode tanto representar um rio e suas ramificações, as veias do corpo humano e mesmo uma família. Sim, é inevitável, chega uma hora em que cada um precisa correr atrás de seus próprios sonhos.
O bacana de peças que tem esse tipo de poesia como norte é que cabe ao espectador escolher por qual estímulo vai se encantar mais. Isso abre espaço para a vivência e a bagagem que cada um tem ao se sentar ali.
Sendo mineira, estando em Curitiba, comigo a peça falou sobre a importância das raízes, sobre o constante desejo de buscar coisas novas e também uma menos valia acompanhada de um grande otimismo que nós carregamos. Quantas vezes você já ouviu de algum mineiro de que é preciso procurar novos ares? “Vai para São Paulo porque lá você vai ter mais oportunidades”. Ouvi isso tantas vezes. Foi nesse ponto, e com muita poesia, fantasia, que Hoje é dia de rock me pegou.
Recado aos produtores de BH
Todos sabemos que levar um espetáculo com elenco tão grande para Belo Horizonte é uma tarefa hercúlea. Mas os mineiros merecem, viu! É um espetáculo com a nossa cara, sobre a gente e que nos faz pensar. Avaliem com carinho! Os ganhos de uma temporada de Hoje é dia de Rock em BH podem até não ser financeiros, mas haverão outros bem maiores.
AS MÚSICAS DA PEÇA
As Mocinhas da Cidade (Nhô Belarmino)
Bola de Meia, Bola de Gude (Milton Nascimento e Fernando Brant)
Caçador de Mim (Sergio Magrão & SÁ)
El Condor Pasa (Daniel A. Robles / Jorge Milchberg)
Encontros e Despedidas (Milton Nascimento, Fernando Brant)
Fé Cega, Faca Amolada (Milton Nascimento)
It’s Now Or Never (Elvis Presley)
Let It Be (Lennon & McCartney)
Love Me Tender (Elvis Presley/Vera Matson)
O Trem Azul (Lô Borges; Ronaldo Bastos)
Panis Angelicus (César Franck)
*Culturadoria viajou e está em Curitiba a convite do Festival de Teatro
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