Sou dessas que entram em uma sala de cinema só para conferir novos trabalhos de determinados diretores. Sim, apenas alguns, e com eles a sinopse, o elenco, pouco importam. Sofia Coppola é uma dessas.
Acompanho a carreira desde Encontros e desencontros (2003). Gosto dos significativos silêncios daquele filme. Depois vieram muitos. A versão de Maria Antonieta (2006) pop no século XV e a pontual crítica à sociedade de consumo em Bling Ring: a gangue de Hollywood (2013). Em todos eles é perceptível cada objetivo da cineasta.
Em O estranho que nós amamos não é diferente. Com o filme, Sofia tornou-se a segunda mulher a conquistar o prêmio de direção no Festival de Cannes. Nunca é demais lembrar o quanto este universo é machista, mesmo ela tendo um pedigree e tanto.
Para quem não sabe, Sofia é filha de Francis Ford Coppola. Sobre isso recomendo a leitura do texto “Por que já passou da hora de Sofia Coppola ser criticada pelo sobrenome”.
TRAMA
A forma como ela constrói e sustenta a tensão da trama, que se passa no século XIX, é o maior mérito. A história é adaptada de um livro publicado em 1966. É o segundo longa que se faz a partir deste romance. O primeiro foi em 1971 com Clint Eastwood como um dos protagonistas.
O elenco principal atual é formado por Nicole Kidman como Srta. Martha, Kirsten Dunst como Edwina e mais cinco meninas interpretadas por Elle Fanning, Angourie Rice, Oona Laurence, Emma Howard e Addison Riecke. Collin Farrel é o cabo McBurney.
Ou seja, sete mulheres e um homem. Por todo o contexto feminista que estamos vivendo, por Sofia ser uma das poucas diretoras a transitar bem por Hollywood, até cheguei a pensar que poderia ter uma reflexão diferente sobre a posição da mulher. Nem tanto. Acho que ela até vai pelo caminho contrário, o que é delicado.
ESPERA E CONFINAMENTO
O longa se passa em no máximo três locações diferentes. A principal delas é a casa onde se instala o internato comandado por Srta Martha (Nicole Kidman). Ela ensina as jovens do século passado como cozinhar, como bordar, cantar, tocar instrumentos musicais enquanto os homens estão na guerra. É uma rotina bastante repetitiva até que o cabo McBurney é encontrado por uma das moças. Está ferido e precisa se recuperar.
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As mulheres decidem cuidar do rapaz até que fique bom. Advinha? Claro que a presença masculina ativa todas as tensões hormonais e sexuais que viviam contidas dentro do casarão.
O elenco me pareceu bem equilibrado. Os olhares e a economia de palavras contribuem para reforçar o clima proposto pela diretora. Ao mesmo tempo em que há cumplicidade entre elas, também existe disputa em cada segundo da projeção.
Sofia Coppola mostra as transformações com delicadeza e tensão, muita tensão. Tem tesão também.
O fato de não ter grandes alterações de locações reforça a ideia de enclausuramento. Um mundo bem restrito. No caso delas, é uma prisão voluntária resultado do contexto exterior. São mulheres condenadas a uma espera que parece sem fim.
A cineasta faz com que a condição delas – que aguardam pelo fim da guerra, a recuperação do soldado – seja também a nossa. Sabemos que alguma coisa vai acontecer, sem ideia de o que, como, ou quando. E acontece, com inteligência, perspicácia e um tanto de perversão. O estranho que nós amamos é, no mínimo, surpreendente.
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