Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes o filme Eu, Daniel Blake me deixou profundamente incomodada ao longo dos 100 minutos de projeção. Não porque seja ruim. É o contrário. O filme é muito muito bom. O diretor Ken Loach joga tanta verdade naquela tela que é inevitável não sentir alguma coisa. Arte serve pra isso.
Bom, vamos ao básico: a sinopse. Daniel Blake é um senhor de idade que sofreu um ataque cardíaco e por isso está impedido de trabalhar. Para garantir o próprio sustento ele precisa do auxílio saúde dado a quem está em situação semelhante na Inglaterra. Veja bem, o filme se passa na INGLATERRA. Não é Brasil, África, ou qualquer país pobre. O problema é no planeta.
A burocracia para conseguir o benefício é tanta que sufoca Dan, me sufoca. Ken Loach não tem pressa em construir o contexto no qual o personagem está inserido. Vive sozinho, tem uma relação paternal com o vizinho, pobre e imigrante. , é carpinteiro por isso habilidoso com as mãos. Sabe consertar uma porta mas não tem condições de preencher um formulário on-line. Gente, ninguém tem obrigação de saber informática não. Exigir isso é segregar, é sim ser cruel.
Com esse contraste Loach – cineasta de posições de esquerda notórias – mostra como o sistema em que vivemos é falido ou pelo menos está em total colapso. Como pode faltar tanto bom senso? Como as pessoas estão perdendo mesmo a empatia, o olhar para o outro? Perdemos a humanidade.
Daniel Blake tem o cuidado com o outro como essência e como princípio. Fica claro na relação que ele estabelece com a Katie, mãe solteira com dois filhos que assim como Dan, precisa e não consegue a ajuda do governo.
O protagonista de Eu, Daniel Blake é o ator britânico Dave Johns que, curiosamente, construiu carreira fazendo stand up. É comédia! Quem sabe lidar com humor na arte consegue fazer qualquer coisa com seriedade. Geralmente emociona. Ele praticamente sola no filme, merecia uma indicação em qualquer um desses prêmios internacionais.
As contracenas mais intensas são com Hayley Squires, que faz o que se espera de um grande ator/atriz em papel coadjuvante, apoia, dá suporte às emoções daquela história sem ser uma mosca morta.
O mais triste em Eu, Daniel Blake é a certeza de que por mais que seja uma ficção, o diretor Ken Loach está falando de uma realidade muito próxima de qualquer pessoa. Independentemente da classe social, do país. Repito: vivemos em um mundo em que a humanidade está por um fio. Há de existir um outro sistema que dê conta de nosso tempo. É urgente!