Higor Gomes, 26 anos. Morador do Bairro General Carneiro, em Sabará, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Um jovem comum, com todos os sonhos de sua geração. Um deles, o de se tornar um cineasta, começou a ganhar contornos mais concretos desde o fim de setembro. É que o projeto do primeiro longa-metragem dirigido por ele está cada vez mais próximo de se realizar.
Durante a 13ª Mostra CineBH, junto com os sócios, e amigos, Bruno Greco, Jacson Dias e Maick Hannder, da produtora Ponta de Anzol Filmes, Higor venceu dois prêmios. Um deles foi um convite para conferir o Encuentros BioBioCine 2020 – encontro da indústria do BioBioCine Festival Internacional de Cinema, no Chile. O segundo, era um dos mais cobiçados do evento: uma bolsa para desenvolver o projeto com o apoio da Incubadora Paradiso 2020.
Trata-se de um programa mantido pelo Instituto Olga Rabinovich, uma iniciativa de apoio aos talentos do audiovisual brasileiro. Vamos combinar que chega em uma ótima hora. O diretor e roteirista Higor Gomes vai receber uma bolsa de R$ 30 mil (R$ 5 mil mensais) para desenvolver o projeto de Tempestade Ninja. Além disso, Gomes vai receber mentorias doctoring, consultorias em desenho de audiência, incentivos para a inserção no circuito internacional e outros apoios.

Mas qual o diferencial de Higor Gomes, da ideia de Tempestade Ninja e da Ponta de Anzol filmes para ter se destacado em meio a 22 projetos diferentes do Brasil inteiro?

Foto: Jenny Cardoso
Trajetória de um diretor em início de carreira
Foram muitas as inspirações que levaram Higor Gomes até a formação em Cinema e Audiovisual, feita pelo Centro Universitário Una. “Descobri que era possível fazer cinema só no ensino médio”, explica. A mãe fazia questão que o filho fizesse música junto com o irmão em um curso gratuito no bairro. Assim, mesmo com a resistência, entrou no curso e aprendeu muito. “Mas eu gostava mesmo era de ler história em quadrinhos, mangás, assistir filmes e desenhos que meu pai comprava ou alugava em VHS”, detalha.
A iniciação, praticamente autônoma no mundo das artes, fez germinar as sementes para que cursasse cinema. Mas, antes disso, lá no ensino médio, nunca pensou em faculdade ou formação específica, já que não gostava do ambiente escolar e nem de estudar. Na mesma época, Higor descobriu a Escola Livre de Cinema no Bairro Santa Tereza. Não deu outra, se apaixonou de vez pelo universo cinematográfico e, desde então, se empenha em estudos e produções para o cinema. “Depois do fim do curso fui procurar uma faculdade porque estava viciado em estudar a técnica, as potências das imagens, estética, abordagens e maneiras de contar histórias”, relata.
Dessa maneira, entrou no ensino superior e se dedicou aos estudos como nunca antes. Não faltava às aulas e um dos lugares preferidos era a videoteca, onde pegava DVDs emprestados. “Também conheci muita gente afim não só de pensar, mas de viver das imagens, do sons, e das inúmeras perspectivas do cinema. A pluralidade e diversidade no cinema, principalmente no cinema nacional, é muito contagiante e na faculdade busquei entender as maneiras de atrelar nossas sensibilidades aos filmes que desejamos realizar”. É, então, a sensibilidade e dedicação de Higor Gomes que está ajudando na decolagem rumo ao sucesso?

Foto: Jenny Cardoso
Primeiro filme de destaque
Ao final de uma graduação, todo mundo tem que fazer o temido trabalho de conclusão de curso. Dessa maneira, o primeiro trabalho do jovem Higor foi Impermeável pavio curto. No curta, no qual Higor Gomes é roteirista e diretor, é contada a história de Jaque. A menina é uma adolescente impulsiva que enfrenta desafios em casa e na escola. Segundo o diretor, a personagem foi baseada em histórias que a mãe contava. A realização do filme contou com equipe majoritariamente negra e periférica. A estreia de Impermeável pavio curto foi no 20º FestCurtasBH – Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte.
Nesse evento, recebeu o prêmio de melhor filme na competitiva Minas. Foi bem de estreia, não é? Mas não parou por aí! O curta recebeu o prêmio Zózimo Bulbul de Melhor Filme Universitário entregue pela Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro, a Apan. Em síntese, circulou por 30 festivais e recebeu seis prêmios. Se ficou com vontade de ver, não se preocupe. Impermeável pavio curto estreia ainda neste ano no Canal Brasil.
A produtora
Assim que concluiu a faculdade, Higor Gomes se uniu aos amigos Bruno Greco, Jacson Dias e Maick Hannder e criou a produtora Ponta de Anzol Filmes. O primeiro filme da produtora, Looping, de Maick Hannder, também estreou no FestCurtasBH, mas na 21ª edição, e agora segue para o Goiânia Mostra Curtas e para o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, no Rio de Janeiro.

Fotos: Maria Edna de Paula Gomes
Tempestade ninja
“O nosso longa Tempestade ninja acompanha o dia a dia de Kênia, uma jovem negra de 20 anos que deseja se tornar atriz”, explica o diretor. A história revela ainda que a jovem vive com o pai, Carlos, um eletricista aposentado que tem depressão. “Coisas estranhas acontecem no bairro e Kênia passa a suspeitar que seu pai tem super poderes”. Em resumo, o filme é um retrato da relação de afeto entre um pai e filha que buscam se reconectar.
Com essa narrativa, o projeto foi selecionado para a Incubadora Paradiso. “Foi uma surpresa perfeita ter ganhado esse prêmio porque ele vai ser essencial nesta fase do projeto. É o que precisávamos para nos manter juntos nesses tempos sombrios e de censura para com o cinema nacional. O nosso governo cortou os apoios e isso vai nos fortalecer”, desabafa Higor Gomes.
A ideia é gravar Tempestade ninja nas ruas do bairro General Carneiro, em Sabará. A Ponta de Anzol Filmes confia na estética negra e periférica assim como a produtora Filmes de Plástico. “Eu fico extremamente tocado ao ver lugares parecidos com os que cresci e vivo sendo retratados com originalidade, com um esmero técnico, e muita sensibilidade no cinema”, conclui Higor Gomes.