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“Confinada”: Retrato vivo da pandemia no Brasil

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“Confinada”, projeto de Leandro Assis e Triscila Oliveira publicado inicialmente no Instagram, agora, é reunido em livro pela Todavia Livros.

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

Duas mulheres se confinam juntas durante a pandemia da covid-19 no Brasil. Apesar de compartilharem este mesmo contexto sanitário do país, as aproximações entre as duas não vão muito longe disso. Enquanto uma é patroa, quarentenada em um apartamento de mil metros quadrados com todas as suas comodidades, a outra é trabalhadora doméstica, que dorme em um quartinho sem ar condicionado – estamos no Rio de Janeiro – na área de serviço deste mesmo apartamento. Elas são as personagens de “Confinada”, projeto de Leandro Assis e Triscila Oliveira. O projeto foi publicado inicialmente no Instagram que, agora, é reunido em livro pela Todavia Livros.

Confinada. Foto: Leandro Assis

O Brasil nas páginas do quadrinho

Fran é uma influencer digital com milhões de seguidores nas redes sociais. Enquanto compartilha o dia-a-dia em no perfil – a rotina de exercícios físicos, suas compras e recebidos, por exemplo – fatura com publis. Ju é funcionária de Fran. É uma das três trabalhadoras domésticas da residência e a única que aceitou permanecer na casa no decorrer do isolamento social. Para a patroa este foi um convite irrecusável, afinal, é melhor ficar em quarentena na zona sul carioca do que na favela, ela diz. Para Ju será um esforço e tanto o confinamento. Isolada da mãe e da filha pequena, com as quais o contato passará a ser mediado pela telinha do celular.

“Confinada” traz um retrato da pandemia no país, capturado no calor do momento. 

As tiras começaram a ser publicadas nas redes sociais no início de abril de 2020, poucas semanas após o início do confinamento. A desigualdade social e o racismo são expostos quadro após quadro do trabalho. Se estas são questões presentes nas raízes que fundamentam a história do Brasil, elas ganharam uma nova camada no contexto da quarentena. Principalmente porque o isolamento social não foi uma possibilidade para todos. Enquanto Fran produz conteúdo para a web na segurança do lar, o entregador de bike chega no prédio com os lanches funcionais pós-treino da influenciadora. Esses, claro, fruto de um contrato publicitário. Na conflituosa relação entre Ju e Fran, marcada por diferentes dicotomias, o privilégio branco é escancarado pelos autores, num olhar cirúrgico.

Referências

Triscila e Leandro trabalham com uma série de referências. Abordam, por exemplo, desde acontecimentos noticiados no decorrer da pandemia à própria dinâmica das redes sociais. Tudo isso faz com que com que o quadrinho pareça extrapolar as páginas. Estão ali, por exemplo, a influenciadora fitness que aglomerou durante a pandemia. E mais: fez um desejo nada lisonjeiro “à vida” e os corpos de vítimas da covid-19 empilhadas em hospitais.

Fran incorpora uma série de personagens da vida real com discursos de positividade. Ou seja, alienados em sua própria bolha de privilégios, conscientemente alheios ao mundo que borbulha em conflitos e desigualdades fora de suas janelas. #goodvibes e #gratiluz são os mantras. Ju também traz dentro de si uma outra porção do Brasil. A população negra e periférica, que é maioria numérica, mas minoria em direitos básicos, e se mostrou a mais vulnerável à pandemia no país. Faça uma rápida busca no Google com as palavras-chave “vítimas negras covid”. 

Protagonismo

A estética do Instagram é trabalhada ao longo de toda a história. Por exemplo, do formato quadrado das tiras às cenas que ganham um tom de filtro dessa rede social, quando mostram a influenciadora registrando – de forma pouco natural – o dia-a-dia para os seguidores. As cores vivas e saturadas de “Confinada” parecem ainda mais bonitas agora, impressas em papel. Alguns quadros ocupam páginas inteiras: uma possibilidade de observação dos detalhes do dedicado trabalho de arte de Leandro Assis. Destaque, ainda, para a inventiva capa dupla, onde o leitor pode escolher a protagonista da história.

Aliás, o protagonismo é uma questão essencial aqui. Triscila Oliveira e Leandro Assis registram não apenas a pandemia, mas um momento de efervescência política e social no país. Se expõe o abismo social no qual estamos metidos, “Confinada” revela também um desejo de transformação social, na medida em que observamos o protagonismo da história passar, ao longo de suas páginas, para quem realmente tem o que dizer e o que influenciar de maneira positiva. Em suma, a mudança é necessária e urgente. “Confinada” é um belo exemplo de obras que se transformam em verdadeiros documentos de um tempo ou de um fenômeno social. Para ter na biblioteca.

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Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural, sempre gasta metade do seu horário de almoço lendo um livro. Seu Instagram é @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel/)

Confinada. Foto: Leandro Assis

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