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Cinema

“Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra” e o abandono na velhice 

Comédia dramática tailandesa dirigida por Pat Boonnitipat está na pré-lista dos candidatos a filme estrangeiro do Oscar

Cena de "Como Ganhar Milhões", que está em cartaz na capital mineira (Paris Filmes)

Comédia dramática tailandesa dirigida por Pat Boonnitipat, “Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra” está na pré-lista dos candidatos a filme estrangeiro do Oscar

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Enquanto a lista dos concorrentes finais no páreo do Oscar 2025 na categoria Filme Estrangeiro não sai – o anúncio será feito no dia 17 de janeiro -, “Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra” (“How To Make Millions Before Grandma Dies”, Paris Filmes) segue na disputa junto ao brasileiro “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles Jr. Certo, a “bolsa de apostas” do Oscar entende que o filme do jovem diretor tailandês de televisão e cinema Pat Boonnitipat, 34 anos, não deve ficar entre os dez sobreviventes da shortlist de 15 títulos divulgada em dezembro. Mas, sim, ok, caso as previsões se concretizem, está tudo bem também. Independentemente de estar no páreo ou não, o filme – em cartaz na capital mineira – merece demais ser visto.

Primeiramente, por tratar um tema cada vez mais urgente na sociedade, mundialmente falando: com o envelhecimento da população, quem, no cerne de uma família, vai cuidar dos idosos? E a que custo, não só economicamente falando, mas também psicologicamente, fisicamente? Para se ter uma ideia do desafio, vale lembrar que, em nível global, estima-se que a população com mais de 60 anos simplesmente vá dobrar entre 2020 e 2050, passando, pois, de um bilhão para 2,1 bilhões. No Brasil, em 2050, o número de idosos deve superar o dobro da quantidade de jovens.

No meio do caminho, um câncer

O filme “Como Ganhar Milhões…” trabalha essa questão por meio de uma idosa tailandesa, Mengju (Usha Seamkhum, simplesmente fofa), que, no início do filme, não só mora sozinha, com toda autonomia, como trata de garantir a renda para as despesas do dia a dia. Para se ter ideia, ela levanta todo dia às quatro da manhã, para preparar o mingau que vende em porções num grande mercado a céu aberto. A primeira cena do filme mostra Mengju com os três filhos e os dois netos levando reverências ao túmulo do marido. Em dado momento, ela confessa querer ter um túmulo suntuoso, como outros que estão ali, no entorno.

Em meio ao momento de encontro e oferendas aos mortos, Mengju se irrita com a maneira displicente a qual o neto, “M” (Putthipong “Billkin” Assaratanakul), distribui as pétalas de flores levadas pela família para a cerimônia. Ao tentar distribui-las de maneira mais harmoniosa, ela acaba escorregando e, assim, precisa ser levada prontamente a um hospital. Lá, a família descobre algo bem pior que eventuais consequências da queda: a senhora está no estágio 4 de um câncer no aparelho digestivo.

Uma herança no horizonte

Embora o prognóstico quanto à evolução do caso definitivamente não seja bom, a orientação médica é a de que, de todo modo, ela se submeta, sim, a um tratamento. Que, claro, inclui sessões de quimioterapia. O filho mais novo da matriarca, Soei (Pongsatorn “Phuak” Jongwilas), está endividado e não é propriamente a pessoa mais apta a assumir tal responsabilidade (de acompanhar a mãe no tratamento). Já o mais velho, Kiang (Sanya “Duu” Kunakorn), mora longe do centro urbano e, não bastasse, é casado com uma mulher um tanto quanto esnobe, Pinn. O trio de filhos de Mengju se completa com Sew (Sarinrat “Jear” Thomas), a mãe do já citado “M”.

“Voluntário”

À primeira vista, a tarefa de cuidar da mãe na doença seria a ela destinada, não fosse o fato de “M” se voluntariar para tal. Mas o que o move nada tem de nobre. Na verdade, “M” viu que sua prima, Mui (Tontawan “Tu” Tantivejakul), assumiu os cuidados de um idoso do núcleo dela e, após a morte dele, recebeu um imóvel de herança, o que lhe acende uma luz interna. Pouco afeito ao trabalho (prefere ficar jogando em frente à tela o dia todo), “M” resolve tomar a frente no sentido de acompanhar a progenitora no tratamento – inclusive se mudando de mala e cuia para a casa dela.

De pronto, a própria avó reluta, posto que acredita não precisar dessa presença estranha em seu ambiente íntimo. No entanto, sem muita opção, acaba deixando o neto ficar por lá, mas com zero regalias. Assim, o jovem precisa também despertar de madrugada, para acompanhar a avó na labuta. Tal qual, dormir com zero conforto. Mas “M” segue em frente, de olho na herança – aliás, por conta própria, já parte para anunciar a venda da casa da avó em um site, mesmo com ela no início do tratamento. Não bastasse, se revolta quando o tio (o primogênito da avó) tenta levá-la para a casa dele, colocando todo tipo de obstáculo.

Franqueza

Uma das atitudes mais polêmicas tomadas por “M” é a de não só contar para a avó que ela tem um câncer, como reportar, a ela, sem filtros, a gravidade do quadro. Ao contrário da família, ele defende que o corpo é dela, portanto, tem o direito de saber.

Cartas na mesa

No curso da história, várias questões são pontuadas pela narrativa. Muitas delas mais pertinentes aos países orientais, como os casamentos arranjados – em certo momento, num encontro sombrio com seu irmão rico, Mengju abandona a fleuma que a caracteriza para lembrar a ele, que ficou com toda a herança da família, que ela, por ser mulher, teve que se submeter a um casamento forçado. Aliás, a questão da mulher na sociedade, com ênfase na Tailândia, é várias vezes mencionada. Particularidades à parte, ela se replica mundo afora, mesmo no século 21.

De todo modo, a questão dos idosos na sociedade atual é, como já apontado, das mais urgentes. E “Como Ganhar Milhões”, apesar de contar com o elemento humor, se sobressai por expor essa temática com crueza. Estão, lá, por exemplo, a morte de amigos, contemporâneos – no caso, uma mulher que também estava no estágio 4 de um câncer. Do mesmo modo, as limitações físicas, que, em alguns casos, emergem mesmo o cérebro permanecendo ativo. Mais dolorido ainda, a aproximação de parentes por conta da iminente herança. Ou, tão cruel quanto, o afastamento dos filhos, que não têm tempo (ou interesse) em cuidar de uma figura – a mãe – que, no passado, certamente tanto se desdobrou para cuidar dos mesmos.

Confira, a seguir, o trailer

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