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Passarinho tido como praga conduz narrativa de livro infantil de Itamar Vieira Junior, lançado no Fliparacatu

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“Chupim”, primeiro livro para infâncias do escritor, acompanha o pequeno Julim e o encanto por um pequeno pássaro preto comum aos arrozais

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de literatura

Chupim é um pequeno pássaro preto, comum em áreas dedicadas ao plantio do arroz, grão do qual se alimentam. De comportamento curioso, tais passarinhos não criam os próprios filhotes, colocando-os nos ninhos de outras espécies, para que as mesmas possam chocá-los, criá-los e alimentá-los. Essa pequena ave é vista, muitas vezes, como um praga para os trabalhadores dos arrozais, que buscam afastá-las do contato com o grão.

Fliparacatu FOTO Aline Reis
Fliparacatu FOTO Aline Reis

“Chupim” dá nome ao novo livro de Itamar Vieira Junior, uma das maiores forças da literatura brasileira contemporânea, autor de livros como “Torto arado” e “Salvar o fogo”. Se “Chupim” é a sua quarta publicação, ela é a primeira voltada para as infâncias. Escrito para e a partir do olhar infantil, acompanhamos um garoto, Julim, que busca entender o porquê de um simples passarinho ser chamado de praga pelos adultos que o levam, ao lado de outras crianças, para trabalhar nos arrozais.

Mesmo em seu primeiro livro infantil, temas fortes como o trabalho infantil e o direito à infância são tratados por Itamar Vieira Junior, mantendo temáticas e discussões caras ao escritor. Sobre esses e outros pontos conversamos com o autor durante o 2º Festival Literário de Paracatu — Fliparacatu.

Escrever para infâncias. Como foi o processo de escrita desse livro novo? Como ele se diferencia e como ele se aproxima da sua escrita romances e contos? 

Era algo que eu planejava já há algum tempo. Acho que a infância é um momento importante. Essa é uma fase essencial, de formação de leitor mesmo. Acho que minha preocupação maior era com a linguagem: como eu contaria essa história sem subestimar o conhecimento da criança, sem achar que ela poderia não entender uma palavra ou outra? Isso foi algo que norteou a minha escrita. Precisei encontrar essa infância, que eu acho que todos nós preservamos, essa capacidade de ainda se emocionar com o novo, de descobrir as coisas, desse se maravilhar com o mundo. A criança faz isso a todo momento. Então eu queria que fosse uma história que permitisse que tivesse isso como mote.

Foi um processo de escrita muito interessante. Eu comecei com um pouco de medo: será que eu consigo? Será que eu chego na linguagem? Mas terminei muito feliz com a história, com o livro e com a maneira como ele foi composto. Terminei com vontade de escrever mais sobre esse tempo. Um tempo que é tão importante, tão crucial: o tempo da infância. Enfim, eu precisava levar essa história para eles. 

Itamar Vieira Jr FOTO Aline Reis
Itamar Vieira Jr durante o 2º Festival Literário de Paracatu – Fliparacatu.FOTO Aline Reis

O olhar de criança – esse olhar da curiosidade, da inocência, do afeto – é importante para a sua escrita para adultos?

Essa capacidade da infância de se deslumbrar e se maravilhar com o mundo norteia também os meus trabalhos para adultos. Acho que isso é não é algo que se dissocia de mim. É algo que eu ainda conservo de alguma maneira. Não por acaso eu acho que essas histórias são todas histórias que no fundo guardam um certo sentido de esperança. Mesmo as minhas histórias para os adultos ainda guardam esse sentido de esperança, que é algo que a gente precisa ter para acreditar no mundo como um lugar melhor.

No diálogo com as infâncias, “Chupim” fala de maneira muito sensível sobre o trabalho infantil, sobre uma infância que tenta resistir frente ao mundo dos adultos…

Porque levar temas sociais para uma literatura feita para crianças? Bom, as crianças estão sempre atentas a tudo que acontece à sua volta. Então, se vocês andam pela rua e ela encontra uma pessoa pedindo alguma coisa, em situação de mendicância, ela quer saber porquê aquela pessoa está assim, porquê ela precisa pedir. Ou seja, as nossas desigualdades estão a todo momento chegando às nossas crianças e a gente precisa dar respostas para elas sobre isso, não é? Então foi a partir dessa ideia que nasceu “Chupim”. Eu vou falar de trabalho, eu vou falar desse mundo do trabalho, eu vou falar de como as crianças também são engolidas por esse sistema de trabalho, que explora o outro. Eu também vou falar sobre pessoas que são utilizadas como trabalhadores, mas, quando não tem mais trabalho, são indesejáveis e precisam migrar de um lugar para o outro assim como os pássaros.

Mas eu vou falar também sobre tudo que resiste na infância. Sobre esses sentimentos que resistem. Primeiro esse olhar de afeto, esse olhar carinhoso para o mundo, para aquele ser que é tido como praga, no caso do pássaro, que é um personagem importante na história. E depois sobre essa capacidade, que nós nunca devemos negligenciar nem deixar de lado, que é a capacidade que as crianças têm de se esperançar, de viver uma esperança ativa, de esperar por um mundo melhor. Esse é um desejo intrínseco que as crianças trazem, então eu queria que fosse uma história que conciliasse isso tudo.

Como “Chupim” se relaciona com esse universo literário que você passa a escrever a partir de “Torto Arado”?

Essa história sobre o chupim aparece logo na primeira parte de “Torto arado”, quando uma das personagens adultas narra a chegada do tio e dos primos para trabalharem na Fazenda Água Negra. Ela diz que eles são convidados e são bem-vindos naquele espaço porque o campo está tomado por uma praga, que é um pássaro que leva os grãos de arroz. Tudo de ruim a gente vai escutar sobre o chupim nessa história. Bom, a história ficou por aí e eu pensei que um dia eu ia precisar reabilitar esse pássaro, pois ele não é tudo isso que dizem. Ele não é preguiçoso, não é aproveitador, não está levando o trabalho de ninguém. Ele só quer viver. 

A melhor maneira para fazer isso seria trazendo essa história para ser contada por um outro ângulo. Nesse caso, o olhar de Julim. Ele é chamado pelo pai para ajudar na colheita, espantando uma praga. Quando ele chega no campo, ele descobre que o que chamam de praga é um pássaro, é o chupim. E aí toda essa relação de respeito e afeto vai ser despertada. Para ele, o pássaro está sendo injustamente expulso dali. Havia comida suficiente para todos. Foi dessa maneira que eu disse: eu preciso resgatar esse pássaro, mas vou resgatá-lo pelo olhar de uma criança.

Eu acho que é a história de “Chupim” não é muito diferente das histórias que eu tenho escrito. O que me interessa nesse momento é falar sobre um sobre um Brasil que é pouco falado, que é pouco narrado. Um Brasil que ainda guarda marcas da desigualdade da sua própria história e das opções que fez no passado. Um país que viveu a violência colonial – que não passou, ela ainda está entre nós – e que viveu a violência da escravatura e da exploração do trabalho – que também não passou, ainda está entre nós. Eu tinha esse compromisso com o texto, que levasse tudo isso de uma maneira honesta e suave para as crianças, mas que também não lhes retirasse a capacidade de sonhar e esperar por um mundo melhor.

E o trabalho com a Manuela Navas, artista das pinturas que acompanham o seu texto em “Chupim”… como foi construído esse diálogo entre texto e imagem no novo livro?

Foi um trabalho muito interessante e muito produtivo desde o começo. Depois que o texto estava pronto, buscamos algum artista que pudesse imprimir algumas marcas que aparecem na narrativa, como a ideia de movimento e esse mundo que mistura o mundo da criança e o mundo do adulto. Daí descobrimos o trabalho da Manuela Navas e ficamos encantados com ela, que é uma artista jovem mas que já tem um trabalho considerável e incrível.

A Manuela teve total liberdade para imaginar as imagens dessa história, ou seja, ela leu o texto imaginou aquilo que poderia retratar. Na medida em que ela ia pintando as telas – o trabalho foi feito em óleo sobre tela – ela compartilhava comigo e íamos fazendo pequenos ajustes. Como, por exemplo, a maneira como eu imaginei a casa, que teria um chão de terra mesmo, e não de azulejos, ou como as crianças estariam correndo, com os pés descalços.

Além do trabalho da Manuela, vale ressaltar todo o trabalho da equipe da editora, que cuidou do projeto gráfico do livro, fez a escolha das cores, do papel, do tamanho que esse livro deveria ter, da disposição dos textos e da imagem. O livro chega e parece que surge já, assim, pronto, não é? Mas envolve o trabalho de muitas pessoas. 

Espero que o leitor ou a leitora, pequeno ou grande, criança ou adulto, possa apreciar o que essa história conta, seja pelo texto ou seja pelas belíssimas imagens que Manuela nos entregou.

Encontre “Chupim” aqui.

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel.

* O Fliparacatu é patrocinado pela Kinross, por meio da Lei Rouanet. O Culturadoria visita o festival a convite do patrocinador.

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