Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Felipe Chimicatti apresenta olhar pessoal para a Avenida Amazonas

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Neste sábado, dia 9 de dezembro, o fotógrafo Felipe Chimicatti autografa o livro “Amazonas”, no Espai Ateliê

“Por entre as pernas das páginas escorre o grão de prata desta avenida-rio que se contorce para caber no quadro. Tentáculos subterrâneos arrebentam a pele do calçamento até explodir no olho do sol. Há uma força resiliente que vem desde as entranhas de ferro”, dizem os escritos da contracapa do livro “Amazonas”, do fotógrafo mineiro Felipe Chimicatti. Com textos da arquiteta Junia Mortimer e imagens de arquivo do fotógrafo Wilson Baptista, a publicação apresenta um olhar pessoal para uma das mais importantes avenidas de Belo Horizonte. A obra traz fotos em preto e branco clicadas de forma analógica nos últimos cinco anos. Editado e distribuído pela Chão de Feira, “Amazonas” será lançado no sábado, dia 9, às 15h, no ESPAI Ateliê. O evento terá exposição de fotos do livro e sessão de dedicatórias com o autor.

Felipe Chimicatti conta que a vontade de registrar a Avenida Amazonas em fotos surgiu em 2019, logo após a vitória da extrema-direita nas urnas. Assim, veio como uma forma de criar um documento visual que tivesse conexão com as tensões que o Brasil enfrentava. “Em certo sentido, considerei que a avenida e a conformação espacial dela poderiam servir de síntese para os dilemas históricos e políticos daquele momento”.

A capa do livro "Amazonas", de Felipe Chimicatti, que será lançado no sábado (Felipe Chimicatti/Divulgação)
A capa do livro "Amazonas", de Felipe Chimicatti, que será lançado no sábado (Felipe Chimicatti/Divulgação)

Respaldo no traçado

A canalização dos rios, o modal de transporte, a pavimentação excessiva, a desigualdade social, a poluição, a vida urbana e o cotidiano das grandes cidades. “Tudo encontra respaldo no traçado formal da Amazonas”, afirma o fotógrafo, que delimitou o perímetro do trabalho como o circunscrito entre o encontro com a Avenida do Contorno e o limite com o município de Contagem. A partir desse desejo inicial e do recorte geográfico pré-estabelecido, Chimicatti traçou critérios técnicos e conceituais, embasados em uma ampla pesquisa histórica. Daí, lançou-se em longas e rotineiras caminhadas pela avenida.

Critérios técnicos e conceituais

Uma das linhas-guias do trabalho, segundo Chimicatti, foi a ideia de que a câmera nunca abandonasse o perímetro da avenida. “Caso eu quisesse fotografar um local da avenida, eu precisaria me manter com os pés sobre a via urbana. Isso ajudou a não abrir muitos assuntos paralelos. Cada pequena loja, galpão, igreja ou edifício contido na avenida possui o próprio microcosmo. Se entrasse dentro dele, talvez perdesse as rédeas do trabalho”, explica o fotógrafo, pontuando o caráter mutante da avenida. “A cada caminhada era possível enxergar locais transitórios que assumiam faces distintas”, pontua.

Desse modo, uma fachada de um edifício abandonado, poucos dias depois, transformava-se numa oficina. “(Tal qual) Uma árvore tosca e mal cuidada, na primavera, se enchia de flores. E, nesse processo de frequentes transformações, a avenida assumia uma característica viva e fragmentada que interessava muito à documentação fotográfica”, completa Chimicatti.

Características formais

Outro ponto relevante do livro de Chimicatti é o interesse pelas características formais do conjunto urbano. “As pessoas, quando surgem nas fotos, aparecem anônimas. Nunca quis emprestar um rosto ou uma fisionomia para avenida sobre risco de achatar sua diversidade e incorrer sobre estereótipos. Todas as pessoas da cidade, de uma forma ou de outra, podem ter transitado pela via”, defende o fotógrafo.

“Nesse sentido, não achei adequado criar uma relação direta entre um corpo e um rosto com a toponímia desse espaço. Então, quis que a própria avenida fosse a personagem presente nas imagens. Nesses termos, adotei esse procedimento de personificação de um espaço que me pareceu o mais coerente com a investigação proposta pela pesquisa”, ressalta o autor.

Pesquisa histórica

Conferindo caráter histórico à “Amazonas”, a publicação é aberta por fotos de arquivo assinadas por Wilson Baptista. São cliques que remontam à abertura da avenida, na década de 1940, no então governo de Juscelino Kubitscheck. “As fotografias de Wilson compõem a montagem do livro de uma maneira um pouco cíclica. Elas abrem e fecham o livro. A ideia é que a mesma cidade que se abriu na década de 1940 na direção do desenvolvimento encontra, no fim da linha, com a própria imagem invertida”, afirma Felipe Chimicatti.

O fotógrafo explica que os textos da arquiteta Junia Mortimer surgem no sentido de dialogar com as imagens – tanto as dele, quanto com as de Baptista. “Os textos da Junia vêm um pouco no sentido de produzir um diálogo, uma intercessão com as imagens. A ideia é que não fossem textos críticos, na forma da curadoria e exposições, mas que tivessem valor narrativo. Dessa forma, eles têm uma forma pessoal, mais íntima, e tratam dos problemas de sociabilidade encontrados hoje pelas escolhas feitas no auge da euforia com os valores modernos”.

Tragédia lembrada

Ao longo do livro, há menção ao episódio “Tragédia da Gameleira”. Em 1971, um pavilhão de concreto armado projetado por Oscar Niemeyer veio abaixo, no lugar onde hoje situa-se o Expominas. O evento deixou 69 operários mortos e dezenas de feridos. “Foi difícil entender de que modo essas imagens da Gameleira entrariam no trabalho”, comenta ele. Chimicatti acrescenta que achou muito sintomático que poucas pessoas, hoje, se lembrem (ou mesmo saibam) da tragédia. “Pensei muito nessa coisa da cidade produzir esquecimentos coletivos, um pouco por conveniência, recalcando traumas de maneira perigosa e desastrada. No local, não há qualquer referência ao ocorrido”, reflete ele.

Nesse sentido, ele decidiu fotografar os autos do processo criminal. “Além de estarem livres de direitos autorais, as imagens desta peça jurídica demonstram a escala do ocorrido, sem deixar de apresentar a complexidade do tema”. Por fim, Chimicatti acredita ser preciso retomar o assunto. Assim, dizer, de forma reiterada, que dezenas de pessoas morreram em um dos episódios mais injustos da história recente de Minas Gerais. “Nenhuma vítima e nenhum familiar recebeu qualquer indenização pelo dano sofrido”, indigna-se.

Dilemas sociais

Sobre os dilemas sociais que perpassam a ideia do desenvolvimento, tema que atravessa “Amazonas”, o fotógrafo evoca uma passagem do livro “As Cidades Invisíveis”, de Italo Calvino. A saber: “Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe”. “Em certo sentido, toda a aventura industrializante, para o bem e para o mal, volta revestida de seus mais agudos contratempos. A abertura da avenida é a abertura do livro. Um pedaço de terra recortado é a última imagem, numa paisagem que faz lembrar o começo de tudo”, afirma Chimicatti.

Ele acrescenta: “Tem um cara, um artista norte-americano, da década de 60, o Robert Smithson, que elaborou um conceito interessante, de ‘Ruínas em Reverso’. Até que ponto é ruína? Até que ponto é construção? O intervalo que sustenta essa ideia, de cidade em construção e em permanente expansão, é nebuloso”.

Serviço

Livro “Amazonas”, de Felipe Chimicatti (Editora Chão de Feira)

O quê. Lançamento do livro, com exposição de fotos e sessão de autógrafos

Quando. Sábado, dia 9 de dezembro, das 15h às 19h

Onde. ESPAI Ateliê (Rua Tenente Anastácio Moura, 683 – Santa Efigênia)

Quanto. Entrada franca. O livro será vendido pelo preço promocional de R$ 60

Sobre o livro. Chão de Feira (site)

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