Novo filme de Luca Guadagnino acerta ao esmiuçar jogos de poder e sedução em triângulo amoroso entre tenistas
Carol Marques | Repórter
Tema muito explorado no cinema, o esporte abre espaço para discussões a respeito dos limites do corpo, disciplina, determinação e transformação social. Em “Challengers” (ou “Rivais”, no título em português brasileiro), entretanto, o diretor Luca Guadagnino (“Me Chame pelo Seu Nome”, “Até os Ossos” e “Suspiria”) utiliza o tênis para falar sobre desejo.
A trama acompanha três tenistas em diferentes momentos da vida: Tashi (Zendaya), Art (Mike Faist) e Patrick (Josh O’Connor). Já nas primeiras cenas descobrimos que Art é um tenista muito bem-sucedido, casado com sua treinadora, Tashi. Porém, o atleta está passando por uma fase ruim na carreira, o que perturba sua esposa.
Patrick, por outro lado, não tem dinheiro nem para pernoitar em um hotel e tenta adiantar o prêmio de participação do Challenger em que se inscreveu. Com os protagonistas apresentados, finalmente o público começa a entender o passado que os une e o real significado da inevitável partida de tênis entre Art e Patrick.
Triângulo amoroso entre tenistas
Sim, “Challengers” é um filme de triângulo amoroso. E é na dinâmica do afeto, sexo e poder que entendemos, no longa de Guadagnino, que uma partida de tênis pode dizer mais (e ser mais honesta) do que uma conversa.
Patrick e Art são amigos de infância que se encantam por Tashi na primeira vez em que a veem jogar. Os dois flertam abertamente com a jovem atleta, que se diverte com a perspectiva de ter dois tenistas interessados. Entretanto, Tashi está mais interessada no tênis como demonstração de fibra moral e dedicação do que em romance ou cavalheirismo. Por isso, ela deixa claro que aquele que vencer o outro em uma partida vai ganhar o número de telefone dela.
E assim começa uma competitividade além das quadras que se estenderá por anos, muitas vezes emaranhada a uma amizade de limites borrados. A situação se torna ainda mais complicada quando Tashi sofre uma lesão grave e abandona as quadras, para mais tarde se tornar treinadora de Art e alavancar sua carreira.
Jogo e regras de Zendaya (Tashi)
A intensidade de Tashi é notável desde suas primeiras aparições em tela, e devemos isso à taciturna e firme interpretação de Zendaya. Vemos “Challengers” muito através de seus olhos: o tênis não é só um esporte, mas pulsão de vida. Quando ela perde sua capacidade como atleta, passa a projetar seus sonhos em Art, que recebe os comandos da esposa/treinadora com resignação. Pode-se entender que sua face de atleta é muito mais valiosa do que a de marido, ainda que intrínsecas e inseparáveis.
Se a trama de “Challengers” é envolvente com sua não linearidade, Guadagnino ganha por completo o espectador na cinematografia estilística e na sutileza erótica de sua direção. O corpo masculino é exaltado em cada frame sem passar por noções pornográficas ou patriarcais. Até a bola de tênis ganha seu próprio ponto de vista, jogada de um lado para o outro entre os gemidos dos homens que competem por muito mais do que aquela partida. Ao mesmo tempo, se amam. “Some good f*cking tennis”, como diria Tashi.
Vale lembrar, ainda, que esse triângulo amoroso é formado por quatro dinâmicas: Tashi e Art, Tashi e Patrick, Art e Patrick e os três ao mesmo tempo. Cada uma delas revela a complexidade dos personagens. Tashi e Art, em que o homem implora pelo amor condicional de sua esposa ambiciosa. Tashi e Patrick, em que ela o rejeita e o deseja em igual medida por sua displicência. Art e Patrick, em um laço de afeto transcendental e severamente danificado. E o triângulo em si, que vemos em tela em cenas muito específicas, evidenciando que, de fato, esse é o jogo de Tashi.
Trilha sonora de destaque
Talvez muitos estranhem a escolha do diretor, que coloca em cena uma trilha sonora de techno (Assinada por Trent Reznor e Atticus Ross, de “A Rede Social”, “Millenium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” e “Garota Exemplar”) que não passa despercebida. Ela entra na trama quase como um personagem, dando o tom da tensão e abrindo espaço para que os protagonistas falem com o corpo. “Challengers” é um filme de linguagem corporal, nos mínimos detalhes.
Por fim, um dos desafios de um longa é finalizá-lo. Aqui, o espectador é presenteado com um final esplendoroso e construído com paciência – não à toa, semelhante a um orgasmo. Tudo isso, sem qualquer cena explícita de sexo em 132 minutos de filme. Neste longa, Guadagnino deixa sua marca como um dos diretores mais interessantes do momento.