Após oito anos sem nenhuma novidade, Bob Dylan causou alvoroço entre os fãs com o anúncio do álbum de inéditas. O disco Rough and Rowdy Ways será lançado em 19 de junho. Pouquíssimas informações sobre o novo trabalho foram divulgadas. Até o momento, no entanto, três novas músicas já chegaram, dando um gostinho do que vem por aí.
A primeira delas, em março deste ano, foi Murder most foul. A canção tem 17 minutos e fez Dylan alcançar, pela primeira vez na história, o topo da Billboard. A segunda foi I contain multitudes, em abril, e False prophet, em maio junto com o anúncio oficial do novo disco.
As três músicas têm características distintas, entretanto, mantém o estilo Dylan de ser. “Murder most foul chamou atenção, especialmente por causa da sua longa duração e, claro, a letra”, explica Terence Machado, crítico musical e apresentador do programa Alto Falante. A música em questão trata do assassinato de John F. Kennedy, ex-presidente dos Estados Unidos, morto em 1963, e resgata nomes que marcaram a história, como os Beatles, Etta James, Marilyn Monroe e até faz referência ao Woodstock. As duas canções seguintes também resgatam memórias e fazem referência aos anos 1960 e 1970, mas não tratam de um fato em si.
Carreira musical e características
Para entendermos o que pode ser o novo disco de Bob Dylan, considerar a sua evolução artística e musical é fundamental. Os primeiros poemas foram escritos por ele aos 10 anos de idade. Depois disso, formou bandas na escola, aprendeu guitarra e piano sozinho e passou a se interessar mais especificamente pelo folk. O reconhecimento começou a chegar em 1962 com a canção Blowin’in the wind, lançada no segundo disco de estúdio, The Freewheelin’ Bob Dylan (1963). A música versa sobre guerra, liberdade e paz.
Só para ilustrar a importância da composição, em 1994 ela foi foi inserida no Grammy Hall of Fame Award. Além disso, em 2004 foi classificada na 14ª posição na lista das 500 Maiores Músicas de Todas os Tempos, feita pela revista Rolling Stone. O primeiro lugar da lista também ficou com Dylan com a música Like a Rolling Stone (1965).
“Acho que o Bob Dylan sempre foi, sobretudo, um escritor, que aprendeu a tocar violão, gaita, enfim, virou músico e aprendeu a criar belas linhas melódicas para abrir uma escrita impecável”, destaca Terence Machado, “ou seja, ele pode pegar uma guitarra, ter grande banda ou se apresentar solo, que é – e sempre será – um trovador folk”.
Voz
Além disso, o vocal é analisado à parte. Quando questionado sobre a evolução da voz e interpretação do artista, Machado destaca as peculiaridades. “O Dylan nunca foi exatamente um cantor com muitos recursos. Mas a voz dele, bem anasalada, seu estilo inconfundível e personalidade serviram para criar uma marca ultra pessoal. Isso sempre foi maior que a técnica ou o fato do seu timbre de voz não ser, definitivamente, dos mais belos”.
Terence ainda destaca como essa característica aparece nas músicas lançadas recentemente. “Em I Contain Multitudes, por exemplo, ele está cantando maravilhosamente bem, ao modo Dylan. Só mais contido porque é uma baladona. De certa forma, considerando apenas o canto, até prefiro esse Dylan de agora”, completa.
Por outro lado, Célio Ribeiro, músico e admirador da obra de Dylan, é um pouco mais crítico. “Depois de Desire (1976) parece que ele desistiu de cuidar da parte vocal e passou a focar nas letras (ou ele percebeu que qualquer coisa que ele fizesse seria sucesso) e começou a cantar bem, bem mal…. ou a ‘recitar as letras’, que é o que parece”, explica.
Ele ainda faz um paralelo entre o americano e os brasileiros Chico Buarque e Jorge Ben Jor. “O Chico não tem uma voz bonita, mas tem letras maravilhosas e conta histórias nas canções. Jorge Ben, na minha visão, é como o Dylan na ‘era da guitarra’, já que ele parece recitar as músicas em vez de cantar da forma usual”, relaciona. “Ben Jor fica em desvantagem pois suas letras não são tão profundas, mas também são bem trabalhadas (afinal, o que é um Spyro Gyro?)”, conclui.
Expectativas para o novo álbum
Como o 19 de junho está um pouco longe, nos resta especular. As três músicas já lançadas de Rough and Rowdy Ways variam em tema e estilo, mas ainda mostram um Bob Dylan que continua contando histórias e falando sobre si. A informação, até então, é a de que vai ser um álbum duplo. Também lançou a capa com um design “retrô”. “Acredito que essas duas informações são indícios de que ele vai contar muitas histórias e de que esse disco possa ser uma espécie de reinterpretação de sua juventude/adolescência. Tem tudo para ser mais um trabalho marcante em sua carreira. Aliás, tudo que vem com a assinatura dele é, no mínimo, relevante”, opina Célio Ribeiro.
Débora Prado, que também já estudou música, é fã de Bob Dylan e foi pega de surpresa com a notícia do novo disco. “Mas foi uma surpresa muito agradável. Para mim, o Dylan é um estilo musical que difere de tudo que eu conheço no mundo da música. As canções dele, até as mais agitadas, trazem uma sensação de calma e estabilidade que são ótimas de ouvir em qualquer situação”, explica. “Sendo assim, acho que não vou me decepcionar com o novo álbum, visto que vem de um artista excepcional e atemporal”.
O crítico Terence Machado também está esperançoso e com expectativas positivas. “Acho que, sem dúvida, vem aí um Dylan mais blues e mais melancólico. Murder most foul chamou mais atenção, mas fiquei mais possuído por I contain multitudes. Ficaria ouvindo essa no repeat por um bom tempo, tipo um mantra”, completa.
Por fim, resta apreciar o que o Dylan, de 78 anos, já lançou e aguardar o que vem por aí. Para saber mais sobre a trajetória do artista o El País preparou uma lista com 75 curiosidades sobre Dylan no seu aniversário de 75 anos. Confira.